10 de agosto de 2012

Sourcery

O número oito é considerado sagrado no universo de Discworld, e está repleto de simbolismo. É o número associado à magia, dado existirem oito cores no espectro do Disco, sendo a oitava a Octarina, a cor da magia. Para os feiticeiros, é tabu proferi-lo, e tentam evitá-lo a todo o custo. Naturalmente, a origem dos feiticeiros está intimamente associada a este número, dado que um feiticeiro é sempre o oitavo filho de um oitavo filho. Sucede que o oitavo filho de um oitavo filho de um oitavo filho (o filho de um feiticeiro, ou seja, um feiticeiro ao quadrado) é muito mais do que um feiticeiro - é uma fonte de magia ("sourcerer"). 

Uma vez que os feiticeiros são, regra geral, celibatários, o surgimento de um "sourcerer" é extraordinariamente improvável. Mas quando o feiticeiro pária Ipsilore the Red, que deixara a Unseen University para se casar, sente a Morte a aproximar-se, decide elaborar um plano para passar o seu poder - através do bastão - ao seu oitavo filho, Coin, tornando-o num "sourcerer", o primeiro que Discworld viu em anos incontáveis. Ipsilore the Red consegue negociar* com a Morte o destino do rapaz, e ilude-a o tempo suficiente para garantir ao seu filho a orientação necessária para cumprir o seu destino de dominar a Unseen University e governar Discworld através da magia. 

Este é o ponto de partida de Sourcery, o quinto volume da série Discworld de Terry Pratchett, publicado em 1988. Sendo uma história que envolve os feiticeiros e a Unseen University, Sourcery tem como protagonista Rincewind, o feiticeiro falhado já conhecido dos dois primeiros volumes da série (The Colour of Magic e The Light Fantastic). Uma vez mais, as circunstâncias intrometem-se na vida pacata de Rincewind, levando-o com particular relutância - a ele e a Luggage, a já célebre arca andante e assassina - para uma improvável e acidentada aventura. Nela encontra personagens memoráveis, como a ladra/bárbara Conina, o herói Nijel "the Destroyer" (no seu terceiro dia de trabalho), Creosote, o "Seriph" de Al Khali, e Abrim, o "Grand Vizier" daquel reino, entre muitas outras (para além de outras já clássicas, como o bibliotecário da Unseen University). A Morte, como sempre, faz as suas hilariantes aparições, e desta vez até os restantes Cavaleiros do Apocalipse (Fome, Guerra e Pestilência) dão um ar da sua graça. Claro que, enquanto Rincewind anda ocupado a escapar a inúmeros perigos na sua aventura, Coin cresce em poder poder, ao ponto de os próprios deuses estarem ameaçados...

Fiel às anteriores histórias dos feiticeiros da Unseen University de Anhk-Morpork (e, diga-se de passagem, a todas as outras), Sourcery é mais uma divertidíssima leitura no mundo louco de Discworld. Pratchett utiliza a sua rápida e fluída narrativa com mestria para satirizar o Apocalipse, as Mil e Uma Noites, as mitologias escandinavas e até Dungeons & Dragons, com uma personagem particularmente cómica (entre muitas outras referências). 

Falta-me a punchline para concluir este texto, mas desta vez vou evitar a convencional frase "uma leitura hilariante", ou algo do género. Quem já leu Discworld sabe que as gargalhadas estão garantidas. 

*Negociar não é exactamente o termo correcto, mas esse seria um spoiler considerável.

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