30 de novembro de 2012

Did not grok: Stranger in a Stranger Land

No Fórum Fantástico, deixei como sugestão de livro a evitar Stranger in a Strange Land, o clássico de Robert A. Heinlein de 1961 que venceu o Hugo Award e se tornou num dos mais influentes livros de ficção científica da década de 60. Esta minha posição causou alguma estranheza, pelo que vou tentar aprofundá-la um pouco melhor, apesar de já ter lido o livro há já largos meses.

De entre os "três grandes" da ficção científica, Robert A. Heinlein será porventura o mais polémico - algo que a mim pouco ou nada me diz. Os primeiros livros dele que tive a oportunidade de ler, Starship Troopers (1959) e The Moon Is a Harsh Mistress (1966), cedo ganharam um lugar perene entre os meus preferidos do género. E mesmo Time Enough for Love (1973), ainda que substancialmente diferente, foi uma leitura bastante divertida. Também por isto, Stranger in a Strange Land foi sem dúvida uma desilusão.

A verdade é que o livro começa mesmo muito bem. A primeira parte, "His Maculate Origin", abre com um vasto e interessante enquadramento para a história que será apresentada ao longo de toda a obra: descreve a primeira expedição tripulada a Marte, que acabou por se despenhar no planeta e perder o contacto com a Terra; duas décadas mais tarde, uma segunda expedição tripulada chega ao Planeta Vermelho e encontra uma civilização antiga de criaturas nativas de Marte e um jovem humano - Michael Valentine Smith -, descendente de dois astronautas da expedição original. A descoberta de Smith e a sua vinda para a Terra causam várias polémicas - há a questão da herança dos seus pais, que devido a algumas invenções (a sua mãe inventara a tecnologia de viagens interplanetárias mais eficaz que existia) e investimentos financeiros lhe dão acesso a uma fortuna inimaginável, e há ainda o problema inerente ao estatuto jurídico da descoberta de um planeta (a explicação do caso é um dos melhores momentos de todo o livro). Enfim, Michael Valentine Smith chega à Terra rodeado por um enorme aparato, e é confinado a um hospital, enquanto se adapta à gravidade terrestre. Por nunca ter visto uma mulher, a equipa que o tem ao seu cuidado é composta apenas por elementos do sexo masculino. No entanto, uma enfermeira, Gillian Boardman, decide quebrar as regras e os procedimentos de segurança para ver com os seus próprios olhos o "Homem de Marte" - e, sem querer, vai precipitar a vasta aventura que se segue.

Heinlein introduz personagens interessantes, como o jornalista Ben Caxton e Jubal Harshaw (que mais não é do que um avatar do próprio Heinlein, tal como Lazarus Long em Time Enough for Love e noutros livros da "Future History"); o enredo, porém, começa a perder o interesse mais ou menos a partir deste ponto. Michael Valentine Smith acaba por se evadir do hospital e por se meter nos mais variados sarilhos, exibindo estranhos poderes psíquicos (ou algo que lhes valha; nunca são explicados) e uma enorme curiosidade para aprender os costumes da Terra. Essa curiosidade leva-o a explorar as religiões, procurando algo equivalente àquilo que experienciara durante toda a sua infância e adolescência em Marte. A coisa, porém, cedo começa a ganhar contornos algo inverosímeis, até se chegar a um momento em que não há suspensão da descrença que valha ao enredo de Stranger in a Strange Land. Heinlein incluiu vários elementos comuns à sua obra, como o seu sentido de humor peculiar e as suas vastas divagações - estas através de Harshaw. O humor, porém, não alcançou a forma mais refinada que Heinlein exibe em pleno em The Moon Is a Harsh Mistress e as divagações, ainda que tenham alguns momentos altos, em geral nunca ganham a relevância que outras personagens lhes conferiram noutros livros, como o Jean Dubois em Starship Troopers, Bernardo de la Paz em The Moon Is a Harsh Mistress, ou mesmo Lazarus Long). Certo - Stranger in a Strange Land antecede todos estes livros, o que poderá porventura explicar por que motivo o seu discurso ainda não se apresenta tão refinado como em obras subsequentes. Ainda assim, mesmo Time Enough for Love, com um amplo recurso à frame story e a outros tipos de narrativa irregular, parece mais consistente do que Stranger in a Strange Land.

Estas minhas impressões podem desaparecer numa futura releitura - parece-me improvável, mas não descarto a possibilidade. Não seria caso inédito - vários foram os livros que considerei fracos numa primeira leitura, incapazes de despertar o meu interesse, para numa segunda leitura me surpreenderem com uma vida que não imaginava conterem. Tratando-se Stranger in a Stranger Land de um livro de um autor que aprecio, e dada a sua relevância para a sua época (com a sua original abordagem aos temas da religião, da sexualidade e da família), é muito natural que o venha a reler, e que venha a apreender outros elementos que à primeira leitura não me cativaram. É também possível que, assumindo esta interpretação de que Stranger in a Strange Land e as obras que se seguiram são afinal sátiras, este livro ganhe todo um novo significado numa futura releitura. Isto, porém, não invalida o facto de a primeira leitura se ter revelado entusiasmante num primeiro momento, para depois se tornar maçadora e incoerente, longe do brilhantismo que Heinlein revelou noutras obras. Talvez isto, por si só, não seja motivo para que se deva evitar Stranger in a Strange Land; mas julgo que Heinlein tem muito mais para oferecer. 

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