5 de novembro de 2012

V for Vendetta: A distopia como enquadramento da narrativa

Apesar da vasta influência exercida pela pulp fiction e pelas bandas desenhadas de mistério dos anos 30, V For Vendetta foi buscar muita inspiração a outras distopias literárias, como as de Orwell, Huxley ou Bradbury, para mostrar uma Inglaterra futurista (para a época - a narrativa situa-se em 1997) e de carácter distópico, mas fortemente ancorada ao presente histórico do Reino Unido do início dos anos 80. Alan Moore imagina um futuro próximo no qual o Partido Conservador de Margaret Tatcher perderia as eleições de 1983, seguindo-se-lhe um governo Trabalhista que, longe de conseguir colocar o Reino Unido no caminho da recuperação económica, cumpre a promessa do desarmamento nuclear absoluto do país - o que acaba por poupar as Ilhas Britânicas na guerra nuclear que se segue, pelo menos no que aos bombardeamentos diz respeito. No caos do pós-guerra, o partido fascista Norsefire, liderado por Adam Susan, ascende ao poder e rapidamente assume um controlo absoluto sobre o Reino Unido, controlando os destinos da nação através de um supercomputador intitulado "Fate" (Destino), que controla o aparelho burocrático e o sofisticado sistema de vigilância que mantém a população na ordem.

É através do Norsefire que Alan Moore dá forma à Inglaterra distópica que serve de palco à cruzada de V. Com várias semelhanças a outros partidos de regimes totalitários, o Norsefire encontra-se dividido em várias secções com funções distantas, que apesar de rivalizarem entre si estão aparentemente unidas no apoio incondicional ao líder. A originalidade de Moore reside na sua invulgar caracterização da estrutura do partido: o centro de comando a partir do qual o Partido governa o Reino Unido é designado por “The Head”; o departamento responsável pela videovigilância das ruas e dos cidadãos denomina-se “The Eye”; a vigilância áudio, particularmente relevante numa época em que o meio privilegiado de comunicação ainda é a rádio, e não a televisão, está a cargo de um departamento intitulado “The Ear”; a propaganda e a informação controlada é emitida através da emissora na Jordan Tower, designada por “The Mouth”; o departamento de investigação criminal da polícia (liderado por Eric Finch) é conhecido como “The Nose”; e, por fim, a polícia política do Norsefire, que patrulha as ruas durante a noite e incorpora a violência repressiva do regime, tem o nome de “The Finger”, com os seus agentes a serem habitualmente designados por “Fingermen”. Estas designações, como facilmente se percebe, não surgem por acaso, e descrevem de forma alegórica e elaborada os métodos de controlo empregados pelo Estado totalitário britânico. Note-se que na adaptação cinematográfica em momento algum esta caracterização é feita - a única designação presente é a dos “Fingerman”, mas sem o seu contexto alegórico a designação ganha contornos quase caricaturais ao invés de assumir o carácter simbólico que assume no comic.

Esta caracterização do Norsefire é feita ao longo de toda a narrativa mais através das acções e das interacções das várias personagens do que de contextualizações, e é relevante para compreendermos, para além do enquadramento da narrativa, três aspectos fundamentais de V for Vendetta: o plano de vingança de V, que é introduzido já na fase final da sua execução - o assassinato (a vendetta) dos três responsáveis máximos pelo campo de concentração de Larkhill; o antagonismo entre os vários altos funcionários do Norsefire, responsáveis pelos seus diversos departamentos; e a forma como estes, com os seus relacionamentos e as suas histórias individuais, são “apanhados” no grande plano de V para derrubar o governo autoritário e devolver o poder à população.

Do restante mundo de V for Vendetta pouco se sabe - subentende-se através do texto que a Europa e África terão sido arrasadas por um holocausto nuclear. O Reino Unido escapou à guerra, mas não aos seus efeitos - as alterações climáticas provocadas pela deflagração nuclear provocaram inundações e a destruição de colheitas, o que por sua vez gerou fome, caos social e racionamento alimentar. A história que se segue é a da ascensão do Norsefire e das purgas feitas contra imigrantes, homossexuais e opositores políticos, encerrados em campos de concentração. Destes, o campo de Larkhill assume particular relevância como local de origem do protagonista, V, e de elo de ligação entre várias personagens relevantes no seu plano anárquico.

(continua)

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