12 de junho de 2012

A Ficção Científica e o Cinema: Prometheus


Prometheus era sem dúvida um dos filmes mais aguardados deste ano. Por um lado, marca o regresso do realizador Ridley Scott à ficção científica, género para o qual deu um contributo inestimável há mais de três décadas ao realizar Alien, em 1979, e Blade Runner, em 1982. Mais: Prometheus representa também o regresso de Scott ao universo de ficção científica que criou com Alien, e que, exceptuando a sequela realizada por James Cameron (Aliens, de 1986), foi sendo posteriormente abastardado com sequelas e spin-offs cada vez piores (Alien versus Predator foi um dos raros filmes que me fez desligar o leitor de DVD a meio; ao segundo não dei qualquer hipótese). E, claro, se falamos de expectativas falamos de hype, e Prometheus elevou a fasquia do hype cinematográfico com uma longa e eficaz campanha de marketing impulsionada online, a qual consistiu nos inevitáveis trailers e em vários e excelentes vídeos virais que iluminaram alguns aspectos do que aí vinha, aguçando o apetite sem no entanto revelar demasiado. A questão é: conseguiu Prometheus alcançar a fasquia que Ridley Scott estabeleceu no campo da ficção científica com os seus dois clássicos, e que o próprio Prometheus elevou com a sua campanha? (aviso: SPOILERS).


Do ponto de vista visual, diria que sim: esteticamente, Prometheus é a todos os níveis formidável, um exemplo excelente de como usar e trabalhar bem os efeitos especiais que a actual tecnologia permite. Da primeira - e enigmática - cena à espectacular aterragem da Prometheus (o próprio design da nave é uma maravilha) na lua distante designada por LV-223 (note-se que não é o planeta de Alien), sem esquecer formidável tempestade, a infra-estrutura alienígena que a tripulação encontra naquele mundo distante, a nave dos Engineers a fazer lembrar os fabulosos designs de H.R. Giger e todos os horrores que ela contém. Nada a apontar aqui: Ridley Scott mostrou que, mesmo volvidos trinta anos desde o seu último projecto desta envergadura, continua em plena forma no que diz respeito à criação de uma experiência visual única. Pode não ser tão cativante em termos visuais como foi Blade Runner (que neste campo é difícil de superar, se não for mesmo impossível), mas diria que não via nada tão impressionante desde The Matrix em 1999 (Avatar joga noutro campeonato).

Infelizmente, o argumento de Jon Spaihts e Damon "Lost" Lindeloff não está à altura da componente visual de Prometheus. O filme promete explorar a génese da própria humanidade, o que, numa primeira análise (e apesar de ir buscar as algo rebuscadas, ainda que interessantes teses dos "ancient astronauts"), parece querer lançá-lo para a esfera de clássicos da ficção científica como 2001: A Space Odyssey.  No entanto, a execução do argumento e as várias personagens destruíram qualquer esforço de levar a premissa inicial e os vários elementos simbólicos a sério. Se em termos de ritmo a narrativa não está mal de todo, em termos de nexo deixa tudo a desejar. Existem pontos altos, naturalmente - o desempenho magistral de Michael Fassbender no papel do andróide David, numa espécie de Hal-9000 meets Peter O’Toole; o desempenho sólido de Noomi Rapace enquanto Elizabeth Shaw (mesmo que o argumento não ajude particularmente um ou outro). No entanto, os diálogos oscilam entre o pretenciosamente místico e o estupidamente cheesy; a maioria das personagens parece não ter qualquer motivação para estar naquela missão (e talvez não tenha, dado que o briefing apenas foi feito... quando chegaram ao planeta, após dois anos de viagem) e praticamente todas as suas acções são uma sucessão de disparates que seria cómica se não fosse trágica. Há de tudo: um capitão da nave - e eu gostei do personagem de Idris Elba - que parece mais preocupado em fazer practical jokes e em engatar a executiva de serviço do que manter a tripulação segura; um cientista idiota que retira o capacete no exterior da nave apenas porque o ar é respirável, sem saber se contém algum contaminante (com a agravante de todos - praticamente todos? - lhe seguirem o exemplo e de, a bordo da nave, serem ignoradas quaisquer medidas de descontaminação); um tipo que activa todo o sistema de mapeamento para se perder vinte minutos mais tarde; um biólogo que sai de cena em pânico assim que é encontrado um cadáver de um alienígena, para momentos mais tarde querer fazer festinhas numa espécie de cobra extra-terrestre a assumir a mesma posição de uma cobra comum quando se prepara para atacar; uma tripulação que permanece misteriosamente indiferente ao facto de uma colega ter acabado por fazer uma auto-cesariana com uma máquina, que lhe retirou da barriga uma criatura alienígena; uma cientista que, após sofrer a dita cesariana, veste o fato e anda, corre e salta como se aquilo fosse apenas uma constipação... enfim, poderia continuar durante horas: a lista de disparates cometidos pela tripulação da Prometheus é praticamente infinita. É certo que, num filme desta natureza, o objectivo de todas (ou quase todas) as personagens com excepção da protagonista é morrer de forma particularmente violenta às mãos, às garras ou aos tentáculos de qualquer horror alienígena, mas um pouco mais de profundidade não teria ficado nada mal. 

Por fim, há a inevitável e explícita referência a Alien (há outras mais ou menos dissimuladas ao longo do filme), e um final absolutamente aberto a uma sequela - como hoje em dia é típico. Sabe a pouco. A muito pouco.

Não que Prometheus seja um mau filme - longe disso. Se ignorarmos alguns aspectos (há outros impossíveis de ignorar), é um filme bastante interessante, exemplar do ponto de vista técnico e com tudo o que seria necessário para ser a grande obra da ficção científica cinematográfica dos últimos anos. Infelizmente, perde-se num argumento (no pun intended) com demasiadas fragilidades para ser redimido numa futura versão director’s cut, como muitos fãs parecem esperar - e a estética, por impressionante que seja (e é), ainda não é tudo num filme. Vindo de Ridley Scott, e após todo o hype, esperava-se muito mais. 07/10.

7 comentários:

Bráulio disse...

Não poderia concordar mais. Visualmente é fantástico, arrebatador. Mas desilude pela quantidade de pontas soltas e disparates dos personagens.

Neste momento tenho a cabeça a andar à roda com a quantidade de teorias que andei a ler por aí enquanto buscava resposta a algumas dúvidas que o filme me levantou.

Ainda assim é um grande filme que valeu a pena ver no cinema. ;)

Rita Santos disse...

A minha apreciação vai no mesmo sentido que a tua. Visualmente é muito interessante mas em termos de ideias perde-se. E sim, também mencionei a questão do biólogo com medo de um bicho e de um geólogo que não fazia a mínima de onde estava. (reconhecer os pedregulhos, hello?)

João Campos disse...

Bráulio, procura "ancient astronauts". O Canal História costuma passar vários documentários sobre o tema - e um dos defensores desta tese até já virou meme.

Não é que a tese não seja interessante - é, e poderia ter dado um grande filme. Concordo quando dizes que Prometheus vale a pena ser visto no cinema - mas é um pouco decepcionante pensar que poderia ter sido O filme de ficção científica dos últimos anos, e não apenas mais um.

João Campos disse...

Rita, o biólogo é a personagem mais estúpida que já vi em filme. Ah, e o geólogo que tem a possibilidade de ir a um planeta distante, inexplorado - e apenas vai lá, e cito, "pelo dinheiro". Caramba, até os Space Marines do Aliens tinham uma atitude mais interessante.

Rita Santos disse...

A mulher-homem é uma das melhores personagens que já vi na tela. A atitude "don't give a fuck", o ar de lésbica butch. Foi essa senhora que os irmãos Wachowvski "homenagearam" no Matrix. E é por isso que a Michelle Rodrigues aparece em tantos filmes.

João Campos disse...

erm, Rita, hã? :)

Rita Santos disse...

Perdoe o francÊs :$