19 de outubro de 2012

Psion

As minhas leituras (plural relevante) de Psion, de Joan D. Vinge há já alguns anos constituem em si uma história que julgo curiosa. Inebriado - literariamente falando - com o extraordinário The Snow Queen e com as suas sequelas - World’s End e The Summer Queen -, decidi aventurar-me na restante obra da autora. Quis o acaso que esse interesse surgisse em 2007, quando a Tor publicou a edição especial dos 25 anos de Psion, incluindo a noveleta Psiren, uma pequena sequela directa. A primeira leitura foi terrível - não achei o livro mau, mas não me consegui entusiasmar com a narrativa ou as personagens para lá dos primeiros capítulos. Demorei imenso a lê-lo - cheguei a levar o livro em algumas viagens de trabalho que fiz na época, mas nem no avião me dava vontade de o ler. Não consegui determinar ao certo qual era o problema - se me fartara do estilo da autora, se a narrativa era de facto sofrível, ou se, mais simplesmente, não estava virado para leituras. Algum tempo mais tarde, por falta de alternativas (não comprava muitos livros naqueles anos), acabei por pegar de novo no livro - e a releitura foi uma surpresa. Julgo que a explicação mais simples seja a correcta: as leituras (como tudo na vida) têm o seu momento; no caso de Psion, o momento certo não foi a primeira leitura, mas o da releitura.

À semelhança de The Snow Queen, a narrativa de Psion decorre num futuro indeterminado tanto no espaço como no tempo - sabe-se apenas que os locais mencionados estão localizados na Via Láctea, mas pouco mais. As primeiras cenas têm lugar em Quarro, capital do planeta Adrattee, centro da Federação que governa os destinos da Humanidade por toda a galáxia. Quarro é uma cidade moderna construída em altura, tendo “enterrado” a velha vila colonial que passou a ser designada por “Cidade Velha”. A Cidade Velha está entregue ao vício, à prostituição e a todo o tipo de actividades ilegais; um autêntico submundo onde sobrevive Cat. Ainda adolescente, Cat é um híbrido de humano com Hydran, uma raça alienígena que, de um ponto de vista físico, é muito semelhante aos seres humanos – ao ponto de o cruzamento entre espécies ser possível. Os Hydrans, porém, possuem uma peculiaridade que os afasta dos seres humanos: um domínio absoluto sobre o potencial psíquico das suas mentes. São cinco as capacidades que possuem: telepatia, telecinese, teletransporte, empatia e premonição. Cat, que desconhece a sua herança, não sabe se possui alguma destas capacidades; da raça da sua mãe apenas herdou (aparentemente) os olhos alienígenas, semelhantes aos dos gatos. Abandonado em criança nas ruas da Cidade Velha, viu-se obrigado, qual gato deixado na rua, a sobreviver sozinho através de todos os meios necessários.

Até ao dia em que é por fim capturado pelas forças policiais e é entregue no Sakaffe Research Institute, a cargo do Dr. Siebeling, investigador e um poderoso psíquico. É através de Siebeling e de outros psíquicos do Instituto, como Jule, que Cat fica a saber um pouco mais sobre os enigmáticos Hydrans, que apesar dos seus tremendos poderes mentais desapareceram devido ao preconceito e à discrimação da Humanidade – apesar de ter sido através da mistura entre espécies que alguns seres humanos alcançaram poderes psíquicos. Cat começa a descobrir o seu próprio potencial psíquico, oculto na sua mente sob um emaranhado de traumas e bloqueios mentais – mas acaba por cair em desgraça e ver-se envolvido numa conspiração tão vasta que ameaça a existência da própria Federação.

Com um ritmo narrativo rápido e tenso, Psion explora a história de Cat à medida que ele se descobre a si mesmo e à sua herança Hydran, através do treino com Siebeling e Jule e dos diversos problemas que encontra ao longo do seu percurso. Cat é, em si, uma personagem fascinante – um anti-herói permanentemente dividido entre o seu apurado instinto de sobrevivência e o seu desejo de fazer aquilo que está certo (que, como todos sabemos, nem sempre é aquilo que deve ser feito). As restantes personagens estão bastante bem caracterizadas – com destaque para Jule e Siebeling e Dere – e ajudam a revelar as diversas facetas do protagonista, tal a sua evolução e os seus dilemas.

Psion faz parte de uma série maior que Joan D. Vinge desenvolveu ao longo dos anos sobre Cat, e que ainda não está concluída – a autora ainda tenciona escrever mais sobre esta personagem, apesar de as sequelas do acidente que sofreu em 2002 a terem forçado a uma longa pausa na escrita. A Psion segue-se Psiren, um conto publicado originalmente numa antologia, e entretanto republicado na edição especial do 25º aniversário da publicação original de Psion. Catspaw (1988) e Dreamfall (1996) dão continuidade à história de Cat (o primeiro num ambiente cyberpunk, o segundo envolvendo de forma directa a civilização Hydran). Ainda que nenhuma das sequelas atinja o elevado patamar de Psion, são continuações muito sólidas e interessantes sobre Cat, que deixam vontade de ler mais sobre esta personagem – assim a autora consiga escrever as restantes histórias que tinha planeado. Esperemos que sim.

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