24 de agosto de 2012

A utopia ambígua de The Dispossessed

A obra-prima de Ursula K. Le Guin na ficção científica é um exemplo perfeito da utilização da ficção científica do género para reflectir, num futuro que nos é estranho, sobre um contexto real e muito pertinente. Publicada em 1974, The Dispossessed: An Ambiguous Utopia venceu vários prémios de ficção científica com a sua visão particularmente lúcida sobre a Guerra Fria e as imperfeições inerentes a qualquer utopia (as "ambiguidades" a que se refere o subtítulo). 

Urras e Anarres são dois planetas distantes que constituem um sistema binário - como se um fosse a lua do outro. Ambos os planetas estão habitados por humanos, mas entre as sociedades que neles residem há um abismo tão grande como o vazio do espaço que os separa. Urras é muito semelhante à Terra, tanto do ponto de vista geográfico como do ponto de vista social. Numa analogia evidente à Guerra Fria que marcou os anos 70, Le Guin coloca em oposição, em Urras, a sociedade capitalista de A-Io e o estado socialista de Thu - uma oposição que chega a manifestar-se através de uma guerra de proximidade na região de Benbili, quando se dá uma revolução. Já o árido Anarres, por seu lado, está "colonizado" por uma sociedade anarquista e colectivista, formada por dissidentes de Urras que se exilaram naquele mundo. Em Anarres não existe governo ou outras instituições de poder; o idioma artificial falado por todos praticamente elimina o possessivo, e a educação incide sobretudo na valorização do colectivo e na demonização do indivíduo e do pessoal (donde resulta o título). 

O protagonista é Shevek, um físico brilhante de Anarres, que aceita o convite de uma reputada universidade de A-Io em Urras para expor e continuar a desenvolver as suas teorias. É a partir do ponto de vista de Shevek que o leitor acompanha a narrativa bipartida: os capítulos de número ímpar centram-se no presente da história, com a chegada de Shevek a Urras e toda a sua experiência naquele mundo; nos capítulos de número par, o leitor segue o passado de Shevek em Anarres, desde a infância até à idade adulta. Mais do que uma reflexão importante sobre a política e a sociedade da época em que foi escrito, The Dispossessed: An Ambiguous Utopia é uma reflexão importante e lúcida sobre a impossibilidade de uma sociedade perfeita. É de facto uma utopia ambígua, no sentido de que nenhuma das alternativas apresentadas é viável para a felicidade humana quando levadas até às últimas consequências.

Apesar de o protagonista ter nascido e vivido sempre numa destas sociedades, Le Guin dá-lhe um olhar especialmente crítico sobre o mundo colectivista de Anarres, e também sobre a instabilidade social que encontra nas sociedades aparentemente livres de Urras. Um autor menor cairia provavelmente no erro de colorir o ponto de vista mas próximo da sua ideologia; Le Guin, porém, consegue abstrair-se das realidades opostas que ela mesma desenvolveu, observando-as criticamente mas jamais tomando partido. A alternativa melhor - ou menos má - fica ao critério do leitor.

Sem comentários: