1 de outubro de 2013

Riddick, ou os desafios da sobrevivência

No início da última década, o realizador David Twohy surpreendeu os aficionados do cinema de ficção científica em Pitch Black. Com o então ainda pouco conhecido Vin Diesel como protagonista, o filme que apresentou Richard B. Riddick regressou aos elementos mais básicos das premissas de clássicos como Alien ou The Thing para construir um thriller de acção tenso, sustentado por um visual singular e pelo carisma invulgar do protagonista – um criminoso e escape artist duro, destemido e com poucos escrúpulos. O relativo sucesso, pelo menos crítico, do primeiro filme não passou por completo para a sequela, The Chronicles of Riddick, que expandiu não só aquele universo ficcional em termos mais gerais, mas também a mitologia pessoal do enigma que era o personagem de Vin Diesel – mas num ambiente mais reminescente de alguma fantasia épica do que de ficção cientifica que de alguma forma não resultou em pleno. Mas nem Twohy ou Diesel nunca abandonaram a ideia ou a personagem; e no final deste Verão estreou por fim Riddick, terceiro capítulo da série.

O primeiro detalhe que salta à vista neste regresso ao anti-herói Riddick é o retorno aos temas do primeiro filme – afastando-se tanto dos Necromongers e da sua cruzada megalómana-religiosa como das origens do protagonista, traçadas até ao misterioso planeta Furya. Ferido e abandonado para morrer num planeta tão remoto como inóspito, Riddick vê-se forçado a reaprender a arte da sobrevivência – nas palavras do próprio, a tornar-se de novo num animal – para conseguir enfrentar as muitas ameaças que o planeta lhe coloca. O longo prólogo, ainda que padeça de um ligeiro excesso de exposition, funciona surpreendentemente bem ao centrar-se em Riddick e nas suas desventuras – na forma como trata os seus ferimentos, como lida com os cães alienígenas (e cria um), como se protege num abrigo e como enfrenta as temíveis criaturas aquáticas. E nem o flashback que conta como foi ali parar após o curioso final de Chronicles se torna demasiado maçador (apesar de poder ser disseminado de outra forma pela película, talvez com vantagem.


Riddick, porém, não se limita a contracenar com criaturas selvagens feitas por imagens geradas por computador. No horizonte, uma enorme tempestade ameaça libertar no planeta números incalculáveis das criaturas aquáticas que enfrentara antes; e, para se salvar, vê-se obrigado a arranjar uma boleia para sair do planeta. É aqui que entram em cena duas equipas de mercenários rivais: os soldados do pouco escrupuloso Santana e a equipa de Johns e da sua assistente, Dahl (Katee Sackhoff), profissionais bem equipados e com uma agenda muito própria.


A ideia, note-se, funciona relativamente bem enquanto o protagonista enfrenta a natureza hostil do planeta onde se encontra perdido ou os mercenários que respondem ao sinal de socorro (e que, como sempre, o subestimam). Ainda que nenhum dos actores se destaque por alguma interpretação soberba, também não comprometem a proposta modesta do filme, nem saem demasiado descredibilizados dos diálogos um tanto ou quanto irregulares. De resto, é sempre um prazer ver Riddick em acção, com a sua ilimitada capacidade de improvisar com poucos recursos e de tornar qualquer objecto numa arma. Vin Diesel continua em forma – o Riddick deste terceiro filme é um regresso bem conseguido ao de Pitch Black, liberto da carga de chosen one que o segundo filme lhe impôs para fazer aquilo que sabe fazer melhor: matar e sobreviver. O problema é o resto.


E o resto é o terceiro acto do filme, com os céus de tempestade a desabar e as terríveis criaturas aquáticas a emergir em busca de sangue – colocando uma nova ameaça aos mercenários, superior à de Riddick apenas nas aparências. Mas a acção, em ritmo crescente até àquele ponto, abranda de forma drástica – não há acrobacias em motas anti-gravidade que recuperem o ritmo da história ou que salve o final insípido e genericamente frouxo, tanto numa avaliação individual como em comparação com as sequências finais de ambos os filmes. Dada a premissa, o filme poderia funcionar como uma nova reflexão sobre o medo, à imagem do primeiro, ou sobre as consequências de um poder indesejado, como o segundo tenta fazer com moderado sucesso. Acaba, porém, por não fazer uma coisa ou outra; e, ao colocar todas as fichas na exposição de algumas fraquezas do protagonista (e numa situação um tanto ou quanto desesperada com resolução previsível), acaba por perder uma boa oportunidade de ascender acima dos seus elementos mais básicos.


O que, bem vistas as coisas, acaba por ser a sina de toda esta franchise. As expectativas para com Riddick não eram altas, e Twohy até as cumpre – em termos visuais, o filme é bastante interessante, e algumas fraquezas nos efeitos especiais não ofuscam a excelente atmosfera recriada; e a acção, sobretudo quando Diesel está sozinho em cena, acaba por funcionar surpreendentemente bem. Mas falta-lhe a ambição de explorar melhor o que torna Riddick numa personagem tão interessante, e a vontade de abordar algo mais do que a mera noção de sobrevivência. À semelhança dos filmes anteriores, Riddick é bastante promissor – e não deixa de ser frustrante que nunca explore todo o seu potencial. 6.2/10

Riddick (2013)
Realização de David Twohy
Argumento de David Twohy e Jim Wheat
Com Vin Diesel, Katee Sackoff, Matt Nable, Jordi Mollà, Dave Bautista e Karl Urband
119 minutos

Sem comentários: