16 de agosto de 2013

The Walking Dead: Após o apocalipse

To me, the best zombie movies aren't the splatter fests of gore and violence with goofy characters and tongue in cheek antics. Good zombie movies show us how messed up we are, they make us question our station in society... and our society's station in the world. They show us gore and violence and all that cool stuff too... but there's always an undercurrent of social commentary and thoughtfulness. 
Robert Kirkman, Introduction, The Walking Dead Volume 1: Days Gone Bye (2004)

Foi já há uma década que o primeiro issue de The Walking Dead foi publicado pela Image Comics - com história da autoria de Robert Kirkman (conhecido, entre outros trabalhos na banda desenhada norte-americana, por Invicible) e com ilustração de Tony Moore. Na altura, o objectivo de Kirkman era criar "o filme de zombies que nunca acaba", como referiu na introdução a Days Gone Bye, o primeiro volume paperback que compilou os seis primeiros issues da série; de caminho, porém, acabou por criar muito mais do que isso. Com um total de 108 issues publicados mensalmente e compilados em 18 edições paperback e em nove edições hardcover (para além de dois tipos diferentes de edições especiais), The Walking Dead tornou-se na mais popular narrativa de mortos-vivos dos últimos anos, tendo sido adaptada com enorme sucesso tanto para televisão como para os formatos interactivos dos videojogos - e algumas personagens foram mesmo desenvolvidos através de romances (caso do Governador).

Diria que o sucesso - e a qualidade superlativa - de The Walking Dead reside justamente no propósito original de Kirkman, revelado no parágrafo da introdução acima destacado. Longe de ser uma banda desenhada de horror (por mais tensão que possa incluir - como inclui), The Walking Dead é um drama centrado em Rick Grimes, no seu núcleo familiar e nos sobreviventes que o acompanham durante os longos meses que se seguem ao apocalipse zombie. Centremo-nos nos paperbacks: o primeiro volume, Days Gone Bye (publicado pela primeira vez neste formato em 2004), estabelece os alicerces desta premissa ao abrir com um curto prólogo de uma única página a mostrar, antes do desastre, os agentes Rick e Shane numa barricada policial - com o primeiro a ser baleado. Na página seguinte, Rick acorda num hospital vazio; e, aos poucos, começa a perceber que algo está muito errado. Ninguém responde aos seus apelos. Ninguém circula nos corredores. Tudo está deserto, abandonado, vazio - até ao momento em que destranca uma porta e descobre uma sala cheia de mortos-vivos. Com Rick, exploramos a pequena cidade onde vivia (Morgan revela alguns detalhes sobre o que aconteceu após os primeiros incidentes), a desolação até uma Atlanta ocupada na sua totalidade por hordas de mortos-vivos, o encontro fortuito com Glenn, um jovem de origem asiática que o conduz para o vasto mundo fora da civilização, até ao seu grupo de sobreviventes - onde encontra a sua mulher e o seu filho, Lori e Carl, e Shane, que os conduziu até ali. 

Nesta progressão feita no primeiro paperback, e ao longo dos volumes seguintes, o leitor descobre através das interacções de Rick com outras personagens o que aconteceu quando surgiram os zombies - mas sobre a sua origem em concreta, e pelo menos até ao décimo volume (no qual parei temporariamente a leitura enquanto não obtenho o décimo primeiro), nada se sabe. Na prática, o leitor não sabe se o que fez os mortos se levantarem terá sido uma variante do 'T-Virus', uma maldição voodoo ou outra coisa qualquer - apenas que os zombies surgiram, as medidas militares de contenção falharam, e a civilização, pelo menos naquela zona dos Estados Unidos, desapareceu. Rirkman, porém, não se limita a mostrar a forma como Rick e o seu grupo sobrevivem num mundo infestado - o propósito é mostrar como o protagonista e as várias personagens que o acompanham durante algum tempo evoluem e mudam, à medida que sofrem vários incidentes tanto com os mortos como com os vivos. Como actos antes impensáveis se tornam banais, quase irrelevantes. Como decisões tomadas sem pensar, quando antes seriam questionadas de imediato. Como um grande amigo se pode tornar no mais odioso dos inimigos. Através do excelente texto de Kirkman e das ilustrações excepcionais de Tony Moore (substituído por Charlie Adlard a partir do sétimo issue), o leitor embrenha-se num mundo pós-apocalíptico especialmente implacável, onde os mortos não serão talvez o mais perigoso dos inimigos.

Não espanta que a partir deste comic tenham surgido tantas histórias paralelas noutros meios e formatos - o worldbuilding de Kirkman e Moore/Adlard é formidável, plausível (dentro da premissa, entenda-se), violento e dramático. Com uma atmosfera densa, por vezes macabra, e com um elenco muito forte em constante mutação, The Walking Dead consegue chocar, emocionar, divertir e intrigar o leitor - e tudo no mesmo livro. Mereceria destaque, se não o tivesse já. 

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