16 de abril de 2013

Moon e o elogio à simplicidade

Olhando para o que foi o cinema de ficção científica nos últimos cinco ou seis anos, e para aquilo que podemos esperar para este ano, é inegável que o género está a conhecer um saudável renascimento no grande ecrã. É certo: talvez falte ainda a obra-prima desta geração, um filme cujo arrojo visual seja acompanhado por uma narrativa excepcional (talvez Cloud Atlas se torne no sucesso de culto que merece), mas nem por isso têm deixado de ser lançados todos os anos vários filmes de ficção científica com qualidade superior. O mais curioso: esta nova vaga de ficção cinematográfica de género está a ser impulsionada tanto pelos principais estúdios e pelas maiores produtoras como por produções independentes tão ousadas como bem sucedidas. Ao lado de grandes e milionárias produções como Avatar, Inception e Star Trek surgem assim projectos mais modestos e com orçamentos mais limitados, como Looper, District 9 e Moon, aclamados pela crítica e recebidos com entusiasmo pelo público. Mas mesmo entre estes, Moon (Duncan Jones, 2009) é um caso singular.

Singular, em primeiro lugar, pela sua contenção orçamental - com apenas cinco milhões de dólares disponíveis, uma quantia reduzida mesmo para os padrões do cinema independente internacional (Looper e District 9, por exemplo, contaram com cerca de 30 milhões cada), Duncan Jones e a sua equipa conseguiram recriar um ambiente detalhado e verosímil. Tudo na base lunar é plausível - do hangar onde os veículos de exterior são recarregados aos vários habitáculos que compõem a base, com o minúsculo quarto de Sam a merecer destaque; do carril por onde a interface de Gerty se desloca pela base à catapulta utilizada para enviar para a Terra as cápsulas de helium-3 recolhidas por equipamentos automáticos na superfície lunar. Nada está lá colocado por acaso, e toda a construção dos cenários - tanto do interior da base como da superfície lunar - estão sólidos e realistas, ainda que na sua essência pareçam um tanto ou quanto antiquados. O que não só é intencional, como é também outro dos pontos fortes de Moon.


Moon revela-se um filme singular também pelo seu ambiente um tanto ou quanto retro-futurista, ainda que não de uma forma convencional - todos os elementos parecem modernos, mas são também reminiscentes da ficção científica cinematográfica dos anos 60 e 70, tanto em termos visuais como em termos conceptuais e narrativos. Uma inspiração aliás assumida por Duncan Jones, que nesta sua obra de estreia homenageou o passado do género numa história nova. A base lunar é um misto de Solyaris com Alien; Gerty tem influências claras de HAL-9000 de 2001: A Space Odyssey (ainda que o subverta de forma interessante); Blade Runner, a Solyaris e a Outland forneceram vários elementos fundamentais para a premissa; e mesmo a literatura de ficção científica parece ter servido de inspiração, com a "catapulta" a ser muito similar à descrita por Robert A. Heinlein no clássico The Moon Is a Harsh Mistress. O que em nada retira valor a Moon; com um aparente conhecimento do passado do género, Duncan Jones utilizou estes vários elementos de forma hábil, reconfigurando-os e dando-lhes um novo significado na solitária história de Sam Bell.


E é também na narrativa que se manifesta a singularidade de Moon. Quando boa parte - a maior parte? - da ficção científica cinematográfica recente (mesmo as produções independentes) continua a assentar no frenesim da acção, o tom quase contemplativo de Moon e a solidão do seu protagonista surgem como algo estranho, quase uma novidade, mais próximas de 2001: A Space Odyssey do que de qualquer outro produto da ficção científica contemporânea. A narrativa assenta em Sam Bell (Sam Rockwell num desempenho extraordinário), um técnico a cumprir um solitário contrato de trabalho na base lunar das Lunar Industries, supervisionando a recolha e o envio de helium-3, a substância que resolveu em grande medida os problemas energéticos da Terra. Tendo apenas a companhia da inteligência artificial de Gerty (com voice acting de Kevin Spacey), e com o satélite de comunicações avariado a impedi-lo de comunicar em directo com a sua mulher e a sua filha nascida pouco depois de partir para a Lua, Sam leva uma vida entediante, contando o tempo que falta até terminar o contrato e poder regressar a casa. Mas a poucas semanas do seu regresso, uma série de estranhas circunstâncias levam-no a perceber que no outro lado da Lua, onde se encontra, nada é aquilo que parece ser.


Não foi por acaso que Moon, sendo um claro underdog, conquistou o prémio Hugo na categoria de "Best Dramatic Presentation, Long Form" em 2010, deixando para trás filmes como Avatar, District 9, Star Trek e Up. A sua combinação de uma premissa intrigante com um enredo inteligente, um actor talentoso e uma atmosfera de ficção científica clássica é uma lufada de ar fresco. Mais do que isso: e a prova cabal de que a ficção científica cinematográfica de qualidade não está dependente de orçamentos astronómicos (pun intended) e de uma vasta profusão de pirotecnia visual. Com meios limitados, Duncan Jones contou de forma extraordinária uma história tão fascinante como humana. Que outros lhe sigam o exemplo. 8.5/10


Moon (2009)
Realizado por Duncan Jones
Argumento de Nathan Parker com base numa história de Duncan Jones
Com Sam Rockwell, Kevin Spacey e Dominique McElligott
97 minutos

6 comentários:

Anónimo disse...

Discordo em dois pontos, a saber: a plausibilidade da mise-en-scene para mim soçobrou logo assim que deteto o mesmo problema de 2001, ou seja, a gravidade lunar não afeta os movimentos do pessoal.

Depois, deve ser a minha veia economista/gestora, mas francamente! Seria mesmo mais rentável ter milhares de clones mantidos em suspensão do que enviar, volta e meia, técnicos humanos? Das duas, uma, ou a tecnologia de clonagem estava ao preço da uva mijona (e mesmo assim enviar aqueles corpos todos não devia sair barato) ou algo falha redondamente naquela lógica. Para além do preço da feitura dos clones devemos pensar nos encargos de manutenção dos mesmos. Contas feitas parece-me que enviar um humano de 3 em 3 anos, mesmo assim seria mais rentável.

Whatever.

João Campos disse...

Depende. Um técnico especializado tem custos de formação provavelmente dispendiosos, um salário (com eventuais prémios), seguro, e mais alguns benefícios que custam dinheiro. E, mais importante, requer uma equipa no terreno, ou no limite meios de auxílio/resgate relativamente preparados - e ambas as soluções custam dinheiro. A manutenção dos clones é irrisória - eles são mantidos em animação suspensa (ou algo do género), e acordados quando o clone activo morre - seja por "causas naturais" ou por algum acidente. A solução é complicada, de facto, mas nem por isso deixa de ser imaginativa - e provavelmente rentável numa perspectiva de médio/longo prazo.

Quanto ao primeiro ponto, não me incomodou no "2001" (puxá-lo nesse caso quase roça o "nit-picking) como não me incomoda em muitas outras obras - é um problema com o qual praticamente toda a ficção científica espacial tem de lidar, de uma maneira ou de outra. Num livro pode ser fácil subvertê-la (como o Heinlein demonstrou), mas o mesmo não acontece no cinema. Mal por mal, ninguém age de forma inconsequente. Já não é mau.

Bráulio disse...

Desconhecia. Gostei do que li. Já está na lista. :)

João Campos disse...

Força. Mas olha: está nos antípodas de "Dredd" :)

Bráulio disse...

Doh. Claro. :P

João Campos disse...

Just a warning shot :)