A nós, que sempre vivemos num ciclo onde dia e noite se sucedem, a noite e as estrelas no céu nocturo não fazem confusão. São a vista normal, e sempre bem vinda, no momento em que o Sol desaparece para lá do horizonte e a escuridão se instala. Mas imaginemos por um momento que não conhecíamos outra realidade que não a do Sol, a do dia; que no nosso mundo, o Sol nunca se escondia, e a noite nunca caía; imaginemos que vivíamos todos num dia perpétuo, e que desconhecíamos por completo as trevas - neste mundo, como reagiríamos se o Sol desaparecesse e a escuridão da noite se instalasse?
Esta é a premissa fundamental de Nightfall, romance de Isaac Asimov e Robert Silverberg baseado num conto escrito por Asimov em 1948 - e considerado por muitos um dos melhores contos de ficção científica de sempre. Os habitantes do planeta Kalgash (no resto, muito parecido ao nosso) não conhecem a noite, nunca viram as estrelas - o complexo sistema de seis sóis que ilumina o planeta mantém aquela sociedade num dia eterno desde - pensa-se - o início dos tempos. Mas esse dia pode estar a chegar ao fim, e vemos os indícios disso mesmo através de vários pontos de vista: do psicólogo Sheerin, que se dedica a estudar a loucura e a histeria induzidas por exposição às Trevas; do astrónomo Beenay, que descobre uma falha fundamental nos cálculos da órbita de Kalgash em redor do seu principal sol, Onos; da arqueóloga Siferra, que descobre numa escavação indícios de um cataclismo civilizacional a intervalos regulares; do jornalista Theremon, que investiga estas informações e começa a juntar as várias peças do puzzle; e dos "Acolytes of Flames", um culto religioso que acredita que os deuses vão enviar o mundo para as trevas, e purificá-lo do pecado através do fogo divino das "estrelas", que ninguém sabe o que são. Mas o que acontecerá quando os sóis desaparecem e a escuridão se instalar? O conto original de Asimov termina nesse ponto, no anoitecer; mas a narrativa de Asimov e Silverberg vai mais longe, e expande a história para além da noite, para a manhã de Kalgash.
A todos os níveis, Nightfall foi uma surpresa constante: é uma história extremamente bem contada, com personagens sólidas e um enredo surpreendente até ao final. Numa época em que os mais fracos argumentos dão origem a "filmes-catástrofe" de fraquíssima qualidade, não percebo como ainda ninguém pensou em adaptar, com a devida mestria, este conto ao grande ecrã (ao que parece, já houve algumas adaptações, também sofríveis).
2 comentários:
A noveleta é muito mais interessante que o romance, aliás, um work-for-hire do Silverberg. Foi publicada, se não me engano, pela Vega (O Cair da Noite) enquanto que o romance saiu na Nébula da Europa-América. Abç
A edição que tenho do romance é a que usei para ilustrar o artigo. A minha curta experiência com as traduções portuguesas "tradicionais" recomenda-me fugir delas como o Diabo da cruz..!
Por acaso estou curioso sobre o conto - a ver se arranjo uma antologia de contos do Asimov. Concedo que, no romance, a parte após o cair da noite (a manhã) é menos interessante que a anterior. Mas todo o caminho percorrido até ao cair da noite é uma viagem extraordinária.
Abraço
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