21 de janeiro de 2014

Silent Running: A odisseia da última floresta

O nome de Douglas Trumbull estará sempre associado ao cinema de ficção científica pelo seus espantosos, quando não revolucionários, trabalhos de efeitos especiais em algumas das mais consagradas longas-metragens do género. Notabilizou-te ainda nos anos 60 pela sua colaboração com Stanley Kubrick na concepção e no desenvolvimento da obra-prima 2001: A Space Odyssey, e no início dos anos 70 com Robert Wise em The Andromeda Strain; mais tarde, o seu trabalho em Close Encounters of the Third Kind (1977),  Star Trek: The Motion Picture (1979) e Blade Runner (1982) seria reconhecido com nomeações para os Óscares da Academia. Mas Trumbull não se limitou a criar para filmes de outros realizadores alguns dos melhores efeitos especiais que a tecnologia das respectivas épocas permitia; também fez algumas incursões na realização. Talvez a mais significativa tenha tido lugar em 1971 com Silent Running, um curto mas interessante filme de ficção científica que parte de uma premissa ecológica para contar a história de um homem muito peculiar.

Um dos pontos onde Silent Running se supera é na forma como consegue apresentar um futuro alternativo (mera curiosidade: esse futuro seria o ano de 2008) sem recorrer ao estafadíssimo método do infodump: ao longo dos 89 minutos do filme, o espectador fica a saber, pelas interacções, conversas e discussões entre as personagens e por várias outras pistas, que na Terra de 2008 já não existe flora de qualquer espécie. Num esforço derradeiro de preservação da Natureza, uma frota de naves comerciais da American Airlines (maravilhas do product placement) foi fretada para transportar para as profundezas do Sistema Solar vastos domos ecológicos com os diferentes tipos de floresta norte-americana, até ao dia em que pudessem regressar para reflorestar o planeta. 


A Humanidade, essa, vive num mundo sem pobreza, sem doença e sem desemprego – mas também, na opinião de Freeman Lowell (Bruce Dern), sem beleza natural, sabor ou imaginação. Lowell é o botanista da nave “Valley Forge”, estacionada na órbita de Saturno juntamente com a restante frota ecológica; a sua paixão pelas florestas e pelo mundo natural é imensa, e incompreendida pela restante tripulação da nave – para quem aquela missão é apenas um trabalho, sendo os domos mercadoria como outra qualquer. Mas quando a frota ecológica recebe ordens para ejectar os domos e destruí-los com cargas nucleares para poder voltar à Terra e retomar os seus serviços comerciais, Lowell vê-se confrontado com uma escolha impossível – e recorre a medidas drásticas para salvar o último domo da “Valley Forge”, onde passava a maior parte do seu tempo na sua horta ou a cuidar dos animais e das plantas que lá viviam.


No que ao elenco diz respeito, Bruce Dern carrega Silent Running aos ombros – e mesmo alguns momentos em que o actor parece cair em overacting acabam por parecer credíveis pela paixão incondicional que a personagem tem pelos pequenos mundos naturais que transportam. As suas interacções com a tripulação são notáveis – e, na segunda parte do filme, as sua aproximação dos drones responsáveis manutenção da nave revela-se memorável. Os drones, aliás, merecem destaque tanto pela sua concepção (utilizando actores amputados) como pela sua profunda humanidade, manifestada em vários momentos do filme.


É certo que Silent Running não apresenta na premissa e na narrativa o rigor científico de um 2001: A Space Odyssey; Trumbull optou por bastantes detalhes em prol de uma maior simplicidade na filmagem e de um maior dramatismo narrativo (a gravidade artificial e o som no vácuo serão porventura dois bons exemplos). A construção da “Valley Forge”, porém, revela-se bastante inteligente, com o cenário de interiores construído num porta-aviões fora de serviço, com o mesmo nome – o que torna todos os espaços mostrados, da ponte aos espaços comuns, bastante mais realistas. Alguns detalhes, como a mesa de bilhar circular, tornam-se elementos distintivos e originais. 


De certa forma, Silent Running acaba por cair um pouco na mesma categoria de um outro clássico estreado poucos anos mais tarde: Logan’s Run. Para os padrões contemporâneos poderá parecer algo datado, mas existe na sua concepção estética uma inteligência inegável. Trumbull explora um tema relevante sem cair no moralismo fácil que as premissas ecologistas nem sempre conseguem evitar; e fá-lo através de uma história simples, bem contada e sem pretensões de se elevar acima da sua estatura. Será talvez um clássico menor do género, mas ainda assim um clássico – e uma peça fundamental da ficção científica ecologista no cinema. 6.8/10

Silent Running (1971)
Realizado por Douglas Trumbull
Argumento de Deric Washburn, Michael Cimino e Steven Bochco
Com Bruce Dern, Cliff Potts, Ron Rifkin, Jesse Vint, Mark Persons, Cheryl Sparks e Steven Brown
89 minutos

2 comentários:

Fyredrake disse...

Ora aí está um dos tais filmes que vi pela primeira vez na saudosa RTP da minha infância e adolescência. Marcou-me sobretudo pela sua componente ecológica, nada habitual nos filmes de fc que costumava ver. Isto foi antes de ter conhecido Frank Herbert e o seu colossal Dune (a série de livros, naturalmente).
Também fiquei a apreciar o trabalho de Douglas Trumbull no campo dos efeitos especiais que teve o seu expoente máximo, na minha opinião, em Blade Runner.
Sim, sou uma daquelas geeks que vê as fichas técnicas dos filmes e que gosta de saber quem fez o quê

João Campos disse...

Vi-o pela primeira vez há dias, para escrever este artigo. Mais do que o tema e a abordagem, gostei da componente visual - numa época como a nossa, em que praticamente tudo é reduzido ao mínimo denominador comum digital, aprecio ainda mais os efeitos práticos, as miniaturas e os cenários da ficção científica dos anos 60, 70 e 80.

E também aprecio os detalhes dos créditos. Efeitos especiais, banda sonora...