14 de agosto de 2012

A ficção científica e o cinema: Avatar

À (ainda recente) data do seu lançamento, em 2009, Avatar foi massacrado pela crítica e por muitos apreciadores de ficção científica devido ao seu pouco original argumento. Não tenciono, naturalmente, fazer aqui o papel de advogado do diabo e defender os méritos narrativos do épico de James Cameron - de facto, a história contada é simples, desinspirada e pouco original. Nada que não tenhamos já visto em outras incursões pelo fantástico, como Mononoke-hime, de Hayao Miyazaki, e noutros filmes fora do género, como Dances With Wolves ou Pocahontas. Entre muitos outros, decerto - não será certamente difícil levantar uma ou duas pedras e encontrar mais alguns filmes que abordam o velho tema do "homem de uma civilização superior" encontra "rapariga selvagem", apaixona-se por ela e passa para o lado dos "selvagens" para combater - com sucesso, claro, que o politicamente correcto exige finais felizes - os seus anteriores companheiros e destruir as suas pretensões imperialistas ou gananciosas. Avatar encaixa perfeitamente neste molde, recuperando o gasto mito do "bom selvagem" que se arrisca a ser "corrompido" ou "destruído" pela "civilização", a menos que seja - convenientemente - salvo por alguém dessa "civilização" que, por amor, decide regressar ao primitivismo. Neste caso em particular, é uma fusão curiosa do mito do "bom selvagem" de Rousseau com as preocupações ecologistas da sociedade contemporânea. Enjoativo? Um pouco.

No entanto, honra seja feita a Avatar - consegue contar esta história básica e repleta de moralidade vazia sem plot holes relevantes (partindo do princípio, claro, que bombardear o planeta a partir de órbita com bombas nucleares não seria opção), e com um módico de coerência. Afinal, seguir uma fórmula tão explorada como esta tem algumas vantagens óbvias. A primeira, do ponto de vista narrativo: pode não surpreender, mas flui a bom ritmo. A segunda é a familiaridade: as personagens encaixam em vários moldes que tão bem conhecemos, passam pelas dificuldades que esperamos que passem, resolvem o problema da maneira esperada, e tudo fica bem. A terceira, neste caso, é a ausência de pretenciosidade: Cameron não quis propriamente ganhar um Óscar pela escrita ou pela originalidade - quis, sim, contar aquela história que tão bem conhecemos à sua maneira. E é precisamente aqui que reside aquilo que torna Avatar num filme inesquecível.

De uma perspectiva meramente visual, Avatar não tem paralelo no cinema actual - foi, de longe, a mais elaborada e marcante experiência visual que o género conheceu em cinema desde Matrix, uma década antes. E, como Matrix no seu tempo, Avatar foi revolucionário ao mostrar que não só a famigerada tendência do 3D pode ser perfeitamente viável, como pode ser muito mais que um truque. Quem viu o filme em 3D numa boa sala de cinema saberá do que falo: Avatar não atira objectos para fora da tela, como outros filmes antes dele; antes transporta o público para dentro da tela, para dentro do espantoso mundo de Pandora, com a sua flora tão exuberante como alienígena e a sua fauna selvagem. Tal como Matrix marcou decisivamente o cinema - sobretudo o cinema de acção - ao mostrar um caminho a seguir (e quantos filmes não aproveitaram, e aproveitam ainda, o legado deixado pelos Wachowsky), Avatar mostrou como pode o 3D ser uma componente fundamental - e, por enquanto, irreproduzível fora da sala de cinema - para fazer o público entrar, quase literalmente, dentro da narrativa de um filme. Em resumo, uma exibição tecnológica formidável em formato de entretenimento.

E é precisamente isso que é Avatar: entretenimento em estado puro. Não há ali mensagem que não se conheça já, nem twists inesperados - apenas uma história simples narrada com um mínimo de competência e sem qualquer pretensão de grandeza (ao contrário de outros filmes recentes e de má memória), suportada por um worldbuilding e uma componente visual sem paralelo. Para muitos, e com toda a legitimidade, poderá saber a pouco. Para mim, é mais do que suficiente. 7.5/10

3 comentários:

Loot disse...

Ena alguém com a mesma postura que eu perante este filme, é exactamente isso para mim :)

Jorge Teixeira disse...

Por acaso também partilho um pouco desta opinião. Aliás Cameron tem-no provado que muito do ódio que provoca é injusto, fortuito e do momento. Assim aconteceu com Titanic (que tem vindo a crescer com o tempo, sobretudo na crítica) e estou seguro que será também com este.

Apesar de tudo, não o elevo (ao Avatar) tanto, pelo menos consoante a nota que dás. Mas acima de tudo, gosto sempre de referir que, à parte dos efeitos especiais e de toda a estrutura do filme mais do que vista, tem-se uma mensagem ecológica e pedagógica deveras interessante e urgente, nunca é demais recorrer a ela.

Conheço o blogue há pouco tempo, mas tens aqui um espaço que se tem revelado muito interessante.

Já agora passa também pelo meu: http://caminholargo.blogspot.pt/

Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo

João Campos disse...

Loot,

decerto não estaremos sozinhos nesta opinião, apesar de pertencermos, quase de certeza, a uma minoria.


Jorge,

Pessoalmente, não gosto do Titanic, apesar de achar que enquanto obra cinematográfica é notável, tendo momentos de facto inesquecíveis. Quanto a Avatar, a classificação elevada deve-se sobretudo à fascinante experiência cinematográfica que me proporcionou nas duas vezes que fui vê-lo ao cinema (foi o único filme que repeti desta forma).

Quanto à mensagem, achei particularmente relevante a alusão a uma natureza consciente e capaz de reagir agressivamente contra um invasor - algo que, fruto de outras referências, relacionei não com um subtexto ecológico, mas com outras narrativas de fantasia épica, menos conhecidas, que foram em grande medida responsáveis pela minha aproximação ao género.

Agradeço as palavras simpáticas. Visitarei certamente o blogue.

Abraço