29 de maio de 2013

Como atrair leitores para a ficção científica?

Não, não é uma aula - longe disso. Há dias, foram publicados na Locus Online (via Charlie Jane Anders no io9) alguns excertos muito interessantes de uma entrevista com Patrick Nielsen Hayden, editor sénior na Tor Books a cargo das colecções de fantasia e ficção científica e editor de ficção curta no portal Tor.com, e Teresa Nielsen Hayden, consultora editorial também na Tor Books. Abaixo, um breve excerto (também destacado no artigo de Anders), cuja reflexão suscitada talvez seja especialmente pertinente num mercado editorial como o português:




Note-se que os Nielsen Hayden trabalham na Tor Books - uma das maiores editoras de ficção científica e fantasia dos Estados Unidos, com um mercado potencial que abrange todo o globo. Num mercado pequeno, com poucas obras relevantes traduzidas (as traduções das colecções antigas, como a Argonauta ou a Nébula, dificilmente atraem leitores hoje em dia) e pouca produção nacional, talvez seja ainda mais importante que a edição de livros - de autores nacionais ou estrangeiros, por via de tradução - seja feita com base neste critério: livros de qualidade, clássicos ou não do género, que sirvam de porta de entrada para leitores menos familiarizados com as convenções, as narrativas e os conceitos do género. Lá está: não é irrelevante uma editora traduzir e editar Ringworld, de Larry Niven, ou Lord of Light, de Roger Zelazny; pois se o segundo apresenta um mundo de ficção científica descrito quase como um universo mitológico ou de fantasia (e ambos são comercialmente mais apelativos), já o primeiro é mais exigente do ponto de vista conceptual, podendo por isso ser pouco indicado para novos leitores. 

A ideia de que a primeira impressão é duradoura é um cliché, claro, mas como todos os clichés inclui um fundo de verdade. Não é indiferente entrarmos num género literário através do livro A ou do livro B - o primeiro pode afastar-nos definitivamente (por bom que seja), enquanto o segundo pode apaixonar-nos e fazer-nos querer descobrir outros. No meu caso, e apesar de já ter uma predisposição para a ficção científica (alimentada na adolescência pelo cinema, em particular por The Matrix - o que, curiosamente me levou na época para leituras mais filosóficas do que fantásticas), o livro que me fez entrar no género literário foi a todos os níveis perfeito: The Snow Queen, de Joan D. Vinge. Uma excelente aventura com uma forte componente alegórica e mitológica, uma estrutura idêntica aos livros de fantasia que andava a descobrir, boas personagens e elementos de space opera mais do que suficientes para que o interesse perdurasse. Daí para Philip K. Dick foi um salto - seguido de outro para Herbert, Heinlein, Asimov e Le Guin e muitos outros. 

Tudo isto, claro, pode ser ligado a uma ideia aqui mencionada no início do mês, a propósito de um artigo de Steve Davidson no blogue da Amazing Stories: numa época em que a ficção científica ganha destaque em meios com grande exposição junto dos mais jovens, como o cinema e os videojogos, pode não ser necessariamente difícil - sobretudo quando este público já está familiarizado com os tie-ins (que por mais duvidosa que possa ser a sua qualidade, nem por isso deixam de ser uma leitura). Ainda esta ano estreará a adaptação cinematográfica de Ender's Game, por muitos considerado um clássico do género (publicado em Portugal pela Editorial Presença - com um título duvidoso e uma capa pavorosa, mas ainda assim) - quão difícil seria procurar outros clássicos da ficção científica militar, como The Forever War, Starship Troopers, ou Armor (entre muitos outros)? E quando as distopias pós-apocalípticas young adult como Hunger Games, Divergent e similares se tornam em sucessos editoriais, convivendo com as distopias clássicas do género, não haverá espaço para clássicos como A Canticle for Leibowitz, The Space Merchants ou Stand on Zanzibar?

Talvez isto não seja novidade para ninguém - é senso comum, afinal. Por cá, e desconhecendo outros exemplos mais concretos, a Saída de Emergência editou nos últimos anos pelo menos dois clássicos da ficção científica que julgo serem excelentes "cartões de apresentação" do género para leitores pouco familiarizados, ou mesmo mais preconceituosos): Dune, de Frank Herbert, The Man in the High Castle, de Philip K. Dick (e o próprio Old Man's War foi traduzido e publicado pela Gailivro). Talvez dois ou três livros não sejam suficientes; talvez sejam necessários mais, por mais tempo e de forma mais sustentada - ou talvez o mercado editorial português de ficção científica seja mesmo um caso perdido. De qualquer forma, e no seguimento de várias discussões que tiveram lugar no grupo de facebook da Trëma, talvez o tópico mereça reflexão. 


Fontes: io9 / Locus Online

2 comentários:

André Pereira disse...

Deixa cá apontar alguns nomes para eu ver/ler.

Introdução/Atracção da FC ou para a FC é algo complicado. Já escrevi algo do género para o mestrado.

Existe o estigma da FC por ser FC, as pessoas afastam-se deste género escapista por acharem inferiores aos restantes; fechado e apenas dedicado aos nerds que esquecem-se que na FC existem grandes obras fantásticas, alegorias, mitologias, filosofias e mensagens.
Não sei, é difícil sem saber por onde se começar.

Não sei se me expliquei bem.

João Campos disse...

Sim, explicaste. Mas o ponto é mais ou menos esse: é diferente começares com um "Ringworld" ou com um "Flowers for Algernon" (outro excelente exemplo). E com tanta FC presente noutros meios, será assim tão difícil vender o género como "se gostou do universo de 'Mass Effect', não deixe de visitar o futuro espacial que Dan Simmons descreveu no premiado 'Hyperion'"?

(mestrado em quê, se posso perguntar?)