Um dos mais interessantes aspectos da ficção científica enquanto género cinematográfico é a possibilidade que oferece de combinar muito bem com outros géneros mais "convencionais". Um filme de ficção científica pode ser também um filme de acção ou de terror, um drama ou um thriller, uma aventura ou um épico, ou mesmo uma comédia - e sem perder a sua identidade de ficção científica, especulativa e arrojada. Para evitar uma lista exaustiva, vou abster-me de dar exemplos de todas estas categorias, para falar de um projecto que combinou com mestria a ficção científica com a comédia e a aventura, resultando num filme a todos os níveis inesquecível: Back to the Future.
Poderíamos começar pelo próprio título, tão bem conseguido que se tornou numa expressão idiomática. Back to the Future (Robert Zemeckis, 1985) é um filme sobre viagens no tempo, um tema clássico e normalmente mal tratado na ficção científica, dada a sua complexidade. Diria que o grande problema deste tema é a noção de paradoxo - se voltarmos atrás no tempo e alterarmos algo, essa alteração tem impacto no futuro de onde partimos. Isto origina aquele exemplo clássico de irmos ao passado matar a nossa própria mãe, deixando assim de existir. Claro que há várias formas de abordar a questão. Na literatura, e a título de exemplo, Robert A. Heinlein, descartou toda e qualquer noção de paradoxo com grande elegância em Time Enough for Love, sem que para isso tenha sido obrigado a sacrificar a lógica; e neste romance, o protagonista Lazarus Long volta atrás no tempo não para matar a mãe, mas para "conhecer" com a mãe - assumindo o tempo como algo impossível de alterar. No cinema, a narrativa de Terminator, de James Cameron, segue uma abordagem na mesma linha quando Kyle Reese viaja para o passado para proteger Sarah Connor e, pelo caminho, gerar o futuro líder da resistência humana. Back to the Future optou por uma abordagem mais "conservadora", digamos assim, ao tema: qualquer alteração no passado tem impacto no futuro, e quando o jovem Marty McFly (Michael J. Fox) viaja inadvertidamente para 1955 e acaba por colocar a sua própria existência em risco ao, sem querer, fazer com que a mãe se apaixone por ele, e não pelo seu pai. No seu hilariante percurso pela adolescência dos seus pais, conhece ainda Emmett "Doc" Brown, futuro inventor do "DeLorean", quando este era mais jovem - e, com a sua ajuda, consegue regressar à sua época. Mas não sem fazer algumas mudanças subtis no futuro…
Back to the Future é, acima de tudo, um filme bastante divertido, que mostra que não é preciso recorrer a cenários futuristas, raças alienígenas e distopias sombrias para fazer boa ficção científica - basta usar alguma imaginação e muito sentido de humor. Neste caso, bastou juntar tudo a uma viagem, não para um futuro distante, mas para um passado demasiado próximo. Em inúmeros aspectos, o filme tornou-se icónico: nenhuma máquina do tempo é tão cool como o DeLorean, nenhum cientista é tão positivamente louco como Doc (Christopher Lloyd no papel de uma vida), e nenhuma viagem no tempo deve ser tão embaraçosa como a de Marty McFly. As duas sequelas que se seguiram foram divertidas à sua maneira (quem não desejou ter um skate antigravidade?), mas nenhuma foi comparável ao original de 1985. 8/10
[adaptado deste post no Delito de Opinião]