10 de dezembro de 2013

The Hunger Games: Catching Fire: Lume brando

Poucos filmes a estrear em 2013 seriam talvez tão aguardados como The Hunger Games: Catching Fire, segunda parte da adaptação cinematográfica da distopia young adult que a norte-americana Suzanne Collins publicou entre 2008 para 2010, e que se tornou num fenómeno literário global. E, a avaliar pelos resultados de bilheteira, pode-se dizer que este segundo capítulo não tem desiludido. Sequela directa a The Hunger Games, um dos maiores êxitos do ano passado, Catching Fire regressa ao futuro indeterminado e distópico de Panem, nação dividida em doze distritos e subjugada pela tirania opulenta do Capitólio, e a Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), a jovem rapariga que venceu em circunstâncias muito invulgares a 74ª edição dos "Hunger Games", o torneio gladiatorial tornado reality show que coloca, ano após ano, um rapaz e uma rapariga de cada um dos distritos numa arena para um combate mortal do qual apenas um poderá sair vivo. O impacto da vitória de Katniss, inesperada pela forma como obrigou o Capitólio a aceitar não um mas dois vencedores, fez-se sentir em todo o sistema político e social de Panem - mas de que forma exactamente?

Em termos narrativos, não será talvez incorrecto dizer que Catching Fire está dividido em duas partes - uma primeira, mais centrada no desenvolvimento do worldbuilding, da premissa e das personagens; e uma segunda, a privilegiar a acção num regresso à arena. Em termos muito genéricos, essa divisão pode ser feita com base nas estratégias do poder político para conter a ameaça que Katniss representa, após ter desafiado as regras dos Jogos e a autoridade do Capitólio e de se ter tornado, ainda que sem querer, num símbolo de esperança contra a opressão do governo do Presidente Snow (Donald Sutherland) - que uma rebelião incipiente pretende explorar.


A primeira parte do filme acompanha Katniss na sua tentativa de recuperar um módico de normalidade para a sua vida sem colocar a sua família em perigo. Após o seu regresso passou a viver num "bairro dos vencedores", zona reservada aos campeões dos Jogos mas que, longe de ser um lugar celebratório, mais se assemelha a um mausoléu abandonado - quase num reflexo da vida amargurada do seu anterior ocupante solitário, Haymitch (Woody Harrelson). As suas tentativas de regressar à normalidade, porém, são frustradas pelas sequelas dos Jogos - com o stress pós-traumático a ser muito bem ilustrado numa das primeiras cenas do filme - e pela disfuncionalidade dos seus relacionamentos com Peeta (Josh Hutcherson), com quem mantém um romance de aparência para as câmaras, e com Gale (Liam Hemsworth), o seu anterior namorado.




Aqui, Catching Fire funciona e é cativante: ao mostrar os traumas de Katniss, a pressão da imprensa e a tour mediática pelos 12 distritos, o filme dá ao espectador a oportunidade de conhecer os outros territórios de Panem e de perceber como o ambiente revolucionário se foi instalando na sequência da 74ª edição dos jogos. Tudo isto resulta num mundo mais palpável e verosímil, onde as personagens se movem com estranheza - Katniss e Peeta pelo desejo de proteger aqueles de quem gostam, e pelo contacto, já no Capitólio, com um mundo ao qual não pertencem; e Effie Trinket (Elizabeth Banks) a descobrir quão falsas e injustas são as fundações da sociedade da qual faz parte à medida que descobre a artificialidade despótica do regime de Snow. Esta é, de longe, a melhor história de Catching Fire, com o desempenho perfeito de Elizabeth Banks a merecer destaque pela forma como dá à personagem a densidade que esta exige.


É uma pena, porém, que esta exploração dos traumas de Katniss e da artificialidade imposta pela imprensa e pelo regime acabe por não ter tempo suficiente para dar ao espectador algo de realmente novo; perante a percepção de que a estratégia de intimidação à dupla de vencedores falhou, Snow e o novo organizador dos Jogos, Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) decidem optar por algo mais drástico: seleccionar entre os vencedores de Jogos anteriores os dois representantes de cada distrito para a 75ª edição dos "Hunger Games" - uma edição especial, portanto, que obrigará Katniss a regressar à arena com Peeta ou Haymitch. E é neste ponto, quando começa todo o build-up para a acção mais intensa, que o filme perde o pé.


A partir daqui, Catching Fire torna-se irremediavelmente num The Hunger Games: Redux. Regressa o frenesim mediático do Capitólio, a celebração gladiatorial, o cortejo de carruagem com fatos super-estilizados, o contacto com os adversários, desta vez campeões experimentados. Os plot points da praxe voltam a ser martelados (o do escudo é tão óbvio), os representantes dos outros distritos voltam a ser apresentados da mesma forma maniqueísta e manipuladora entre os elementos fracos e por isso simpáticos, os aliados ambíguos e os vilões declarados (uma rapariga até tinha os dentes aguçados - por favor...). Um maniqueísmo, aliás, presente também na descrição da estrutura social de Panem - com o Capitólio a ser evidente mau no seu todo (a excepção será Cinna, e tem o desfecho previsível). Nem a ausência da péssima shaky-cam do primeiro filme nem por isso compensa a sensação de que, mais detalhe menos detalhe, tudo aquilo já foi visto antes.


O que acaba por ser confirmado na arena: sem o desespero de sobrevivência do primeiro filme, não há nevoeiro venenoso ou ataque de criaturas selvagens que torne este regresso de Katniss à arena interessante ou relevante - tudo serve de pretexto para uma reviravolta final que, de resto, acaba por ter uma sustentação demasiado débil (por assentar em demasiadas variáveis, dos aliados entre os tributos à certeza impossível de que Katniss sobreviveria), e que deixa Catching Fire irremediavelmente coxo, sem um final próprio - tudo aquilo serve apenas para estabelecer o cenário do capítulo seguinte, Mockingjay. Que, como se sabe será dividido em dois filmes...


Ainda assim, Catching Fire consegue elevar-se um pouco acima das suas fraquezas e das suas limitações através do seu elenco. Jennifer Lawrence continua formidável, a carregar o filme às costas - ajudada, como já se referiu, pela interpretação excelente de Elizabeth Banks, e pelo credível Haymitch de Woody Harrelson. Amanda Plummer deixa marcas na sua curta mas intensa interpretação de Wiress, representante do Distrito 8, num dos plot twists mais bem executados de todo o filme; tal como Jena Malone como a irreverente Johanna do Distrito 7. Josh Hutcherson continua a interpretar a damsel in distress do filme; Liam Hemsworth é praticamente irrelevante. E se o Presidente Snow parece demasiado míope para ser um líder totalitário credível, tal não se deverá decerto a Donald Sutherland.


Ainda que The Hunger Games: Catching Fire tenha conseguido evitar alguns erros e alguns problemas do seu antecessor (a câmara, uma vez mais), ao regressar ao mesmo cenário acaba por se revelar incapaz de imprimir a urgência e o frenesim necessários a uma luta de sobrevivência - mesmo quando metade dos dados está viciada à partida. É possível de que as suas fraquezas decorram da própria premissa apresentada nos livros que adapta (que não li) - com mais ou menos nuance, não deixa de ser uma distopia young adult, com tudo o que isso implica Por detrás da fachada dos jogos, da crueldade linear e míope de Snow, da opulência vazia do Capitólio e da dualidade extrema dos dois lados que são apresentados, existe todo um mundo que se revela muito interessante sempre que é dada aos espectadores a oportunidade de espreitar para ele. É pena que tais oportunidades sejam escassas. 7.0/10

The Hunger Games: Catching Fire (2012)
Realizado por Francis Lawrence
Argumento de Simon Beaufoy e Michael Arndt com base no livro de Suzanne Collins
Com Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Donald Sutherland, Philip Seymour-Hoffman, Liam Hemsworth, Elizabeth Banks, Lenny Kravitz, Amanda Plummer, Sam Claflin, Jena Malone e Willow Shields
146 minutos

2 comentários:

Anónimo disse...

Uma correção. Gale não é, nem nunca foi o namorado de Katniss. Eles eram apenas amigos e no começo do segundo livro, ela disse aos pacificadores que ele era seu primo para que sua família também recebesse comida da capital.

É também no segundo livro que Gale se declara para Katniss, mas em nenhum momento eles foram namorados. Ela inclusive fala que não tem cabeça nem tempo para pensar nisso e em várias partes ela diz que não quer se casar nem ter filhos, por causa dos jogos e correr o risco de ter seus filhos na arena.

Nem no terceiro livro, onde ela convive mais com Gale, eles formam um par.

Fora isso, sua análise do filme foi ótima.

João Campos disse...

Já me constou. Não corrigi por um motivo: no filme, é dado a entender que são namorados; ou pelo menos "amigos coloridos", para usar a bela expressão portuguesa. De qualquer forma, há uma triângulo amoroso evidente. Mas não tendo lido os livros, não posso opinar sobre eventuais aproximações e desvios feitos nos argumentos. Esta análise dedica-se apenas ao filme.

De qualquer forma, agradeço o reparo.