26 de abril de 2013

A Lisboa fantástica - e hilariante - de As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy

Durante alguns meses, nas (raramente apelativas) secções de banda desenhada de algumas lojas Fnac, uma capa escura, simples, com um titulo em laranja vivo na fonte característica dos cartazes dos filmes de Indiana Jones chamou a minha atenção. As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, lia-se no título da edição da Tinta da China. "Alguma idiotice daquilo que passa por banda desenhada portuguesa", pensei na altura - um duplo e disparatado preconceito, ignorando não só que em Portugal havia (há) boa banda desenhada, como que aquele álbum era um dos melhores exemplos disso. A esta distância, não me lembro com exactidão do momento em que percebi o que aquela capa escura com a fonte do Indiana Jones continha, mas foi sem dúvida uma revelação.

Longe, muito longe de ser uma idiotice (foi a última vez que julguei um livro pela capa), As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça é mais do que uma aventura aos quadradinhos - é uma homenagem formidável às histórias de aventura e de terror que marcaram os anos 80 e 90, repleta de referências cinematográficas e de pop culture bem encaixadas em gags hilariantes num cenário muito português. Como o título indica, os protagonistas são Dog Mendonça e Pizzaboy. O primeiro é um lobisomem de meia-idade (com uma vaga parecença com o actor Nicolau Breyner) que trabalha como "detective do oculto" e tem como parceiro Pazuul, um demónio com seis mil anos de idade que vive no corpo de uma miúda de seis anos (aparentemente, não era suficientemente mau para o Inferno) que fuma de forma compulsiva; o segundo é um jovem distribuidor de pizzas, sempre atrasado e a sonhar com uma vida igual à dos filmes. Quando um grupo de gárgulas rouba a motorizada de Eurico, este vê-se em risco de perder o seu emprego - e para evitar isso recorre aos serviços de Dog Mendonça. O que o vai levar até ao submundo de Lisboa - onde se movimenta toda a sorte de criaturas sobrenaturais -, envolvendo-o numa incrível aventura (pun intended ) com reviravoltas surpreendentes e inúmeras criaturas fantásticas.

As ilustrações de Juan Cavia são excelentes, dando a cada personagem muita expressividade (veja-se Pazuul ou mesmo a Gárgula), recriando cenas memoráveis do cinema (ver página 72), inúmeros ambientes macabros e enormes cenários repletos de pequenos e deliciosos detalhes - e a cor de Santiago Villa dá vida a essas cenas e a esses ambientes e cenários, colorindo uma Lisboa nocturna e um submundo de contornos fascinantes. Merecedor de igual destaque é o texto de Filipe Melo, repleto de pequenas referências alusivas a inúmeras histórias que todos conhecemos bem. Noutro tipo de histórias, muitas destas referências e dos plot devices que Filipe Melo utiliza seriam clichés, mas com Dog Mendonça e Pizzaboy são subvertidos em situações invariavelmente divertidas.

A qualidade do trabalho de Melo, Cavia e Villa não passou despercebida: para além dos prémios nacionais, foram convidados para escrever uma história com aquelas personagens para a Dark Horse, editora norte-americana de banda desenhada que está a publicar no mercado anglo-saxónico as aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy - um reconhecimento merecido para um trabalho notável. As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy contam já com uma sequela, lançada em Novembro de 2011: novas aventuras, que ao invés de serem incríveis são extraordinárias (e não só no título). Os dois primeiros álbuns contaram com prefácios de John Landis e de George Romero, respectivamente. Para breve - talvez para este ano - será lançado o terceiro álbum, contendo fantásticas aventuras. De acordo com Filipe Melo, será o último da série, encerrando assim as aventuras de Dog Mendonça, Pizzaboy, Pazzul e da Gárgula numa trilogia. Tais continuações, porém, serão tema para outro dia.


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