2 de maio de 2014

A ficção curta de Philip K. Dick (5): Progeny, Foster, You're Dead! e A Present for Pat

Em Progeny, conto publicado originalmente na revista If em 1954, Philip K. Dick imagina um futuro indeterminado no qual uma autêntica "revolução educativa" mudou de forma radical e permanente a forma como as crianças são educadas - retiradas dos pais à nascença e entregues ao cuidado de robots (na prática, Inteligências Artificiais) que se encarregam de direccionar o seu desenvolvimento de forma absolutamente lógica e racional, de acordo com o seu potencial e sem quaisquer constrangimentos emocionais decorrentes da relação parental. O autor recorre à terminologia e aos conceitos psicanalíticos de Freud para ilustrar o ponto - com uma educação assente na lógica e desprovida da irracionalidade emocional que o contacto humano implica, as crianças cresceriam livres de neuroses e de complexos de Édipo, com um treino adequado às suas capacidades e ao seu potencial, sem ter de obedecer às expectativas e aos caprichos dos pais. Mas, como a visita (com aprovação burocrática) de Ed Doyle ao seu filho Peter revela, isso vem com um preço - e talvez valha a pena perguntar se, no final, aquela criança (e todas as outras) seriam ainda humanas, ou se estariam mais próximas dos seres artificiais que as educaram. A questão é pertinente, e Philip K. Dick explora-a de forma inteligente, sem dizer tudo - adivinha-se a respostas nas reacções e nas reflexões de Peter, expressivas na sua inexpressividade. E, no final, um twist clássico de PKD - que por si só pede a releitura integral do conto. 

Foster, You're Dead!, um conto publicado na antologia Star Science Fiction Stories No.3 (com edição de Frederik Pohl) em 1955, consiste numa especulação intrigante sobre como seria a vida no futuro próximo (para a época) de 1971 - e retrata uma sociedade em simultâneo assustada com a possibilidade de uma guerra nuclear e tomada pelos mais básicos impulsos consumistas. Philip K. Dick explora a premissa através de Mike Foster, uma criança cujo sonho de ter no seu quintal um sofisticado abrigo nuclear esbarra na teimosia do seu pai, que recusa apoiar os preparativos para a guerra nuclear na sua cidade por considerar que a comercialização de abrigos cada vez mais modernos - com os inevitáveis planos de pagamento, claro - consiste num esquema da Defesa para, através do medo, levar os cidadãos ao consumo. De uma só cajadada, Philip K. Dick satiriza o pânico nuclear do seu tempo e a estrutura de funcionamento da sociedade de consumo, que através de necessidades artificiais e hiperbolizadas leva os indivíduos a adquirem mais e mais produtos dos quais, para todos os efeitos, não necessitariam - para lá das suas posses, claro. E neste ponto, Foster, You're Dead! revela-se estranhamente presciente e actual, com o seu ponto de vista infantil a enriquecer a história de forma assinalável. 

Completamente distinto tanto no tom como no tema é A Present for Pat, um conto publicado em 1954 na revista Startling Stories. Afastando-se dos seus temas mais convencionais, Philip K. Dick recria em A Present for Pat uma breve comédia envolvendo uma divindade (menor) de Ganimede adquirida aos locais pelo prospector Eric Blake (a preço barato, e com garantia) e trazida para a Terra na qualidade de presente exótico para a sua mulher, Patrícia. Mas essa divindade, de nome Tinokuknoi Arevulopapo, cedo começa a causar sarilhos - e Eric vai ver a sua vida dar uma atribulada reviravolta devido à interferência daquela curiosa criatura. A Present for Pat não é um conto de todo surpreendente - o twist do final adivinha-se ainda antes de se chegar a meio do texto - mas não deixa de ser interessante notar como Philip K. Dick entra no território do humor através de uma situação no mínimo bizarra, com piadas um pouco óbvias, mas nem por isso menos divertidas, e um final over the top. Mas é um texto interessante sobretudo pelo seu tom, algo raro na obra de Philip K. Dick - o autor entra por vezes no território do humor negro, mas é raro vê-lo num registo de comédia mais pura. 

Sem comentários: