4 de junho de 2013

District 9, ou o Apartheid em versão alienígena

As histórias das invasões alienígenas são tudo menos novidade na ficção científica. Seja através de chegadas espectaculares e com graus de hostilidade diversos, seja infiltrando-se lenta mas inexoravelmente nas sociedades humanas, seja até vivendo nas sombras, o tema já foi abordado por vários autores em todo o tipo de formatos, da literatura ao cinema e aos videojogos. Talvez seja mais ou menos aí que reside boa parte do encanto de District 9, de 2009, a primeira longa-metragem do sul-africano Neill Blomkamp, e um dos mais improváveis êxitos da ficção científica cinematográfica dos últimos anos - na sua constante subversão de convenções há muito estabelecidas e cristalizadas. E também, claro, pela forte ligação que estabelece com a África do Sul, tanto contemporânea como histórica - uma nação que não surge com frequência nas histórias do género. 

District 9 arranca em forma de um documentário - ou mockumentary, se preferirem - sobre o trabalho do departamento de "Alien Affairs" da Multi-National United (MNU), seguindo um dos seus empregados, o burocrático Wikus van de Merwe (Sharlto Copley) naquilo que se vai revelar uma missão de contacto com os prawns. E o que são os prawns, pergunta o espectador? Os extraterrestres que chegaram vinte anos antes à Terra numa gigantesca nave que, por algum motivo, em vez de se posicionar sobre cidades como Manhattan, Washington ou Chicago, foi parar sobre Joanesburgo - e a admissão da surpresa por um entrevistado confirma a elegância da subversão da trope original de Arthur C. Clarke em Childhood's End.


Que, contudo, não ficou por aqui. Sem contacto, as autoridades decidiram forçar a entrada na nave - e ao invés de uma raça hostil, encontraram uma multidão de alienígenas de aparência insectóide, subnutridos e apáticos. Com a nave aparentemente desactivada, a pairar sobre a cidade, os alienígenas são recolocados para o Distrito 9, uma zona restrita e vedada nos arredores de Joanesburgo; falhada a integração, a zona  cedo se degrada e se transforma numa vasta favela. 


Com o passar dos anos, a miséria e a criminalidade no Distrito 9 dispararam, e a população da cidade não quer ter os prawns por perto - o que levou o Governo a contratar os serviços da MNU para relocalizar os alienígenas para um novo campo mais distante. É aqui que entra Wikus van de Merwe, designado pelo seu sogro como líder da operação que despejo dos alienígenas e deslocação para a nova área designada. Sempre acompanhado por uma força paramilitar, Wikus leva a cabo a operação com o seu peculiar e desastrado zelo - e, sem querer, vai tropeçar (quase literalmente) num segredo dos alienígenas que vai transformar a sua vida para sempre.


É evidente que District 9 está carregado de referências ao apartheid sul-africano e de vários acontecimentos que tiveram lugar naquele período - com destaque para o caso do "Distrito 6", com Neill Blomkamp e Terri Tatchell a utilizarem os alienígenas como plot device para explorarem o tema da xenofobia e da segregação racial. Aqui, nada e novo, e na forma a abordagem lembra um pouco a exploração da alienação dos combatentes através da relatividade que Joe Haldeman descreveu em The Forever War. Mas o que torna District 9 é a forma como Wikus evolui (pun intended) do funcionário burocrático, frio e de sentido de humor duvidoso para alguém que consegue compreender os alienígenas, ao ponto de sentir compaixão. A dada altura, o registo de mockumentary desvanece-se, e não se dá por ele - a extraordinária mudança de Wikus carrega todo o filme.


Pelo meio da infeliz cruzada de Wikus há a presença militar da MNU, decidida a levar a cabo a missão e a recuperar algo que lhes permitirá por fim utilizar armamento alienígena para propósitos militares; e os gangs do Distrito 9, com um propósito semelhante. Blomkamp, que dois anos antes trabalhada nas realização das curtas metragens que compõem Halo: Landfall, revelou conhecer muito bem as convenções narrativas da ficção científica também no universo dos videojogos. O arsenal alienígena é prova disso, e a acção frenética da última parte do filme utiliza praticamente todos os truques do manual de qualquer shoot'em up. O que, diga-se de passagem, está longe de ser um defeito - o armamento imaginativo e algo over the top contrasta com a aparente passividade dos alienígenas, e funciona não só como um excelente macguffin para as várias facções em jogo, mas também como base para uma excelente componente visual.


No ano em que James Cameron pulverizou os seus próprios recordes de bilheteira com Avatar e Duncan Jones encantou os fãs e surripiou prémios com o discreto e muito sólido Moon, Neill Blomkamp merece todo o destaque com District 9. Com um tom eficaz e um equilíbrio praticamente perfeito entre o humor e o drama, District 9 utiliza tropes clássicas com mestria e desenvolve, num filme atmosférico q.b., uma ideia relevante sem abdicar de excelentes sequências de acção. Será, sem dúvida, o melhor dos três - e um dos melhores dos últimos anos. 8.7/10

District 9 (2009)
Realizado por Neill Blomkamp
Argumento de Neill Blomkamp e Terri Tatchell
Com Sharlto Copley, Jason Cope, David James, Vanessa Haywood, Louis Minnaar, Eugene Khumbanyiwa e Mandla Gaduka
112 minutos

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