1 de agosto de 2014

As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça e Pizza Boy, Volume II: Apocalipse: Proporções bíblicas

Depois das Incríveis, era inevitável que se seguissem as Extraordinárias - e refiro-me, como é evidente, às aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, a banda desenhada escrita por Filipe Melo e ilustrada por Juan Cavia e Santiago Villa que em 2011 viu publicada a sua segunda parte, intitulada Apocalipse. Um título sem dúvida apropriado, sobretudo se considerarmos o desafio que terá decerto colocado aos autores. Afinal, o primeiro volume da série adquiriu uma enorme popularidade, fruto da história bem construída e bem humorada, inspirada nas aventuras cinematográficas de outros tempos e bem ancorada em referências, alusões e easter eggs; e a ilustração inspirada soube explorar a narrativa e elevá-la com talento e com uma grande atenção ao detalhe. 

Será talvez difícil, após a leitura de As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, não chegar à conclusão de que Melo, Cavia e Villa foram absolutamente bem sucedidos no desafio que se propuseram: conseguiram demonstrar que a premissa original não se esgotou no primeiro álbum, mas que pode ser explorada em novas histórias de forma ao mesmo tempo próxima e distante da original. Cedendo à tentação de pegar no "gancho" que deixou no final do primeiro volume - a invasão alienígena que leva o grupo a reunir-se de novo -, Filipe Melo arriscou numa elipse que transportou a história alguns anos para o futuro e para as vidas pacatas que as personagens levam: Dog e Pazuul no seu gabinete sem muito que fazer, Eurico a trabalhar num call center com o seu amigo Vasco (a subversão ao título é interessante, e quase parece indiciar um subtexto de comentário social). 

E nesse futuro o Apocalipse bíblico está iminente, surgindo interligado com a história - tão portuguesa, afinal - das aparições de Fátima, e dando aos autores um pretexto único para alargarem os horizontes da trama para lá de Lisboa. O prólogo, por exemplo, abre em pleno Vaticano, e no decorrer da acção os heróis terão de fazer uma viagem atribulada ao santuário de Fátima, com o propósito de descobrir algumas pistas sobre os acontecimentos em curso e de obter uma aliada surpreendente - naquela que será talvez a passagem mais divertida de toda a série. 

No que ao enredo diz respeito, Filipe Melo provou estar uma vez mais, e passe a expressão, a jogar em casa. A história flui pelas vinhetas com um ritmo frenético e aquele delicioso sabor pulp das grandes aventuras sobrenaturais, exageradas e divertidíssimas. Os clichés continuam a ser uma constante, intencionais como sempre, e invariavelmente bem desmontados pelos acontecimento ou por alguma deixa mais oportuna (o piano a cair, os quatro cavaleiros, os zombies - mais interessantes sobretudo quando se repara que o prefácio foi escrito por George Romero) - nada ali surge por acaso, ou por mera conveniência. E há os momentos de humor puro, a todos os níveis hilariantes - a Bíblia infantil, a batalha no Marquês de Pombal com um tuno muito infeliz, a sessão de pancadaria final que surge fora das pranchas para surgir descrita por Dog (e pelas expressões de Pazuul) de forma tão vaga quanto sugestiva. 


A complementar e a avolumar a trama tecida por Filipe Melo está a ilustração notável de Juan Cavia e Santiago Villa - o traço cada vez mais seguro, as cores sempre perfeitas, as personagens expressivas mesmo quando o ponto é a sua inexpressividade. Cavia e Villa deliciam os leitores com algumas imagens memoráveis da Lisboa apocalíptica, como o choque de titãs no Marquês, a praga de gafanhotos sobre as Amoreiras ou a visão da Outra Banda, junto à Ponte 25 de Abril, com o céu de tom vermelho-sangue. O talento desta dupla de ilustradores argentinos já tinha ficado bem patente no primeiro álbum, mas neste segundo decidiram subir a parada - e fizeram-no com mestria, como se pode ver. 

Dada a qualidade superlativa do primeiro volume, é difícil argumentar que este Apocalipse seja um daqueles raros casos em que - recuperando a comparação com o cinema, arte sempre tão presente nas histórias de Dog Mendonça e Pizzaboy - a sequela se revela melhor que o original. Mas será sem dúvida um daqueles casos, igualmente raros, em que a sequela conseguiu alcançar a fasquia do original, e abrir-lhe novas possibilidades sem se afastar da fórmula que se revelou tão bem sucedida. Se em 2011 ainda fosse necessário demonstrar os méritos e a singularidade de Dog Mendonça e Pizzaboy no panorama da banda desenhada nacional, este Apocalipse seria mais do que suficiente para dissipar todas as dúvidas. 

2 comentários:

Loot disse...

São personagens que poderiam ter uma série de aventuras. O gang está reunido e a química entre eles funciona.

Optaram por fechar isto após três grandes aventuras, o que não tem mal nenhum, antes isso que esgotar ideias. Mas há sempre espaço neste euniverso se um dia mudarem de ideias e quiserem regressar a ele.

Abraço

João Campos disse...

Sim, esse espaço existe. Mas fico satisfeito que, até ver, os três autores tenham optado por atalhar caminho agora, após as três histórias principais e o comic da Dark Horse (também muito bom), ao invés de deixarem a coisa arrastar. O que nos dias de hoje é raro - tudo virou série, franchise, sequela.

Abraço