7 de novembro de 2013

"N7 Day": Seria relevante uma adaptação televisiva de Mass Effect?

A BioWare e a Electronic Arts assinalaram neste dia 7 de Novembro o "N7 Day", dedicando-o a Mass Effect - a space opera em formato de role-play game que se tornou num sucesso assinalável na indústria nos videojogos nos últimos anos - e que gerou uma polémica singular a propósito da conclusão do terceiro capítulo. Sobre isso, não me vou alongar - o assunto já foi várias vezes abordado aqui (1, 2, 3), e não adianta continuar a bater no ceguinho. Mas no io9, Charlie Jane Anders coloca em debate uma questão interessante a propósito deste universo ficcional: deveria uma adaptação de Mass Effect ser a próxima grande space opera televisiva?

Quem conhecer os jogos decerto compreenderá o apelo - o worldbuilding é a todos os níveis notáveis, e mesmo tendo a equipa criativa deitado fora o bebé com a água do banho nos minutos finais não invalida isso. Mass Effect explora uma galáxia civilizada por raças alienígenas fascinantes, na sua maioria reunidas numa aliança ténue, repleta de preconceito, forjada com inúmeros conflitos e um sem-número de traições. Cada povo tem as suas próprias peculiaridades e ódios de estimação - e o/a protagonista tem de lidar com todos esses detalhes para, nos primeiros capítulos, criar um grupo de combate eficaz, e no último, para construir uma aliança suficientemente forte para travar a aniquilação de toda a vida inteligente na galáxia. Tudo isto está bastante bem desenvolvido ao longo dos três jogos, numa experiência interactiva suportada por um excelente elenco de voice acting (espreite-se a lista no IMDb - a qualidade do elenco é superlativa). 

No entanto, se o worldbuilding poderia de facto fazer de Mass Effect um palco privilegiado para uma boa série televisiva, os principais elementos de ligação do jogo com o jogador tornam tal projecto inviável - a saber, a narrativa ramificada pelas escolhas pessoais de cada jogador e a criação personalizada de Shepard como uma Mary Sue directa ou indirecta do jogador. Se estivéssemos a falar da adaptação de The Witcher, por exemplo - um jogo com muitos elementos similares num ambiente de sword & sorcery - a coisa seria mais simples: o protagonista é sempre Geralt of Rivia, e as suas escolhas, ainda que de moralidade ambígua, recaem quase sempre entre dois tipos de mal diferentes. Em Mass Effect, porém, pode haver um protagonista ou uma protagonista - e essa personagem pode assumir uma moralidade de carácter mais heróico ("Paragon") ou anti-heróico ("Renegade"). E as interacções com todas as outras personagens dependem deste enquadramento mais ou menos simples. Dito de outra forma: a versão televisiva de Shepard jamais agradaria a gregos e troianos; e se é certo que os espectadores que nunca tivessem jogado os jogos não iriam achar estranho, não menos verdade é que entre aqueles que jogaram, e que serão sempre fundamentais para o sucesso de um projecto desta natureza, a sensação de alienação seria grande. Porventura demasiado grande.

Isto, claro, sem mencionar o orçamento astronómico que uma space opera moderna iria exigir - para além dos efeitos especiais, a criação das personagens seria sem dúvida um problema. Seria fácil recriar as Asari e os Quarians, e até mesmo os Drells, os Salarians e os Batarians; mas os Krogans e os Turians decerto obrigariam a um esforço suplementar de animatronics e/ou de CGI que não seria de todo barato (e nem vamos falar dos Hanar). Quando os críticos e o público reclamam da simplificação racial de séries como Defiance, este detalhe é esquecido com frequência: não é fácil, e muito menos barato, criar bons alienígenas no pequeno ecrã. 

Naturalmente, haveria sempre a alternativa de contar uma outra história - anterior, posterior ou mesmo paralela aos jogos, com outras personagens. Esse é, aliás, o puzzle que a BioWare se encontra a resolver agora no que aos videojogos diz respeito: como dar continuidade à franchise perante o seu final definitivo? Uma eventual série televisiva teria também de dar resposta a esta pergunta - e, na prática, não há uma resposta "certa", ou pelo menos evidente. De qualquer forma, creio que sem pelo menos algumas das personagens que integraram a trilogia, boa parte do interesse que tal projecto pudesse ter junto dos jogadores daria lugar à mera curiosidade. 

Dito isto, e ainda que considere tal adaptação uma má (e desnecessária) ideia, julgo que será apenas uma questão de tempo até algum tipo de adaptação de Mass Effect ser realizada - sobretudo se a BioWare e a EA conseguirem recuperar a popularidade franchise num próximo título. Numa época em que a indústria dos videojogos já ultrapassa em receitas formas de entretenimento tradicionalmente mais lucrativas, como o cinema, será inevitável a transposição mais generalizada dos grandes títulos AAA para blockbusters ou, dada a força que a ficção televisiva tem ganho nos últimos anos, para grandes produções de televisão. 

Fontes: EA UK / io9

2 comentários:

André Pereira disse...

Estava a ver que não irias falar do dia N7 :P
Podes ir ao Per Nebulae onde também comemorei o dia, mas de uma maneira mais audiovisual.

A tua questão é pertinente; eu adoraria ver Mass Effect não no grande ecrã, mas no pequeno. Seria de todo impossível ou (inviável) martelar todo o universo Mass Effect num filme de 2 horas, daí uma série ser a alternativa ideal - melhor se for em CGI e com as vozes originais, não achas? Faria mais jus ao meio e facilitaria a criação das espécies, sem mencionar que os modelos já estão feitos. Trabalho poupado.

João Campos disse...

Sinceramente, acho que a adaptação não funcionaria para nenhum dos ecrãs. Não julgo que a experiência interactiva e pessoal que o jogo ofereceu seja compatível com a rigidez narrativa de uma série ou filme. Vamos lá ver: aquilo que me interessou em "Mass Effect" foi fazer a minha própria personagem e explorar as várias opções que essa personagem teve (atitudes, relacionamentos, etc). Isso é impossível de transpor.

Quanto a isso da impossibilidade de martelar a coisa em duas horas, relembro: "Resident Evil". Sim, a coisa começou mal e vai cada vez pior - mas já chegou ao quinto ou ao sexto filme, e sempre a render.