15 de junho de 2012

Hyperion

(...)But one of our whole eagle brood still keeps
His sov'reignty, and rule, and majesty;
Blazing Hyperion on his orbed fire
Still sits, still snuffs the incense teeming up
From man to the sun's God: yet unsecure,
For as upon the earth dire prodigies
Fright and perplex, so also shudders he:
Nor at dog's howl or gloom bird's Even screech,
Or the familiar visitings of one
Upon the first toll of his passing bell:
But horrors, portioned to a giant nerve,
Make great Hyperion ache. (...)

John Keats, The Fall of Hyperion: A Dream

Keats e o seu épico - e inacabado - poema  The Fall of Hyperion são uma presença constante ao longo de Hyperion, obra invulgar dentro do género de ficção científica que valeu a Dan Simmons os prémios Hugo e Locus em 1990. Keats é sem dúvida uma inspiração e uma influência determinante para Simmons, se bem que esteja longe de ser a única: da Bíblia a William Gibson, muitas são as referências que podem ser encontradas ao longo de Hyperion, acrescentando detalhe e espessura à narrativa prodigiosa que Simmons desenvolve.

Hyperion decorre num futuro distante, quando a Humanidade se expandiu pela galáxia e a Terra (a “Velha Terra”, como é conhecida) faz parte de um passado já distante. O novo centro da Humanidade está localizado em Tau Ceti, em união com as restantes colónias da Web através da rede de “farcasters” e da frota da FORCE. Para lá das fronteiras da Web, os selvagens Ousters ameaçam a guerra, e a indecifrável AI TechnoCore faz os seus próprios movimentos com um objectivo obscuro em vista.

Nas vésperas de estalar a guerra, sete peregrinos partem da Web a bordo da “Treeship” Yggdrasil rumo ao remoto planeta Hyperion. Este é, para todos efeitos, o derradeiro enigma da galáxia, com o seu geomagnetismo muito particular, as suas estranhas formas de vida, as suas “flame forests” e, claro, as “Time Tombs” - um lugar onde o Tempo não obedece às regras por si estabelecidas, e onde vive Shrike, uma aberração orgânica e mecânica cujo mistério que a envolve apenas é comparável ao seu tremendo poder.

Os sete peregrinos não se conhecem, nunca se viram antes, e dificilmente poderiam ser mais diferentes entre si. Mas o passado de todos tem duas coisas em comum: Hyperion e Shrike. É devido a esse passado que todos rumam a Hyperion, mesmo sabendo que as probabilidades de ser uma viagem sem regresso. Procurando perceber o que levou o enigmático Culto do Shrike a ceder-lhes o privilégio de serem os últimos peregrinos a fazer a viagem para as "Time Tombs", os sete companheiros decidem contar o que os levou àquela desesperada peregrinação, quando o universo que conhecem parece estar à beira de mergulhar no caos.

É aqui que Hyperion se distingue do ponto de vista narrativo: ao longo da viagem até às “Time Tombs”, os peregrinos partilham as suas histórias mais pessoais. Cada uma dessas memórias é, na prática, uma história dentro da grande narrativa de Hyperion - e cada uma delas é distinta e peculiar, com um estilo e um ritmo próprios, reflectindo as diferenças das várias personagens. Do horror ao noir, do drama ao épico, as várias histórias de Hyperion são em si fascinantes na forma e no conteúdo. Lenar Hoyt, um padre católico, narra a história de um outro padre, Paul Duré, e da misteriosa aventura que viveu junto dos selvagens que habitam a região das “flame forests” - e ele mesmo lá esteve, e guarda um segredo terrível sobre aqueles acontecimentos. O Coronel Fedmahn Kassad, militar muçulmano, relembra a sua carreira, e a forma como acabou por ir parar a Hyperion, onde viveu uma extraordinária aventura. Martin Silenus, reconhecido poeta, conta a história da sua vida, a sua carreira literária, e o reino utópico que ajudou a fundar em Hyperion até à desolação se instalar. Sol Weintraub, um académico judeu, narra uma história particularmente tocante - e terrível - que envolve a sua filha bebé, Rachel, que viaja consigo rumo a Hyperion. A investigadora Brawne Lamia partilha uma autêntica história de detective que a leva ao mundo do AI TechnoCore - e, por fim, a Hyperion. Finalmente, o Cônsul narra aos peregrinos uma outra história, mais antiga, antes da sua própria, decisiva para o desfecho.

De todas as histórias, destacaria duas: a primeira, do padre Lenar Hoyt (The Man Who Cried God), de referências marcadamente religiosas e com um desfecho a roçar o horror; e a quarta, do académico Sol Weintraub (The River Lethe’s Taste Is Bitter), como particularmente tocante. Todas elas, à sua maneira, contribuem para o grande mistério que é o planeta Hyperion e o enigmático Shrike.

Hyperion é a todos os níveis uma obra prodigiosa, tanto do ponto de vista narrativo como do ponto de vista da própria história que está a contar. Simmons joga com vários elementos típicos da ficção científica para colorir dar forma a todo aquele universo, e explora o passado das várias personagens para introduzir na narrativa vários elementos fundamentais para o desenlace. É, sem dúvida, um clássico - uma obra densa e rica no detalhe, a ser lida e relida.

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