17 de abril de 2013

Worldbuilding e prequelas em Star Wars e na Terra Média [comentário]

No SF Signal, o escritor Garrett Calcaterra publicou um artigo curioso sobre prequelas e worldbuilding utilizando os casos de Star Wars de George Lucas e de The Silmarillion de J. R. R. Tolkien. O autor parte de um ponto muito interessante, argumentando que o falhanço da trilogia-prequela à trilogia Star Wars original deveu-se sobretudo ao facto de o público saber como aquela história iria acabar: Anakin Skywalker transformar-se-á em Darth Vader, a República cairá para dar lugar ao Império, os Jedi  desaparecem e tanto Obi-Wan como Yoda, com todo o seu poder, serão incapazes de alterar o curso dos acontecimentos - o que lhes retira muito valor enquanto personagens, por mais cool que aparentem ser. Claro que isto só explica metade - uma das intenções mais evidentes das prequelas foi introduzir o universo de Star Wars a uma nova geração, o que em si seria outra discussão interessante - e, bem vistas as coisas, é um problema comum a muitas prequelas. Quando o leitor ou o espectador já sabem o que se segue, torna-se muito difícil surpreendê-lo. 

O problema do artigo reside no paralelismo - ainda que limitado, é certo - estabelecido entre a obra de Lucas e a de Tolkien, na sua natureza muito diferentes - sobretudo no que a The Silmarillion diz respeito.  Talvez a ideia fosse mais precisa se tomasse The Hobbit como referência, mas a verdade é que é algo difícil falar em prequelas e sequelas na obra de Tolkien. Pessoalmente, diria que (datas de publicação à parte) The Hobbit funciona como uma prequela mais ou menos convencional a The Lord of the Rings, ao apresentar o motivo principal da trilogia (o Anel) e uma das suas mais relevantes personagens (Gollum). As várias revisões a que Tolkien submeteu The Hobbit, assim como as alterações mais radicais que ponderou introduzir após o sucesso de The Lord of the Rings, conferem alguma validade a esta interpretação. 

Ainda assim, a história de Bilbo funciona bem como prequela a uma aventura mais vasta e mais sombria porque, para todos os efeitos, nunca se assume como tal. Bilbo encontra o Anel, mas apesar de o usar várias vezes, esse facto nunca toma conta da história, que nem está directamente relacionada com o grande arco narrativo de Sauron - este, o "Necromante" de Dol Guldur, é tratado off-screen. Em The Hobbit, a única coisa que importa é chegar a Erebor, encontrar uma forma de derrotar Smaug e devolver a Thorin e à sua Companhia a riqueza dos seus antepassados. É uma aventura localizada, lateral, que apesar de estabelecer os alicerces de uma narrativa mais vasta, só se cruza com esta de forma quase fortuita. O que não acontece com os Episódios I, II e III de Star Wars: todos os acontecimentos tratados nestes filmes determinam de forma directa aquilo que terá lugar nos Episódios IV, V e VI, construindo uma sequência directa com a trilogia original. Algo que The Hobbit não faz, e muito menos The Silmarillion

The Silmarillion é tão diferente tanto de The Hobbit como de The Lord of the Rings que é difícil tratá-lo como uma mera prequela - e o papel que cumpre neste vasto universo é muito distinto do desempenhado pela mais recente trilogia de filmes no universo Star Wars. Está mais próximo da ideia de "atlas" deixada por Calcaterra (parafraseando Patrick Rothfuss), ainda que seja bem mais do que isso: na sua essência, The Silmarillion incorpora a mitologia da Terra Média e uma recuperação dos acontecimentos da Primeira Era, numa terra que já não existe quando Bilbo atravessa as Montanhas Nebulosas ou quanto Aragorn é coroado rei de Gondor e Arnor. É o mito fundador de todo o seu universo literário (Ainulindalë, provavelmente o mais belo texto escrito por Tolkien), a descrição dos deuses e semi-deuses (Valar e Maiar, na Valaquenta) e a história da Primeira Era do mundo, centrada nos Silmarils de Fëanor (mais a história de Númenor em Akallabêth e um breve resumo da história dos Anéis do Poder). É um trabalho de uma escala incomparável, abragendo todos os acontecimentos relevantes na Terra Média durante aquelas três Eras. Uma visão global, se quisermos, enquanto obras como The Lord of the Rings, The Hobbit e The Children of Húrin incidem sobre um período de tempo mais limitado e um grupo restrito de personagens dentro de um mundo mais vasto. É puro worldbuilding, sim, mas também é muito mais do que isso - estando muito distante de algo como a mais recente trilogia Star Wars (nem sei se o "Extended Universe" terá algo equivalente).

E isto, claro, sem tecer quaisquer considerações qualitativas à comparação.

Fonte: SF Signal

2 comentários:

Loot disse...

O que me parece que tb foi um problema no Star Wars, nao foi tanto o conhecimento da resolução dos eventos, mas a imagem que criámos do universo.

Eu vi a guerra das estrelas e tinha uma imagem vincada do Darth Vader e da força. Nestes dois aspectos o Lucas puxou-me o tapete nas prequelas. Não reconhecia no Anakin o Darth Vader nem a força era a mesma. O que resulta em desilusão.

Depois é como dizes, havia outros objectivos, fosse eu miúdo e começasse por aqui e gostaria muito mais certamente, na volta até o Jar Jar Binks passava :P

Mas pronto, em relação ao episódio 1 sempre teremos Darth Maul que foi a melhor criação de Lucas nas 3 prequelas.

João Campos disse...

Há outros problemas. Eu revi há pouco tempo "The Phantom Menace" e valha-me Deus: o filme já é fraco antes de entrar em cena o Jar Jar Binks (aí faz um autêntico "jump the Gungan"). Muito wooden acting, muito artificial.

E sim, o Binks foi feito para os miúdos. Acho que o Lucas admitiu isso várias vezes.