7 de fevereiro de 2013

Videojogos e cinema: as adaptações improváveis

À primeira vista, isto seria uma excelente notícia. Nunca joguei Half-Life (talvez o faça este ano), mas tenho os dois títulos da série Portal entre os jogos que mais prazer me deram jogar, não só pela jogabilidade em si como também pela forma como a experiência incorpora uma narrativa muito interessante com uma vilã inesquecível - falo de GlaDOS, claro. O problema de uma possível adaptação do universo de Portal para o cinema seria outro: que história contar? Este problema, aliás, é comum a qualquer adaptação cinematográfica de um jogo que não seja muito bem planeada. Um videojogo é, por natureza, uma experiência quase cinematográfica em modo interactivo: a história está delineada (mais ou menos), e ao invés de ser o Bruce Willis a levar Korben Dallas, é o jogador fazê-lo, participando  de forma interactiva na experiência enquanto a acompanha visualmente. E é na questão visual que reside o problema. 

Durante a adolescência achava que os jogos originais da série Resident Evil dariam um excelente filme. O que imaginava seria uma adaptação muito fiel da história contada nos três primeiros jogos: a equipa Bravo dos S.T.A.R.S. iria à mansão nas Montanhas Arklay e desapareceria, levando a equipa Alfa a viajar até lá. Brad escaparia com o helicóptero, deixando Jill, Chris, Barry e Wesker sozinhos numa mansão infestada de zombies. Conseguiriam escapar, mas a praga chegara à cidade. Claire e Leon chegam quando Chris desaparece. Jill e Barry escapam antes da destruição de Raccoon City, etc. Em resumo: uma interpretação passiva de uma história que eu tinha experimentado de forma activa, através da interactividade dos jogos. Passe a generalização, julgo que é mais ou menos o mesmo que a maioria dos fãs tem em mente quando pede um filme de Mass Effect, Half-Life ou de outro jogo qualquer: uma recapitulação da sua experiência no grande ecrã, com todos os momentos que tornaram o jogo extraordinário. O problema é que esses momentos só resultaram porque o jogador estava com o comando nas mãos. 

Julgo que um filme baseado num videojogo só resultará se não seguir a abordagem da adaptação tal como esta é normalmente seguida para a transposição de livros e contos para o cinema. A forma de o fazer pode passar não por mostrar aquilo que os jogadores já viram, mas sim algo que seja novo para eles - e que encaixe na narrativa já contada nos jogos. Se invertermos a premissa encontramos um caso paradigmático e esquecido: Enter the Matrix. O jogo foi apressado e tinha sérios problemas, mas de um ponto de vista narrativo foi perfeito: pegou num enredo lateral de Matrix Reloaded e explorou-o em paralelo com o filme (e, já agora, no seguimento da curta The Last Flight of the Osiris). Quem viu o filme soube que a) Niobe e Ghost, da Logos, recuperaram a última transmissão de uma nave, a Osiris, alertando para a invasão das Sentinelas; b) que Niobe e Ghost seguiram Neo e Morpheus, alcançando-os na auto-estrada e c) que eles escaparam da cidade na Matrix para se despenharem nos túneis e serem mais tarde (em Revolutions) encontrados pela Mjolnir. O jogo não foi bem sucedido, e tinha vários problemas de jogabilidade; mas de um ponto de vista narrativo, foi uma experiência única. 

Um modelo idêntico será porventura a única solução para uma adaptação bem sucedida de um videojogo para o cinema. Como fã de Portal, e por muito que admire o voice acting de Ellen McLain, não quero um filme que consista na fuga de Chell dos laboratórios da Aperture Science - essa história já eu conheço bem, e jogá-la foi um prazer tremendo. Gostaria, sim, de um filme que mostrasse a criação da GlaDOS e do caos que lançou nos laboratórios quando ganhou consciência poderia ser muito interessante. Tal como um filme de Warcraft que mostrasse a história fascinante de Aegwynn, a Guardiã de Trisfal, e do seu filho Medivh, que nunca foi explorada nos jogos mas que é muito importante na narrativa daquele universo; ou mesmo a War of the Ancients, contada nos livros de Richard A. Knaak. Ou um filme de Mass Effect que mostrasse a descoberta do Relay de Caronte e a "First Contact War", ou a famosa "Skyllian Blitz". Os fãs já conheceriam o desfecho, claro, mas teriam sempre interesse em acompanhar as reviravoltas; e quem nunca jogou teria um primeiro contacto com universos realmente interessantes. Mas o modelo a seguir é o de Enter the Matrix, e não o dos péssimos (e intermináveis) filmes Resident Evil. Que alguém relembre isto a Gabe Newell e a J.J. Abrams. 

Na imagem: um improvável encontro entre Chell e Gordon Freeman.

2 comentários:

ATP disse...

Este post vai ser complicado de comentar. Tantas pontas!

OK, primeiro: essa curta é tão awesome! Mais uma vez, trabalho de fãs :D
Sabias que o J.J. Abrams e o Gabe Newell andam a falar para fazer filmes de Portal e Half-Life? Estou apreensivo e expectante.

Next, adaptações de videojogos. Terreno minado - vice versa também.
Sempre que via um filme, pensava: isto daria um jogo muito bom, mas depois cresci e chorei.
Tens razão, estas adaptações só funcionam se forem histórias paralelas. O primeiro filme de Resident Evil funcionou e foi muito bom! A partir daí, tudo descambou. Sério...

Já ouve um fanfilm sobre a descoberta do Relay de Charon, tens aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=7yOAZux8ip8

HEI, tens o Mark Meer - VO de BroShep.

De resto concordo contigo, algo diferente, mas reconhecível. Foi anunciado, finalmente, o filme de Metal Gear, mas os fãs estão de pé atrás porque o que faz o Snake é a voz do David Hayter e se colocarem outro actor, não sei... Imagina o Hobbit sem o Ian Mckellen como Gandalf, not...

Até lá, olha, contenta-te com os fanmovies.

João Campos disse...

Este artigo começou com a notícia do J. J. "Lens Flare" Abrams e do Gabe Newell (ver link). Estou muito mais apreensivo do que expectante.

Quanto aos filmes RE, não julgo que o primeiro seja um bom filme, mas sim um filme medíocre onde são misturadas muitas ideias dos jogos existentes até à época com os "Wesker Diaries" que a Capcom mantinha num site dedicado, mais os piores clichés de Hollywood (e sim, a Michelle Rodriguez em modo Spec-Ops já conta como cliché). A coisa safou-se porque os Lickers estavam bem animados, mas tudo o resto é non-sense puro e uma carrada de erros técnicos. O segundo filme é um insulto a quem jogou RE3: Nemesis, e ainda hoje dou graças por ter falhado a luz no cinema a 15 minutos do fim e me terem devolvido o dinheiro.

Os fan movies são bons para entreter, mas a menos que sejam produções como o "Born of Hope" e o "The Hunt for Gollum" (do universo de Lord of the Rings), pouco mais serão do que isso. Dito isto, não lamentarei se nunca for feito um filme de Portal, e julgo que a maioria dos fãs de Half-LIfe prefere que a Valve lance o HL3 a ter um filme do Abrams. Just sayin' :)