24 de junho de 2014

X-Men: Days of Future Past: Regresso ao futuro

Em 1981, com Chris Claremont, John Byrne e Terry Austin a cargo do título The Uncanny X-Men, foi publicada uma das histórias mais populares da célebre equipa de mutantes heróis (e vilões): Days of Future Past. Como o título indica, trata-se de uma história de viagens no tempo que arranca num futuro apocalíptico no qual os mutantes são perseguidos pelas Sentinelas e enviados para campos de concentração próprios - aqueles que sobrevivem ao confronto com aquelas máquinas concebidas com o propósito único de caçar mutantes. Em desespero de causa, Kitty Pride utiliza os seus poderes para fazer a sua consciência regredir no tempo e, ocupando o seu corpo jovem, impedir o acontecimento que determinou aquele futuro sombrio: o assassinato do Senador Robert Kelly pelos mutantes liderados por Mystique. A premissa assenta na ideia de que uma alteração no passado provocaria alterações radicais no futuro - conceito explorado de forma mais ou menos recorrente na ficção científica (e que, no cinema do género, viria a conhecer duas entradas muito populares alguns anos mais tarde com o Terminator de James Cameron e Back to the Future de Robert Zemeckis), e que aqui é utilizado de forma inteligente. E que Bryan Singer e Matthew Vaughn aproveitaram para, num único filme, unir as duas continuidades narrativas e temporais da franchise no cinema, aproveitando uma oportunidade única para juntar, no mesmo blockbuster, dois dos melhores elencos que as adaptações cinematográficas de comics já conheceram. O resultado foi o muito aguardado X-Men: Days of Future Past.

Situando-se como sequela directa tanto a Last Stand como a First Class, Days of Future Past começa num futuro apocalíptico no qual as Sentinelas construídas pelas Trask Industries caçam e aniquilam os mutantes - isto numa primeira fase, pois cedo os alvos daqueles monstros mecânicos passa também para seres humanos comuns que revelem potencial de ter descendentes com mutações, ou que simplesmente simpatizem com a causa mutante (o paralelo com o Holocausto é evidente). Numa sequência inicial que prima pela eficácia, Singer e Vaughn mostram quão violento e desolador é aquele futuro, e quão desesperada é a luta dos sobreviventes.


Com os seus números desfalcados por várias mortes, Xavier (Patrick Stewart) e Magneto (Ian McKellen) colocaram de lado as suas diferenças para conseguirem sobreviver de forma radical. Os seus passos convergem com um outro grupo de mutantes, quem tem sobrevivido graças aos poderes únicos de Kitty Pride: quando as Sentinelas os detectam, Colossus (Daniel Cudmore), Warpath (Booboo Stewart), Sunspot (Adan Canto), Blink (Bingbing Fan) e Iceman (Shawn Ashmore) combatem enquanto Pryde envia a consciência de Bishop (Omar Sy) para o passado, alertando o grupo antes de o ataque ter lugar - permitindo-lhes assim mudar para uma localização temporariamente mais segura. 


Quando os dois grupos se encontram na China, Xavier propõe uma derivação radical desta ideia: enviar alguém até aos anos 70 para impedir o acontecimento que acabou por conduzir àquele futuro: o assassinato de Bolivar Trask (Peter Dinklage) por Mystique (Jennifer Lawrence). Os poderes regenerativos de Wolverine - e mais do que isso, convenhamos, o protagonismo de Hugh Jackman - tornam-no no emissário ideal, capaz de sobreviver aos rigores de um recuo temporal de décadas; e Logan vai acordar no seu corpo de 1973, com a missão insólita de reunir os desavindos Xavier (James McAvoy) e Magneto (Michael Fassbender) para poder parar Mystique. Mas entre um Professor perdido nas suas próprias mágoas e um Magneto obcecado com os seus sonhos de supremacia mutante, a missão de Wolverine não se vai revelar nada fácil - sobretudo quando o desastre paira sobre o futuro de todos. 


Para todos os efeitos, Days of Future Past é um dos melhores filmes da franchise: se o elenco da trilogia original era bom e o de First Class não ficou atrás, juntar os dois num mesmo filme acaba por se revelar numa aposta mais do que ganha, com as interpretações sólidas e credíveis a que os vários autores já habituaram o seu público. Singer e Vaughn conseguem recuperar para o passado vários elementos que fizeram de First Class um filme tão interessante, como o entrecruzar da História alternativa com a História real (visível, por exemplo, no envolvimento de Erik no assassinato de Kennedy ou na recruta de Havok e de outros mutantes para a guerra no Vietname) enquanto acenam em várias ocasiões, e frequentemente com muito humor, à continuidade narrativa tanto da trilogia como de First Class


Também em termos visuais Days of Future Past merece destaque pela forma como mostra o futuro negro dos mutantes, e os espantosos combates dos sobreviventes contra umas Sentinelas monstruosas, capazes de se adaptar a todos os poderes pelos genes de Mystique. As sequências com Blink são especialmente evocativas (a fazer lembrar quase uma test chamber de Portal), sincronizadas na perfeição para mostrar os poderes espantosos dos seus companheiros - e a sua derradeira inutilidade perante a força das Sentinelas. Tal como a sequência de câmara lenta de Quicksilver no resgate a Magneto - executada na perfeição e divertidíssima de acompanhar. No resto, importa sublinhar o contraste do futuro sombrio com o estilo retro das cenas dos anos 70 - a diferença é notória, e funciona muito bem.


Mas todos estes pontos positivos não evitam que Days of Future Past acabe por ser vítima da sua ambição em alguns momentos - sobretudo no desfecho, que para todos os efeitos é um reset funcional à trilogia original (quem desejou que Last Stand nunca tivesse acontecido vai ter motivos para celebrar). As consequências de todo o plano para Wolverine nunca ficam claras, e persiste a sensação de que toda a gente avançou no tempo na nova continuidade, menos ele; e o seu passado, por via de um pormenor intrigante após o clímax, acaba por desafiar o que fora estabelecido em filmes anteriores. Também é curioso notar como o desenvolvimento do enredo, a espaços feito de forma tão inteligente, acaba por se deixar cair na armadilha da conveniência (a fraqueza momentânea de Wolverine ao ver Stryker); e não deixa de ser lamentável que toda a introdução dos mutantes no Vietname acabe por se revelar um beco sem saída, com aquelas personagens a não terem qualquer relevância após o fim daquela cena. E, como não podia deixar de ser, se avançamos para as questões de continuidade narrativa com a trilogia original a coisa pode ficar mesmo confusa, com a ressurreição por explicar de Xavier a ser apenas a ponta do icebergue (afinal, Last Stand aconteceu antes de não ter acontecido).


Com uma estética irrepreensível e um estilo notável na antítese que estabelece entre dois momentos tão distintos no tempo e no tom, X-Men: Days of Future Past estabelece-se aos poucos como um dos melhores filmes de uma franchise que já vai longa: combina dois elencos notáveis de forma satisfatória, desenvolve uma trama ambiciosa que, não estando isenta de problemas, acaba por se revelar bastante satisfatória, e denota um apuro visual excepcional na utilização de efeitos especiais em prol da narrativa. Os fãs mais irredutíveis do comic original poderão encontrar alguns problemas na adaptação (um Wolverine martelado na viagem no tempo e sem a sua cena icónica com Colossus e a Sentinela), mas nem por isso o resultado deixa de ser um filme muito consistente na sua apresentação e no seu desenvolvimento. E, pasme-se, consegue ser relevante na sua qualidade de prequela, sequela e reboot funcional de uma franchise cinematográfica. O que, convenhamos, não é para todos. 7.9/10

X-Men: Days of Future Past (2014)
Realizado por Bryan Singer
Argumento de Matthew Vaughn, Simon Kinberg e Jane Goldman
Com Patrick Stewart, Ian McKellen, James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Halle Berry, Ellen Page, Nicholas Hoult, Peter Dinklage, Shawn Ashmore, Omar Sy, Evan Peters, Bingbing Fan, Josh Helman, Daniel Cudmore, Adan Canto, Booboo Stewart e Mark Camacho
131 minutos 

4 comentários:

João Souza disse...

Esse filme dos mutanas foi talvez o que eu mais me diverti, mas no fundo eu sei que o filme é medíocre. A minha sensação é que tudo poderia ter sido melhor explorado:

1. Não existe nenhuma batalha memorável (pô, nós tinhamos SENTINELAS nesse filme, mas o roteiro resolve o embate fazendo o Magneto colocar trilhos para controlar os robôs... é risível!)

2. Eles tinham o Tyrion Lannister, mas utilizam o ator muito mal!

3. Os personagens do futuro só aparecem por questão de efeitos visuais. Quantas falas a Tempestade tem? Como se importar com a extinção da Blink e do Bishop se o roteiro nem se dá ao trabalho de explicar quem eles são. (é muito mutante mal desenvolvido, algo parecido com a sua reclamação sobre os mutantes do Vietnã).

4. A introdução é outro ponto fraco (mas que reforça meu sentimento de que nessa franquia da Fox, o unico interesse é contar arcos de histórias completamente fechados, sem que isso afete os personagens em futuras histórias). Não há explicação clara de como se deu aquele futuro, fica-se subentendido já que ele é apresentado as pressas.


Apesar disso tudo eu me diverti. A trama é boa e a Jennifer Lawrence e o Fassbender mandam muito bem. O ruim é saber que tudo que aconteceu nesse filme com os personagens, provavelmente não será carregado para os próximos capítulos, porque ao que parece os personagens de X-Men nunca evoluem.

João Campos disse...

Há uma resposta para a questão da Storm: o guião original dava-lhe muito mais destaque, mas a gravidez da Halle Berry acabou por limitar muito o potencial das personagem.

A introdução acaba efectivamente por falhar - mas julgo que isso acabaria por ser inevitável. Se a introdução aprofundasse a Blink, o Warpath, o Sunspot e o Bishop, teria provavelmente de explicar a ressurreição de Xavier desde X3: Last Stand. E isso sim, seria problemático.

Pessoalmente, porém, julgo que as batalhas funcionaram bastante bem - pareceram-me frenéticas e intensas, e serviram tanto para individualizar aquelas personagens novas através da ilustração dos seus poderes (Blink fez-me *mesmo* regressar a "Portal"!) como para mostrar as capacidades adaptativas das Sentinelas. Explicar como se chegou àquele futuro de forma mais detalhada possivelmente obrigaria a um outro filme... ou a um prólogo alargado ao estilo de "Pacific Rim" (que eu adorei, mas sei que esta opinião está longe de ser maioritária).

Mas sim, concordo com a conclusão - a Fox está mais interessada na bilheteira do que nas histórias. Seria óptimo ver a franchise reverter para a Marvel - que, não tenhamos ilusões, também está nisto pela bilheteira e pelo merchandising, mas que não obstante tem tratado bem melhor a sua propriedade intelectual.

João Souza disse...

Acho que no final concordamos então, o filme é divertido, mas está longe de ser o que Vingadores foi, ou o que será o Liga da Justiça (putz, penso nesse filme todo dia, rs)




Ah, e parabéns pelo seu post de hoje lá no site da revista Bang, é triste saber que as franquias parecem dominar os estúdios de Hollywood. Encontro com Rama dirigido ao estilo do Kubrick nos dias de hoje seria uma coisa linda de se ver!

João Campos disse...

O filme da Liga da Justiça? Cheira-me que vai ser um flop estrondoso. "The Avengers" é um bom filme - tão bom, aliás, que se torna fácil esquecer que, entre os filmes da Marvel que o antecederam, apenas o primeiro "Iron Man" é verdadeiramente bom. E que houve desastres como o "Hulk" do Ang Lee.

Obrigado! Rama seria uma adaptação magnífica... mas para ser ao estilo do Kubrick teríamos de ir buscar o Jonathan Glazer (do "Under the Skin"). Como blockbuster não funcionaria - falta o romance e faltam... explosões.