8 de junho de 2012

A Fall of Moondust

As décadas de 50 e 60 ficaram marcadas (entre outros acontecimentos) pela corrida espacial que colocou os Estados Unidos da América e a União Soviética a competir para ver qual das super-potências conseguia chegar mais longe na exploração do espaço. O resultado já nós conhecemos, e quem viveu em 1969 pode assistir, em directo, ao famoso passeio de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar a superfície lunar. Esse momento, contudo, foi o culminar de uma série de avanços tecnológicos desenvolvidos ao longo de vários anos, capazes de entusiasmar o mundo inteiro - e, creio, esse entusiasmo pelo espaço terá contribuído para a ficção científica da época, tanto na qualidade dos seus autores como na sua adesão por parte dos leitores. 

Claro que, ganha a corrida, o entusiasmo pelo espaço foi-se desvanecendo. Não fizemos colónias na Lua, nem construímos enormes estações espaciais em órbita. Não viajámos até Marte nem explorámos os asteróides para prospecção mineira. Muito menos nos aventurámos para fora do sistema solar, para lá da misteriosa Nuvem de Oort. A economia, com ou sem crise, ditou que enviar sondas, robôs e telescópios para o espaço era e é mais rentável para o conhecimento humano do que mandar gente para muito longe da confortável atmosfera da Terra. Longe de mim, que passo horas a ver com fascínio os arquivos de imagens recolhidas pelos vários equipamentos da NASA, desvalorizar essa abordagem; mas a verdade é que enviar mais uma sonda robótica a Marte, ou mesmo a uma das luas de Júpiter, é incomparável menos entusiasmante do que pegar em dois ou três astronautas e pô-los a tripular uma nave numa expedição com elevadas probabilidades de não incluir viagem de regresso (o que também pode explicar muita coisa sobre o estado da ficção científica actual, mas logo tentarei desenvolver esse tema noutro dia). 

De qualquer forma, começam a surgir bons sinais: a recente viagem da sonda da SpaceX à Estação Espacial Internacional foi um sucesso, e há por aí um consórcio multimilionário a falar na exploração dos asteróides mais próximos. Pode ser que nos próximos anos novas e arrojadas expedições ao vazio que nos rodeia façam renascer os entusiasmo pelo espaço, pela ficção científica, e por coisas que quem viveu há sessenta anos imaginava serem comuns hoje em dia. Como haver uma presença humana permanente na Lua e uma indústria de turismo lunar em expansão.

É neste contexto que trago hoje, como livro de Sexta-feira, uma obra muito curiosa de Arthur C. Clarke: A Fall of Moondust, de 1961. A premissa é muito simples: com a exploração do espaço a decorrer a bom ritmo e a humanidade confortavelmente instalada em órbita e na Lua, começa a ganhar força o turismo espacial. Uma das principais atracções turísticas do nosso satélite é também um dos seus mais intrigantes enigmas: uma vasta planície coberta por uma poeira de propriedades estranhas, que quase parece líquida (e age como tal), designada por "Sea of Thirst". Até aos nossos dias, nada foi encontrado na Lua que se pareça com isto - o que, claro, não quer dizer que não se venha ainda a encontrar. O próprio Clarke alude a esse facto no prefácio da edição de 1987 de A Fall of Moondust (reproduzido na recente edição da colecção SF Masterworks). No entanto, mais relevante para efeitos narrativos do que a existência do "Sea of Thirst" é a sua verosimilhança - e essa, Clarke consegue transmitir na perfeição.

A história de A Fall of Moondust também não procura ser particularmente complexa (o que, em muitos casos, está longe de ser um defeito). O protagonista, Pat Harris, orgulha-se de ser o único capitão de um barco na Lua, a Selene - um veículo especialmente concebido para "navegar" no "Sea of Thirst" e mostrar aquela paisagem formidável aos ávidos turistas lunares. A viagem que dá início à narrativa parece ser apenas mais uma das muitas que Harris já fez - até ao momento em que um incidente geológico faz a Selene "naufragar" com os seus vinte e dois passageiros e tripulantes, levando-a ao fundo daquele mar de poeira. É aqui que a prosa rápida e fluída de Clarke, sempre com um ritmo perfeito, revela ao leitor os esforços desenvolvidos pelas autoridades e pelos cientistas da Lua e da Terra para encontrar a Selene e resgatar os seus ocupantes com vida, numa complexa e quase impossível missão de salvamento. Paralelamente, a narrativa mostra a luta pela sobrevivência da tripulação e dos passageiros, enquanto um jornalista veterano se lança à aventura para transmitir a cacha da sua carreira. Clarke junta estes três pontos de vista de forma perfeita para construir um enredo espantoso, repleto de reviravoltas e de elementos científicos que não só dão suspense à história, como permitem ao leitor aprender imenso sobre a Lua. 

A Fall of Moondust pode não ser o melhor livro de Clarke, mas nem por isso deve ser posto de parte: é uma história muito interessante, contada como só o velho mestre sabia. O seu final é potencialmente previsível, mas contém twists suficientes para dar vontade de continuar a ler. Diz-se muitas vezes, não exactamente por estas palavras, que as viagens valem pelo caminho percorrido, e não pelo destino. A Fall of Moondust é um excelente exemplo desta máxima: ao contrário de Rendezvous With Rama (esta, sim, uma das obras maiores de Clarke), no qual o autor coloca o leitor sempre em suspenso com os mistérios que irão ser revelados a seguir, aqui as perguntas são outras: será que as personagens se vão safar? E como?

Isso deixo à descoberta (ou redescoberta) dos leitores.

[adaptado deste artigo publicado no Delito de Opinião]

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