29 de maio de 2014

Pausa

O Viagem a Andrómeda vai fazer uma breve pausa (tecnicamente, já está numa breve pausa). A programação habitual será retomada a partir da próxima semana.

27 de maio de 2014

Harlan Ellison (1934 - )

Foto: Jim Merithew/Wired.com
Contista e argumentista, crítico e ensaísta, revolucionário e agitador: falo de Harlan Ellison, claro, que comemora hoje o seu 80º aniversário. Um número redondo que merece ser celebrado: Ellison, afinal, legou à ficção científica literária alguns dos seus mais memoráveis contos ("Repent, Harlequin!" Said the Ticktockman e I Have No Mouth, and I Must Scream destacam-se entre dezenas) e ainda uma autêntica revolução por via de uma antologia: a célebre Dangerous Visions, a célebre colecção de 1967 que, reunindo mais de trinta contos de autores à época promissores e aclamados, abriu as portas da ficção científica norte-americana à "New Wave" que iria abanar as fundações do género e torná-la mais arrojada, mais ambiciosa e mais literária. Não se limitou à literatura: escreveu para televisão, tendo assinado episódios memoráveis de Star Trek e Outer Limits; e escreveu para cinema, adaptando um conto seu - A Boy and His Dog - para filme. E, na década de 90, adaptou até um dos seus mais célebres contos para uma aventura gráfica memorável, explorando também as possibilidades narrativas de um meio em ascensão naquela época (hoje torna-se mais difícil negar a pertinência narrativa dos videojogos).

Natural de Cleveland, no Ohio, Harlan Ellison é escritor de profissão e polemista de feitio: o seu carácter irascível, as polémicas constantes em que se envolveu e os litígios que levou para tribunal deram-lhe, com toda a justiça, o epíteto de enfant terrible da ficção científica (ou especulativa, como o próprio prefere). Mas é também um dos mais talentosos autores que o género já conheceu. A propósito da efeméride, Ryan Britt assina este belo e íntimo texto no Tor.com; fica hoje como leitura recomendada. 

Watchmen: A armadilha da adaptação

Até há alguns anos, Watchmen figuraria decerto em qualquer lista de obras literárias cuja adaptação para o cinema seria um projecto impossível - a complexidade narrativa profundamente ancorada no próprio formato de comic assegurou, em termos práticos, a impossibilidade da transposição da graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons para outro meio. O que, diga-se de passagem, não impediu que esse projecto passasse anos no development hell de Hollywood, do final dos anos 80 até meados da primeira década do novo milénio, com realizadores tão distintos como Terry Gillian ou Darren Aronofsky a surgirem associados a ele. Quem no entanto acabou por concretizá-lo foi Zack Snyder, saído do sucesso comercial da adaptação de 300, de Frank Miller; perante a recusa antiga de Alan Moore de escrever ele mesmo um argumento - o autor, aliás, foi mais longe e recusou qualquer associação com o filme -, o argumentista Alex Tse pegou no guião que David Hayter preparara em 2001 e o filme pôde por fim avançar. Com estreia em 2009: Watchmen, a adaptação impossível da mais aclamada das graphic novels.

Será talvez interessante notar que em 2009, e apesar do grande sucesso comercial e moderado sucesso crítico das franchises X-Men,  Spider-Man e Batman (de Christopher Nolan), as adaptações da banda desenhada norte-americana de super-heróis para o cinema ainda não se tinha tornado no fenómeno avassalador e de escala planetária que é hoje, apenas cinco anos volvidos. Nesse sentido, é possível que Watchmen, com a sua narrativa meta-referencial e a sua desconstrução de todo o género, tenha conhecido a sua adaptação ao grande ecrã demasiado cedo - antes de todo o género ao qual pertence, e que desmonta a cada momento, se ter afirmado fora das pranchas e de se ter tornado num fenómeno da cultura popular contemporânea. Também por isso (ainda que não apenas por isso) o filme de Snyder dificilmente poderia almejar uma importância sequer próxima daquela que a obra original de Moore e Gibbons.


Claro que, em termos práticos, não foi  por isso. Como em qualquer adaptação, Snyder e Tse tiveram de optar por excluir muitos elementos narrativos que jamais poderiam funcionar em filme. De fora ficaram os Tales of the Black Freighter e o seu estranho reflexo da narrativa principal; de fora ficaram ainda os inúmeros pormenores que Moore e Gibbons colocaram entre capítulos em forma de clippings e outros recortes para dar mais verosimilhança a toda a história, e a toda a História alternativa que é construída a partir da premissa de que os super-heróis mascarados foram legalizados no final dos anos 30 para combater o crime. E de fora ficou também a vasta trama lateral que conduz ao desenlace inesquecível que Alan Moore cunhou num rasgo da mais absoluta genialidade - toda a conspiração surge simplificada, ainda que funcional (a solução de Snyder, longe de ser perfeita, não deixa de ser airosa). 


O que não quer dizer que Snyder não tenha encontrado ele mesmo algumas soluções interessantes - e até bastante inteligentes. A mais óbvia será a do genérico inicial, que surge logo após o homicídio de Edward Blake (Jeffrey Dean Morgan), cena que coloca em movimento toda a trama. Ao som da magnífica The Times They Are a-Changing, de Bob Dylan, a sequência inicial enquadra na perfeição toda a história ao apresentar, de forma condensada mas nem por isso menos eficaz, toda a história dos vigilantes mascarados desde os "Minutemen" originais até aos "Watchmen" dos últimos anos de legalidade, antes de o Keene Act retirar o enquadramento legal à sua actividade. Quem já conhecer a banda desenhada encontrará neste genérico inúmeras referências já familiares; quem nunca tiver lido, depressa apanhará todo o contexto da trama que se seguirá. 


E essa segue em larga medida as batidas da história original, com o último vigilante ainda em actividade, Rorschach (Jackie Earle Haley) a investigar o homicídio de Blake e a descobrir que ele era o "Comedian", um herói mascarado com um carácter especialmente cínico e uma certa propensão para a violência que integrara ambas as gerações de vigilantes e que após a ilegalização passou a trabalhar com o governo norte-americano. Suspeitando de que a sua morte encerra muito mais do que um mero ajuste de contas, Rorschach decide começar a investigar o caso pelos seus próprios meios - e vai avisar os seus antigos colegas de que alguém anda a eliminar os antigos vigilantes. 


Esses colegas são Dan Dreiberg, a segunda encarnação de Nite Owl; Adrian Veidt, que após o Keene Act assumiu ser o vigilante Ozymandias e tornou-se, desde então, num empresário de sucesso e num dos homens mais ricos do planeta; Laurie Jupiter, que sucedeu à sua mãe na personagem Silk Spectre; e Dr. Manhattan, um físico de nome Jon Osterman que na sequência de um acidente no laboratório se tornou num super-herói genuíno, o único do grupo. Enquanto todos os outros são seres humanos normais (ainda que no filme todos possuam força, resistência e habilidades marciais muito acima da média), Manhattan é algo diferente: desmaterializado por acidente e materializado por pura força de vontade, tornou-se numa criatura sobre-humana com poderes ilimitados, que só pela sua presença (e após a sua demonstração de poder no Vietname, a pedido de Nixon) manteve as duas super-potências da Guerra Gria numa paz armada e forçada. 


Claro que seguir as batidas da trama original é muito diferente de uma reprodução fiel - e apesar de Snyder dar sinais claros de o entender bem pelo material que cortou, nem por isso deixa de tentar chegar o mais perto possível da fasquia de Moore e Gibbons. A ajudá-lo está um elenco muito sólido, com dois actores excepcionais: Jackie Earle Haley no papel do paranóico Rorschach, o vigilante noir que persegue a conspiração até às últimas consequências (é uma pena que o argumento tenha encontrado espaço para explorar todas as histórias de origens menos a dele, com a associação ao caso de Kitty Genovese); e Jeffrey Dean Morgan como Comedian, o herói violento e amoral que encara a sociedade e a Humanidade de forma especialmente cínica, e cuja morte no prólogo coloca em marcha toda a trama, com consequências mais vastas do que seria à partida de esperar.


E é nessa tentativa de se aproximar da complexidade da graphic novel que Watchmen acaba por se perder um pouco, com um ritmo demasiado irregular e uma trama interrompida com frequência por flashbacks que, sendo interessantes e mesmo importantes, acabam por desviar demasiado a atenção do que se está de facto a passar - ao ponto de, a meio de um filme com mais de duas horas e meia, ainda não se ter avançado quase nada na trama principal, e de muitos plot points surgirem por isso quase forçados (Veidt será talvez a personagem a sofrer com isso). A alteração do final, por necessária que possa ter sido para encurtar o tempo de duração de um filme já em si bastante longo, acaba por funcionar com um grande mas: a solução, como disse acima, tem alguma elegância, mas nem por isso deixa de ter um problema lógico no mínimo curioso.


Restam os efeitos especiais, que são excelentes e que são utilizados quase sempre em benefício da trama, sem lhe roubar protagonismo (ainda que Snyder abuse um pouco da câmara lenta), e permitindo criar um Dr. Manhattan muito credível. E, claro, a banda sonora excepcional, com temas de Bob Dylan, Leonard Cohen e Simon & Garfunkel a encaixarem-se na perfeição em vários momentos do filme. 


No que às adaptações cinematográficas de romances ou graphic novels diz respeito, é praticamente cliché dizer que o livro é melhor que o filme - com os exemplos do contrário tão raros, o cliché há muito ganhou o estatuto de regra. Não será este Watchmen de Snyder a afamada excepção que confirma a norma; ainda que esforçado, com alguns desempenhos notáveis e rasgos esporádicos de brilhantismo, o filme fica longe da complexidade e do carácter meta-referencial da obra-prima de Alan Moore e Dan Gibbons, concebida como comic e que só naquele formato se poderá contemplar na sua totalidade. No entanto, é muito provável que perante uma obra impossível de adaptar, Snyder tenha feito a melhor adaptação possível: um filme interessante ainda que um pouco desequilibrado, capaz de capturar as batidas narrativas da aclamada graphic novel sem que consiga chegar perto da sua ambiguidade, originalidade e genialidade - mas também sem envergonhar a sua criação na passagem da prancha para a película. 7.2/10

Watchmen (2009)
Realização de Zack Snyder
Argumento de David Hayter e Alex Tse a partir da graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons
Com Jackie Earle Haley, Patrick Wilson, Malin Akerman, Billy Crudup, Jeffrey Dean Morgan, Matthew Goode, Carla Gugino, Matt Frewer e Stephen McHattie
162 minutos

26 de maio de 2014

Tolkien em discurso directo

A notícia foi avançada ontem por Rob Bricken no io9: foi recuperada uma gravação do discurso e das leituras de Tolkien num evento denominado "Hobbit Dinner" que teve lugar na Holanda em 1958, perante uma plateia de duas centenas de fãs da obra do professor britânico. Essa gravação esteve na posse de um fã holandês, que finalmente permitiu a sua remasterização e edição - prevista ainda para este ano. E entretanto, para aguçar o apetite dos fãs, foi disponibilizado um breve excerto.


Fonte: io9

25 de maio de 2014

Citação fantástica (127)

Suicidal glory is the luxury of the irresponsible.

Lois McMaster Bujold, Barrayar (1991)

24 de maio de 2014

O som e a fúria (26)

Há qualquer coisa de profundamente dickiano na letra de Subterranean Homesick Alien, o terceiro tema do (muito orwelliano) aclamadíssimo OK Computer, dos Radiohead - com a sua história dos alienígenas a filmar vídeos das "estranhas criaturas" que são os humanos, para enviarem para o seu planeta de origem; e com o desejo do "narrador" (digamos assim por uma questão de conveniência) de se juntar a eles, de ver o mundo lá de cima - de contar uma história inacreditável ao ponto de se tornar insana. Aqui fica como tema da semana.

23 de maio de 2014

Watchmen: Super-heróis meta-referenciais

Mais de vinte e cinco anos volvidos sobre a publicação original dos doze fascículos/capitulos com os quais Alan Moore e Dave Gibbons elevaram em definitivo os comics de super-heróis a um patamar qualitativo literário, o que resta dizer sobre Watchmen? Muito pouco. Lev Grossman, num artigo para a revista Time sobre as dez melhores graphic novels - a mesma revista que incluiu Watchmen entre os 100 melhores romances em língua inglesa publicados entre 1923 e 1987, sendo a única banda desenhada a receber tal honra -, afirma que [i]t's way beyond cliché at this point to call Watchmen the greatest superhero comic ever writen-slash-drawn. But it's true. E é mesmo - graças à sua mistura de desconstrução de todo um género popular com sátira política e uma trama complexa, multifacetada e sempre surpreendente. Quando, em meados dos anos 80, Alan Moore propôs à DC Comics pegar nos super-heróis que a editora adquirira à Charlton Comics e reinventá-los numa história mais sombria, estava decerto longe de imaginar que a história resultante, mesmo não utilizando as ditas personagens, viria a ter um impacto tão profundo na indústria, tornando-se num dos seus títulos mais icónicos e aclamados.

Ao mesmo tempo uma história de super-heróis e uma desconstrução tão rigorosa como implacável do género, Watchmen propõe-se colocar super-heróis num 1985 alternativo, profundamente mergulhado na Guerra Fria que continua a dividir o mundo entre as duas super-potências - e fá-lo através de um enquadramento a todos os níveis espantoso, que recua na cronologia narrativa até às origens dos vigilantes mascarados legais nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, ao primeiro grupo de super-heróis propriamente ditos (os "Minutemen"), à participação destas figuras no quotidiano e à sua ilegalização por decreto em 1973. Moore consegue incluir toda esta backstory, assim como as origens das várias personagens, no fluxo da trama principal, sem perdas de ritmo ou digressões demasiado laterais, encaixando todos estes elementos de forma perfeita num enredo que começa com o homicídio de um homem chamado Edward Blake, que se vem a saber ser conhecido como "The Comedian" - um dos dois últimos heróis mascarados considerados legais pelo governo norte-americano. 

E um dos pontos altos da premissa reside na forma como Moore e Gibbons, conhecendo bem as convenções do género, desmontam alguns dos seus motivos mais persistentes com uma simplicidade desarmante - a reviravolta final com o discurso do vilão (se é que é possível, ou correcto, falar de vilões nesta trama) é, sem dúvida, o exemplo mais flagrante deste carácter meta-referencial, para além de ser um clímax tão assombroso pela sua perfeição e devastador pelas consequências que acarreta; mas há toda uma série de detalhes que saltam à vista que atestam o olhar crítico e irónico que Watchmen lança sobre o seu próprio género - o vigilante morto devido à capa do seu fato será talvez memorável, mas o cruzamento narrativo com um comic de piratas persiste pela sua carga simbólica, pela estranheza que evoca e pela forma subtil mas insistente como leva a premissa às suas últimas consequências: afinal, num mundo onde os super-heróis são verdadeiros e fazem parte do dia-a-dia, dificilmente darão origem a comics populares...

Em termos de trama, tudo se desenrola a partir do homicídio de Blake, que leva o paranóico Rorschach - membro do último grupo de vigilantes, e em actividade clandestina desde a ilegalização - a suspeitar de uma conspiração para eliminar os super-heróis ainda vivos, e a procurar os seus antigos colegas para os alertar: Dan Dreiberg, a segunda encarnação de Nite Owl; Adrian Veidt, o empresário de sucesso outrora conhecido como Ozymandias; Laurie Juspeczyk, que herdara da sua mãe a personagem Silk Spectre; e o Doctor Manhattan, outrora Dr. Jonathan Osterman, o único super-herói que de facto possui super-poderes (devido a um incidente no laboratório). Nada disto surge por acaso - o carácter humano da maioria dos vigilantes permite a construção de personagens imperfeitas e bem desenvolvidas (ainda que Moore acabe por pecar no que à representação feminina diz respeito), e o carácter sobre-humano de Doctor Manhattan é abordado de forma especialmente humana e verosímil, desmontando com astúcia as consequências dos super-poderes (que, diga-se de passagem, vão muito mais além da estafada questão da responsabilidade). 


Claro que a conspiração que Rorschach se revelará bem mais densa e profunda do que ele alguma vez imaginou - e irá levá-lo, a ele e aos restantes heróis, numa invulgar odisseia pessoal e colectiva num mundo que se parece aproximar de um apocalipse. Moore e Gibbons optaram para uma abordagem gráfica clássica para uma história tão pouco convencional: toda a trama é exposta ao longo de pranchas regulares, divididas em grelhas de nove vinhetas cujo rigor e a simetria se afastam da habitual flexibilidade dos comics. Assim como o seu worldbuilding prodigioso, construído também fora dos "quadradinhos" através da introdução de artigos ficcionais entre capítulos, dando uma maior textura às personagens e à sociedade em que se inserem, e fornecendo elementos novos de leitura.

É através da leitura de Watchmen que se entende como a obra anterior de Alan Moore, o excelente V For Vendetta, acabou por ser um ensaio para algo infinitamente mais vasto, ambicioso e complexo - uma história em simultâneo convencional e capaz de derrubar convenções, integrada no seu género e capaz de o elevar e transportar para novos territórios; uma obra que consegue respeitar o enorme legado dos comics de super-heróis enquanto o desconstrói e reduz aos seus elementos mais básicos, reutilizando-os na construção de uma história única e irrepetível. Watchmen é um marco na banda desenhada - a prova definitiva do carácter literário do formato, mesmo quando parte das suas ideias mais pop.

22 de maio de 2014

This happening world (13)

No Polygon, Ben Kuchera assina uma excelente reportagem sobre como a Blizzard Entertainment criou Heroes of the Storm, a sua muito aguardada entrada no mercado dos jogos multiplayer battle online arena (MOBA) há vários anos dominado por títulos como League of Legends e DOTA. É interessante notar como tantas coisas nesta indústria acabam por funcionar por serendipismo - neste caso, com a ironia acrescida de os MOBA terem emergido no quintal da própria Blizzard, através de um mod feito com o editor de campanhas de Starcraft.

Concluído que está o bloco de Theros, a Wizards of the Coast já revelou qual será o nome do próximo bloco temático de Magic: the Gathering que será lançado no início do Outono: Khans of Tarkir. Pouco mais se sabe para além do título - Tarkir, aparentemente, é o plano-natal de Sarkhan Vol, o planeswalker alinhado com a magia vermelha que apareceu pela primeira vez em Alara; e é um mundo em permanente estado de guerra, conhecido também pelos seus dragões. Entretanto, os spoilers de Conspiracy, a expansão adicional pensada essencialmente para o formato de draft (e com muitas coisas interessantes para Commander) continuam a bom ritmo.

O artista Paul Connor adicionou aos cenários sombrios e desconcertantes do videojogo independente Limbo algumas criaturas icónicas da filmografia de Hayao Miyazaki - e o resultado, para além de visualmente soberbo, é um teaser encantador para um videojogo que, infelizmente, nunca será feito. O destaque foi dado pelo io9.

Copyright Paul Connor
Fontes: io9 / Deviant Art / Daily MTG / Polygon

21 de maio de 2014

Jupiter Ascending: Novo trailer

Foi hoje divulgado um novo trailer para Jupiter Ascending, a space fantasy de Andy e Lana Wachowski que coloca Mila Kunis no papel de uma jovem empregada de limpezas que desconhece ter um destino grandioso muito para lá dos limites da Terra - e que irá contar com a ajuda de Channing Tatum e de Sean Bean para o alcançar. A componente visual que sempre marcou os filmes da dupla parece estar aqui em alta - em Julho, saberemos que tudo o resto estará à altura das expectativas.

Jupiter Ascending tem estreia marcada para 24 de Julho em Portugal.


Fonte: io9

20 de maio de 2014

Transcendence: Singularidade improvável

Haverá poucos temas tão caros à ficção científica como o tema da Inteligência Artificial. As abordagens diferem, mas praticamente todas tomam como ponto de partida a criação humana de uma inteligência computorizada que, assumindo consciência de si mesma e transcendendo em larga medida as capacidades cognitivas dos seus criadores, provoque alterações profundas na Humanidade, ao ponto de a tornar irreconhecível para quem tenha vivido antes do advento dessa inteligência. De forma muito resumida, esta é a definição de singularidade, termo cunhado por John von Neumann ainda nos anos 50 e popularizado mais tarde por Vernor Vinge - e quando às consequências desse acontecimento que muitos crêem inevitável, a ficção científica tem-se esforçado por imaginar várias possibilidades para esse mundo pós-singularidade. No seu legado, o género tem inteligências artificiais inescrutáveis, benévolas, confusas e malévolas - ao ponto de se tornarem numa ameaça para a Humanidade, e de assumirem o papel de arautos da sua extinção. Na sua primeira experiência como realizador, Wally Pfister, director de fotografia premiado que se notabilizou pelo seu trabalho com Christopher Nolan, optou por explorar os territórios vastos e difusos da singularidade - mas alterou a designação para Transcendence.

Transcendence recupera o tema da Singularidade para um futuro aparente e indistinto (nada, para todos os efeitos, distingue o tempo narrativo do nosso tempo real) no qual a investigação na área da Inteligência Artificial se encontra a avançar a bom ritmo. Um dos principais rostos dessa investigação é Will Caster (Johnny Depp), um cientista tão conceituado como popular, por mais que procure evitar essa popularidade (sem grande sucesso, a avaliar pela palestra que vemos, pelos autógrafos que estudantes lhe pedem, e pela entrevista à revista Wired). 


De natureza essencialmente discreta e com um pequeno toque de paranóia, Caster é, de certa forma, um cientista puro: o seu único propósito é investigar pela pura descoberta do conhecimento e das possibilidades que a tecnologia encerra, sem quaisquer considerações éticas ou de aplicabilidade prática do seu trabalho, e sem quaisquer desejos de mudar o mundo. Tais sonhos pertencem à sua mulher, Evelyn (Rebecca Hall), mais extrovertida e social; quanto às questões éticas, estas ficam a cargo de Max Waters (Paul Bettany), um dos amigos mais próximos do casal.


Mas a investigação que Caster está a desenvolver para a criação de um computador inteligente e auto-consciente - e que já alcançou algum sucesso no projecto PINN (acrónimo para Physically Independent Neural Network) - não é vista com bons olhos por todos os sectores da sociedade. Um grupo intitulado RIFT (Revolutionary Independence From Technology) é especialmente ruidoso na sua oposição à investigação no ramo da IA - e leva a cabo uma série de ataques terroristas coordenados que culminam na destruição de vários laboratórios, na morte de dezenas de cientistas em instituições privadas e governamentais, e num ataque a Will no qual este sofre um ferimento letal. 


Perante a morte inevitável do seu marido, Evelyn decide arriscar um procedimento improvável, apenas testado com sucesso moderado num macaco: fazer o upload da consciência de Will para os processadores quânticos do PINN, dando-lhe uma nova vida cibernética quando o seu corpo falhar. Apesar dos seus dilemas éticos, Max ajuda-a nesse projecto - e é num misto de espanto e de horror que vê Will renascer online, na posse de todas as suas memórias e com uma capacidade cognitiva inconcebível. Mas será este novo Will a mesma pessoa que era antes, na sua manifestação física original? E uma vez ligado à Internet e com acesso virtualmente ilimitado a todos os sistemas online, o que irá fazer?


A resposta a esta pergunta, dada nas cenas finais do filme, será talvez o ponto mais positivo de Transcendence (apesar do plot hole aparente que envolve uma "Chekov's Gun" bastante imaginativa), a par da competência estética e visual de Pfister. Todo o filme acaba por ser transportado não pela interpretação do seu actor principal, Johnny Depp (quase tão inexpressivo aqui como Keanu Reeves, e sem o ar de alheamento perpétuo deste), mas por Rebecca Hall, num desempenho emotivo e verosímil. O restante elenco, de qualidades inegáveis, surge aqui francamente subaproveitado - Paul Bettany, Kate Mara, Cillian Murphy e Morgan Freeman poderiam ter dado muito mais ao filme, se o argumento o tivesse exigido. 


E este surge minado por alguma inconsistência narrativa, por uma série de problemas lógicos que nunca resolve (como se conseguiu levar Brightwood para aquele estado sem chamar a atenção de ninguém? E que raio de plot point é o da energia no final?), e por uma indecisão aparente em relação à mensagem que quer transmitir e à história que quer contar. É inegável que Transcendence tem pertinência nos dias que correm, quando as sociedades ocidentais estão cada vez mais dependentes dos seus gadgets tecnológicos e da sua ligação constante à rede - abdicando de noções de privacidade e de segurança por algo difuso que boa parte das pessoas não entende como funciona, e quando o virtual e o online parece invadir todos os domínios das nossas vidas. 


É pena que nunca se entenda muito bem qual é o ângulo que a história pretende explorar: se a pertinência dos argumentos tecnófobos ou dos entusiastas da singularidade, se das questões de privacidade que as tecnologias modernas suscitam, e sobre as quais a maior parte das pessoas não se dá ao trabalho de reflectir, se da natureza da consciência, se da eterna oposição entre humanidade e inteligência artificial, se da fábula moral futurista ao estilo de Dr. Frankenstein da era da Web 2.0. Aparentemente, Wally Pfister e Jack Paglen também não se conseguiram decidir - e, por via das dúvidas, acabaram por incluir tudo. O resultado, ainda que se revele interessante e, a espaços, capaz de suscitar uma ou outra reflexão, acaba por nunca se elevar às alturas que poderia alcançar.


E a isso não é alheio o facto de todos estes temas que Transcendence mistura já terem todos sido tratados na ficção científica moderna, e quase sempre de forma mais completa, coerente, pertinente e intrigante. Inteligências artificiais gone rogue são centrais a filmes como 2001: A Space Odyssey e Terminator (e muitos outros, claro); já a dúvida sobre a condição humana perante o artificial surgem bem exploradas em Blade Runner e Ghost in the Shell - sendo talvez o filme de Mamoru Oshii a melhor e mais relevante obra sobre o tema. Isto sem esquecer, claro, o subtexto filosófico e religioso (aqui tão martelado por Pfister e Paglen) de The Matrix ou da reinvenção contemporânea de Battlestar Galactica. E quanto ao relacionamento entre Homem e Máquina... ainda há pouco tempo vimos Her, de Spike Jonze, a extrapolar o tema para as relações amorosas, e a ser distinguido com um Óscar da Academia para Melhor Argumento original no processo. Note-se que nem saímos da ficção científica audiovisual - muito ainda se poderia dizer a propósito de obras de William Gibson, Greg Bear, Vernor Vinge, Dan Simmons e muitos outros autores. 


Enfim, ninguém poderá retirar a Transcendence o mérito de ter ambição e de querer explorar a partir de vários ângulos diferentes uma temática fascinante, complexa e, acima de tudo, pertinente pela sua actualidade. As ideias estão de facto lá - é uma pena que a execução da premissa acabe por ficar muito aquém do seu potencial, minada por uma narrativa débil e inconsistente. Pfister e Paglen parecem querer incorporar conceitos díspares, que funcionariam talvez em filmes diferentes - o cautionary tale, o subtexto religioso, a definição de humanidade, o debate ético, o jogo de antíteses entre real e virtual, natural e sintético, razão e emoção -, mas que, juntos na mesma narrativa, acabam por gerar mais ruído do que qualquer outra coisa. É um bom esforço, com uma estética curiosa e algumas noções interessantes, mas podia ser muito mais do que isso. 06/10

Transcendence (2014)
Realização de Wally Pfister
Argumento de Jack Paglen
Com Johnny Depp, Rebecca Hall, Paul Bettany, Morgan Freeman, Cillian Murphy, Kate Mara e Clifton Collins Jr.
119 minutos

19 de maio de 2014

Guardians of the Galaxy: Novo trailer

A avaliar por aquilo que tive oportunidade de ler nos vários artigos publicados online a propósito deste novo trailer de Guardians of the Galaxy, os fãs tanto dos comics deste improvável grupo de heróis como de outros arcos narrativos do universo ficcional da Marvel terão um filme repleto de easter eggs. Quem, como eu, não estiver familiarizado com as bandas desenhadas (algo a corrigir um dia destes) decerto apreciará o tom mais ligeiro e descontraído que parece atravessar esta aventura em estilo de space opera - algo que vai sendo raro na ficção científica contemporânea, e que é (também) por isso muito bem vindo. Se a isso juntarmos um elenco de luxo (Chris Pratt, Zoe Saldana, Bradley Cooper, Vin Diesel, Karen Gillan, Dave Bautista, Benicio Del Toro, Lee Pace, Djimon Hounsou, John C. Rilley, Glenn Close e Michael Rooker) e uma componente visual aparentemente soberba, não restam muitas dúvidas: apesar das suas origens secundárias na Marvel, Guardians of the Galaxy está a tornar-se num dos filmes mais aguardados deste Verão.

Guardians of the Galaxy tem estreia marcada para 1 de Agosto nos Estados Unidos, e para 7 de Agosto em Portugal. Abaixo, o trailer:



Fonte: io9

John W. Campbell Memorial Award: Os finalistas

A temporada de prémios da fantasia e da ficção científica prossegue a bom ritmo - depois do anúncio dos vencedores dos Nébula, surge agora a lista de finalistas para o John W. Campbell Memorial Award, prémio criado por Brian Aldiss e Harry Harrison em memória de John W. Campbell, o célebre editor da revista Astounding Science Fiction que teve um papel fundamental na afirmação da ficção científica enquanto género literário. Aribuído anualmente desde 1973, este prémio distingue o melhor romance de ficção científica do ano transacto; o anúncio dos vencedores tem lugar no Campbell Conference Awards Banquet, que decorrerá na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, de 13 a 15 de Junho. Os nomeados são:

  • Lexicon, de Max Barry (Penguin)
  • Proxima, de Stephen Baxter (Gollancz)
  • The Circle, de Dave Eggers (Knopf)
  • We Are All Completely Beside Ourselves, de Karen Joy Fowler (Marian Wood / Putnam)
  • Hild, de Nicola Griffith (Farrar, Straus, and Giroux)
  • The Cusanus Game, de Wolfgang Jeschke (Tor)
  • Ancillary Justice, de Ann Leckie (Orbit)
  • The Disestablishment of Paradise, de Phillip Mann (Gollancz)
  • Evening’s Empires, de Paul McAuley (Gollancz)
  • The Red: First Light, de Linda Nagata (Mythic Island Press)
  • The Adjacent, de Christopher Priest (Gollancz)
  • On the Steel Breeze, de Alastair Reynolds (Gollancz)
  • Shaman, de Kim Stanley Robinson (Orbit)
  • Neptune’s Brood, de Charles Stross (Ace)
  • Strange Bodies, de Marcel Theroux (Faber & Faber / Farrar, Straus, and Giroux)

18 de maio de 2014

Citação fantástica (126)

The problem isn't to learn to love humanity, but to learn to love those members of it who happen to be at hand.

Samuel R. Delany, Dhalgren (1974)

Nebula Awards 2013: Os vencedores

Decorreu ontem à noite em San José, na Califórnia, a cerimónia de entrega dos Nebula Awards 2013, atribuídos pela Science Fiction and Fantasy Writers of America desde 1966 aos trabalhos que mais se distinguiram no campo da fantasia e da ficção científica no ano anterior. E a cerimónia confirmou o grande favoritismo de Ancillary Justice, o romance de estreia de Ann Leckie que foi agraciado na categoria de "Best Novel" e que, até ao momento, já conquistou o British Science Fiction Award e o Arthur C. Clarke Award. Nas restantes categorias literárias, os Nébula distinguiram a ficção de Vylar Kaftan, Aliette de Bodard e Rachel Swirsky (com o conto If You Were a Dinosaur, My Love, já aqui referido); o prémio Andre Norton para fantasia e ficção científica young adult foi entregue a Nalo Hopkinson; e o Ray Bradbury Award for Outstanding Dramatic Presentation distinguiu, sem surpresa, o espantoso Gravity, de Alfonso Cuarón. Quanto a Samuel R. Delany, como aliás já se sabia, recebeu o 2013 Damon Knight Grand Master Award, que reconhece a sua longa e relevante carreira literária na ficção científica.

Best Novel:
  • Ancillary Justice, de Ann Leckie (Orbit US; Orbit UK)
  • We Are All Completely Beside Ourselves, de Karen Joy Fowler (Marian Wood)
  • The Ocean at the End of the Lane, de Neil Gaiman (Morrow; Headline Review)
  • Fire with Fire, de Charles E. Gannon (Baen)
  • Hild, de Nicola Griffith (Farrar, Straus and Giroux)
  • The Red: First Light, de Linda Nagata (Mythic Island)
  • A Stranger in Olondria, de Sofia Samatar (Small Beer)
  • The Golem and the Jinni, de Helene Wecker (Harper)
Best Novella:
  • The Weight of the Sunrise, de Vylar Kaftan (Asimov’s, 02/2013)
  • Wakulla Springs, de Andy Duncan e Ellen Klages (Tor.com, 02/10/13)
  • Annabel Lee, de Nancy Kress (New Under the Sun)
  • Burning Girls, de Veronica Schanoes (Tor.com, 19/06/13)
  • Trial of the Century, Lawrence M. Schoen (lawrencemschoen.com, 08/2013; World Jumping)
  • Six-Gun Snow White, de Catherynne M. Valente (Subterranean)
Best Novelette:
  • The Waiting Stars, de Aliette de Bodard (The Other Half of the Sky)
  • Paranormal Romance, de Christopher Barzak (Lightspeed, 0620/13)
  • They Shall Salt the Earth with Seeds of Glass, de Alaya Dawn Johnson (Asimov’s, 01/2013)
  • Pearl Rehabilitative Colony for Ungrateful Daughters, de Henry Lien (Asimov’s, 12/2013)
  • The Litigation Master and the Monkey King, de Ken Liu (Lightspeed, 08/13)
  • In Joy, Knowing the Abyss Behind, de Sarah Pinsker (Strange Horizons, 01/07 – 08/07/2013)
Best Short Story:
  • If You Were a Dinosaur, My Love, de Rachel Swirsky (Apex, 03/2013)
  • The Sounds of Old Earth, de Matthew Kressel (Lightspeed, 01/2013)
  • Selkie Stories Are for Losers, de Sofia Samatar (Strange Horizons, 07/01/2013)
  • Selected Program Notes from the Retrospective Exhibition of Theresa Rosenberg Latimer, de Kenneth Schneyer (Clockwork Phoenix 4)
  • Alive, Alive Oh, de Sylvia Spruck Wrigley (Lightspeed, 06/2013)
Ray Bradbury Award for Outstanding Dramatic Presentation:
  • Gravity, com realização de Alfonso Cuarón e argumento de Alfonso e Jonás Cuarón (Warner Bros.)
  • Doctor Who: "The Day of the Doctor", com realização de Nick Hurran e argumento de Steven Moffat (BBC Wales)
  • Europa Report, com realização de Sebastián Cordero e argumento de Philip Gelatt (Start Motion Pictures)
  • Her, com realização e argumento de Spike Jonze (Warner Bros.)
  • The Hunger Games: Catching Fire, com realização de Francis Lawrence e argumento de Simon Beaufoy e Michael deBruyn (Lionsgate)
  • Pacific Rim, com realização de Guillermo del Toro e argumento de Travis Beacham e Guillermo del Toro (Warner Bros.)
Andre Norton Award for Young Adult Science Fiction and Fantasy:
  • Sister Mine, de Nalo Hopkinson (Grand Central)
  • The Coldest Girl in Coldtown, de Holly Black (Little, Brown; Indigo)
  • When We Wake, de Karen Healey (Allen & Unwin; Little, Brown)
  • The Summer Prince, de Alaya Dawn Johnson (Levine)
  • Hero, de Alethea Kontis (Harcourt)
  • September Girls, de Bennett Madison (Harper Teen)
  • A Corner of White, de Jaclyn Moriarty (Levine)
Fontes: LocusTor.com

17 de maio de 2014

O som e a fúria (25)

Poucas bandas rock serão tão difíceis de classificar como os norte-americanos Tool, que hoje aqui recupero a propósito de um dos seus temas mais memoráveis. Corria o ano de 1996 quando a banda de Maynard James Keenan lançou Ænima - um álbum que, por entre a aclamação crítica, se tornaria num disco incontornável daquela década. E o terceiro single, também intitulado Ænima, emergiu sem surpresa como um dos seus mais persistentes hinos - um tema apocalíptico e intenso (quem já o viu/ouviu ao vivo que o diga), que se fez acompanhar por um videoclip especialmente bizarro, mesmo para os padrões da banda (que habituou o seu público a uma boa dose de abstracção horrível). Aqui fica hoje, na sua versão alargada.


Interstellar: Primeiro trailer

Depois de um teaser que aguçou a curiosidade, foi ontem revelado o primeiro trailer de Interstellar, o próximo filme de Christopher Nolan, que conta com um elenco de luxo (Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Michael Caine, Jessica Chastain, Casey Affleck e John Lithgow, entre outros) e que marca o regresso do realizador britânico à ficção científica. O filme baseia-se nas teorias científicas de Kip Thorne e propõe, como o título indica, uma expedição humana muito para lá dos limites do Sistema Solar. O diabo, como se costuma dizer, reside nos detalhes - e se o trailer consegue desviar-se da péssima tendência actual de resumir todo o enredo, centrando-se quase exclusivamente na premissa e no ponto de partida, deixando o desenlace oculto, nem por isso deixa de suscitar algumas questões e dúvidas bastante pertinentes sobre a verosimilhança da premissa (e não da tecnologia).

Dúvidas à parte, Interstellar promete levar uma vez mais a ficção científica cinematográfica até ao espaço, e com a estética sempre interessante de Christopher Nolan. A estreia está marcada para Novembro.



Fonte: Empire

16 de maio de 2014

The Colors of Magic: Magia variável em ficção curta

É bem possível que mesmo quem não esteja especialmente familiarizado com o jogo de cartas coleccionáveis Magic: the Gathering conheça alguns dos seus elementos mais populares - como a divisão em cinco cores, distintas, representando aspectos diferentes da magia. Esse é, aliás, um dos elementos fulcrais do jogo em si: cada cor tem os seus elementos individuais e a sua identidade própria. De forma muito simplificada, associa-se o branco à luz, ao zelo, à justiça e à ordem; o azul ao mar e ao céu, à manipulação e ao controlo; o preto à ambição, à corrupção, à morte; o vermelho à criatividade, à imaginação, à fúria e ao fogo; e o verde à força primitiva da natureza, selvagem e indomável. Como é natural, estes elementos acabaram por ser transpostos - e de forma sempre interessante, diga-se de passagem - para a narrativa que desde os tempos de Ice Age serve de suporte temático às cartas coleccionáveis e respectivas ilustrações. E, em 1999, serviu de mote para uma antologia de ficção curta inspirada no universo ficcional de Magic: the Gathering, com o muito apropriado título de The Colors of Magic

Organizada por Jess Lebow, The Colors of Magic reuniu autores ligados aos universos ficcionais dos jogos de cartas coleccionáveis e de role-play e desafiou-os a escreverem contos a partir das cinco cores de magia, que podiam ou não estar directamente ligados às narrativas recentes daquele tempo - como, por exemplo, The Brothers' War, talvez a história mais célebre de Magic. O resultado é uma colecção de onze histórias que, não sendo homogéneas em termos qualitativos (algo que é comum, para não dizer inevitável, em antologias de ficção curta), conseguiram capturar de forma muito interessante e imaginativa a essência temática do jogo, transpondo-a com competência para um suporte ficcional. Vejamos algumas delas:

Angel of Vengeance, de Richard Lee Byers: É bem possível que Angel of Vengeance, a história que abre a antologia e uma das duas em representação da cor branca, seja a melhor da colecção. Mais ligada à identidade da cor do que às narrativas já estabelecidas (Byers apenas se socorre de uma mão-cheia de referências), o autor conta a história de Kotara, um anjo conjurado do seu refúgio celestial para o mundo terreno em nome de um pacto antigo, com o propósito de fazer justiça em nome de Sabul Hajeem, guildmage de uma cidade no reino de Zhalfir. Essa demanda por justiça cedo de transforma numa cruzada de vingança que Kotara se vê obrigada a levar a cabo, mas não sem consequências. E são essas consequências, e o drama de Kotara, que tornam Angel of Vengeance num conto tão intenso e tão memorável. 

O outro conto que representa a cor branca na antologia é Reprisal, de Tom Loepold.

A Song Out of Darkness, de Loren L. Coleman: The Colors of Magic inclui vários contos que, podendo ser lidos de forma individual e sem qualquer outro enquadramento (os autores fornecem todo o contexto), acabam por ser sequelas funcionais da história dos irmãos Mishra e Urza que Jess Grubb contou no excelente The Brothers' War; A Song Out of Darkness, escrito por Loren L. Coleman em representação da cor verde, é um desses contos. Coleman utiliza uma personagem nova, um elfo do reino de Argoth que sobreviveu ao desastre que a guerra dos dois irmãos levou até à sua ilha-floresta (e a todo o mundo de Dominaria) e que procura, numa terra pantanosa estranha com uma magia desconhecida, outros sobreviventes da guerra - acabando por encontrar Gwenna, que anos depois do cataclismo se continua a culpar pelo seu gesto de misericórdia. Da justaposição dos elementos primordiais do verde e da sombra do seu inimigo natural, o preto, nasce uma fascinante e algo melancólica história de redenção, bem integrada no universo ficcional em que se baseia, explorando de forma muito competente uma personagem outrora secundária.

O outro conto que representa a cor verde na antologia é Versipellis, de Paul B. Thompson.

Goblinology, de Francis Lebaron: Sem qualquer exagero, Goblinology é um dos contos mais hilariantes que já tive oportunidade de ler - e é sem dúvida um dos melhores da antologia. Na sua exploração da cor vermelha, Francis Lebaron optou, como o título indica, por recorrer àquela que será talvez a criatura mais icónica desta cor (mesmo mais que os dragões, arrisco): os goblins. E fá-lo num formato tão invulgar como... académico. Em termos práticos, todo o texto de Goblinology é a tese académica de Armand Ar-basinno, professor de cultura popular e goblinologia na Universidade de Argive a propósito das ruínas de goblins encontradas num lugar conhecido como Flarg, mas na versão revista e anotada de um dos seus alunos, Latavino Bar-bassanti. E o humor do conto reside precisamente no confronto da interpretação lunática (e bem regada) do professor e da visão mais terra-a-terra (e cínica) do aluno - com Lebaron a construir uma imagem hilariante da cultura goblin enquanto, de forma algo inesperada, tece uma crítica muito pouco velada à massificação do fenómeno desportivo. 

A representar a cor vermelha encontramos ainda o conto The Crucible of the Orcs, de Don Perrin.

Dark Water, de Vance Moore: O único conto da antologia que representa a cor preta conta a história de Tavya e Loria, duas primas de uma família abastada caídas em desgraça após a prática de rituais de magia negra que, começando por ser secretos, cedo passaram a rumores sussurrados na cidade - até que um ritual correu horrivelmente mal e as obrigou a se exilarem longe da civilização, numa cabana miserável entre o seu pombal (mais cuidado do que a casa) e um lago cristalino, com um pequeno charco séptico por perto. Entre a sua subsistência pobre e os seus rituais ao espírito maligno que levaram para o charco, as duas primas sonham em regressar aos tempos de outrora, quando eram jovens, belas e poderosas - mas, como antes, talvez não tenham a exacta noção das forças com que estão a lidar. Longe de ser um dos melhores contos da antologia, Dark Water nem por isso deixa de ser uma exploração interessante da identidade da cor preta no universo de Magic, com a ideia da ambição desmedida e do poder a qualquer custo (e pombos zombie) a serem centrais à narrativa. 

Expeditions to the End of the World, de J. Robert King: Tal como A Song Out of Darkness, também este conto, que representa a cor azul, acaba por se enquadrar na grande narrativa de The Brothers' War ao mostrar uma faceta curiosa da guerra - a sua exploração comercial. A história começa com o Capitão Crucias, que transporta passageiros de classe alta dos reinos costeiros de Terisiare para a costa da ilha-floresta de Argoth, palco derradeiro da guerra entre os exércitos humanos e mecânicos de Urza e Mishra, para que possam contemplar a devastação (como se fosse um espectáculo) e, com alguma sorte, assistir a alguma escaramuça a partir de uma distância confortável. Naquele dia, porém, não haverá em Dominaria qualquer distância confortável: Urza utiliza o Golgothian Sylex de acordo com as instruções de Ashnod e desencadeia o cataclismo que oblitera Argoth, devasta metade do mundo e mergulha o restante numa longa era glacial. Apanhado na borrasca, Crucias vê-se numa situação desesperada - e entre o seu desejo de morrer e o desejo de uma criança viver, vai relembrar o seu passado trágico. É uma história contada a dois tempos, entre o passado e o presente do capitão - e ambas as partes funcionam muito bem.

The Mirror of Yesterday, de Jonathan Tweet, e Bound in Shallows, de Kevin T. Stein, representam também a cor azul na antologia.

Loren's Smile, de Jeff Grubb: Sem surpresa, o autor de The Brothers' War assina também uma sequela directa àquela história - e fá-lo em representação da gold border, da cor dourada que representa a combinação de duas ou mais cores diferentes. Loren e Feldon são duas personagens secundárias, mas relevantes, da história de Urza e Mishra, que procuraram um caminho alternativo ao dos dois irmãos. Loren acabou por morrer debilitada pelas sequelas da guerra, dez anos após a tragédia de Argoth; e Feldon, incapaz de lidar com o luto pela morte da mulher que amava, lança-se numa demanda pelos cinco aspectos da magia, e pelo artífice, de a recuperar. Loren's Smile é um conto especialmente tocante: uma história de amor e de luto que explora de forma excepcional o tema das cinco cores da magia, e lhes dá toda uma nova dimensão. 

15 de maio de 2014

Desconstruindo os Prémios Nébula

A cidade de San Jose, na Califórnia, acolherá no próximo fim-de-semana o Nebula Award Weekend, evento organizado anualmente pela Science Fiction and Fantasy Writers of America (SFWA) que terá o seu ponto alto na cerimónia de entrega dos Prémios Nébula. Criados em 1965 e atribuídos pela primeira vez em 1966, os Prémios Nébula foram os primeiros prémios a ser atribuídos a autores de ficção científica pelos seus pares. A lista de nomeados deste ano nas várias categorias pode ser consultada aqui; no blogue da Amazing Stories, R. K. Troughton explora com algum detalhe a história dos prémios, com algumas estatísticas muito interessantes sobre algumas categorias. Fica como leitura recomendada para antes do fim-de-semana. 

14 de maio de 2014

This happening world (12)

Na sua coluna na Kirkus Reviews, Andrew Liptak (também do SF Signal) debruça-se sobre a história da Science Fiction Writers of America e da célebre, ainda que curta, série de antologias Science Fiction Hall of Fame - e, na sua página pessoal, publicou a entrevista completa que, a propósito do artigo, fez a Robert Silverberg, um dos gigantes do género, que sucedeu a Damon Knight na liderança da então ainda jovem SFWA e que promoveu a organização da primeira Science Fiction Hall of Fame. Para os interessados na história da ficção científica, tanto o artigo como a entrevista deverão ser leitura obrigatória.

Na Amazing Stories, Steve Fahnestalk continua a sua exploração dos juveniles do mestre Robert A. Heinlein - e Steve Davidson crítica com veemência a tentativa de apropriação ideológica de Heinlein por alguns sectores mais conservadores do fandom, numa época em que este se encontra especialmente (e estupidamente, acrescento) fragmentado em termos políticos (algo que, como Davidson bem aponta, Heinlein condenaria sem hesitação). 

No Tor.com, Alex Bledsoe explica por que motivo gosta mais de 2010 do que de 2001: A Space Odyssey. Ainda que a última frase do artigo seja um tanto ou quanto imbecil, o texto é interessante na separação que faz entre a exploração intelectual e tecnológica de Kubrick e a aposta na humanidade das personagens de Peter Hyams. 

Gavia Baker-Whitelaw, no portal The Daily Dot, analisa o erro fundamental da maioria das críticas mainstream ao filme Captain America 2: Winter Soldier, sobretudo no que à Black Widow de Scarlett Johansson diz respeito. E um erro que, diga-se de passagem, acaba por dizer mais acerca dos críticos do que da própria personagem em si, ou de qualquer outra personagem feminina do Marvel Cinematic Universe. 

Precisará a ficção especulativa de um novo movimento literário? A pergunta é de Charlie Jane Anders no io9; a resposta, essa, está longe de ser óbvia.

13 de maio de 2014

Under the Skin: Estranha num corpo estranho

Há filmes que, mais do que impressionar pela história que contam, deixam marcas pelas emoções que transmitem - e que tantas vezes se revelam difíceis, se não mesmo impossíveis, de definir. Lembro-me da ocasião em que vi o magnífico Let the Right One In, do sueco Thomas Alfredson, julgo que numa sessão televisiva na RTP2: o desconforto que marca a história daquele rapaz vítima de bullying e da menina enigmática que vive na casa do lado é palpável, quase sufocante - uma sensação difusa mas persistente de que algo ali está profundamente errado. Ou quando fui ver Melancholia, de Lars Von Trier, nos últimos dias da sua passagem pelas salas de cinema de Lisboa (isto em 2011): um filme apocalíptico poderoso como nenhum outro que tenha visto, atrevido ao ponto de mostrar a cena final nos primeiros minutos, numa das mais belas sequências de imagens do cinema recente - não é o final que importa, afinal, mas jornada das irmãs Justine e Claire perante o fim. E será talvez essa inevitabilidade que faz a angústia de Melancholia transbordar para o espectador - esse conhecimento absoluto de que não há redenção possível, e que tão fútil é a aceitação serena como a negação insana. Ou quando, há dias, tive a oportunidade de assistir a Under the Skin, o mais recente filme de Jonathan Glazer, que pegou no romance homónimo do holandês Michel Faber para recriar no grande ecrã a estranheza absoluta e desconfortável do outro, através do seu ponto de vista. 


O que se revela interessante desde logo pela ambição. Na ficção científica, poucos desafios são tão complexos como a representação do outro, do derradeiro desconhecido, do alienígena. Há aqui uma certa ironia: um género rico na imaginação de outros mundos, de viagens nos abismos que separam as estrelas, e das civilizações misteriosas que habitam esses mundos e esses abismos,  a revelar-se com tanta frequência incapaz de mostrar o outro como um verdadeiro alienígena. Mais um reflexo do familiar do que do desconhecido, os extraterrestres da ficção científica, mesmo os mais icónicos, surgem quase sempre humanizados nas suas características; mesmo aqueles que se tentam destacar por um módico de estranheza e de distanciamento racional acabam quase sempre por se aproximar de alguma forma de sociopatia ou autismo do que do estranho. Até o célebre  xenomorph de Alien, por estranho que possa parecer acaba por assumir uma forma que conhecemos: a forma do predador, metódico e implacável (e a alien queen de James Cameron manifesta mesmo uma atitude maternal). É possível que o defeito esteja no olhar humano: a interpretação do desconhecido acaba sempre por ser feita à luz daquilo que já conhecemos. Mas se o ponto de vista fosse o deles, dos alienígenas – se fosse a sua história, vista por nós com os seus olhos, como seria?


Profundamente desconfortável. É a resposta possível que Jonathan Glazer arrisca em Under the Skin ao reduzir a narrativa ao seu mínimo denominador comum e ao esbater os motivos na atmosfera enevoada da Escócia no olhar frio de uma mulher que não é quem, ou o que, aparenta ser. Scarlett Johansson supera-se numa interpretação superlativa, silenciosa na sua melancolia e emotiva na sua ausência absoluta de emoção: ela é a alienígena em pele humana, sensual e inescrutável, que caça homens incautos na noite de Glasgow – para quê, ninguém sabe ao certo. Os seus motivos, esses, são tão insondáveis como ela.


Under the Skin abre com uma sequência de imagens herdeira de 2001: A Space Odyssey (será talvez difícil olhar para o filme sem pensar em Kubrick, referência e influência assumidas por Glazer). No fundo abstracto, ouve-se uma voz a repetir palavras em inglês - como se estivesse a aprendê-las. Num momento, passamos para um território indefinido da Escócia, onde um motoqueiro sem rosto recupera o corpo de uma rapariga de uma vala - e de seguida, vemos a personagem de Scarlett Johansson a despir o cadáver, que é igual a si, e a vestir as suas roupas. E a partir daqui, começa a caçada.


Um dos feitos mais extraordinários de Under the Skin é a forma como consegue retirar a carga sexual de uma actriz como Scarlett Johansson - e isto num filme cuja premissa narrativa reside no ponto de ela seduzir homens. Despida de todo o seu glamour, a alienígena de Johansson afigura-se como uma rapariga evidentemente bela, mas nem por isso menos comum. Vemo-la ao volante de uma Ford Transit branca a guiar ao acaso pela Escócia, abordando homens na rua - Glazer filmou várias cenas com câmaras escondidas, e muitos dos homens que ela aborda não são actores, mas cidadãos comuns. Alguns dão-lhe as indicações que ela solicita e afastam-se. Outros alinham no jogo de sedução, e deixam-se conduzir para o seu covil.


Todo este jogo é, na sua essência, profundamente sexual e sensual - mas a interpretação de Johansson, a realização de Glazer e a banda sonora excepcional de Mica Levi anulam toda a sensualidade e sexualidade da actriz e do momento e substituem esses elementos por um autêntico pesadelo sensorial, numa subversão intrigante e desconcertante. No início, o motivo é repetido sem que se conheça o destino das suas vítimas, até ao momento em que, deixando os propósitos abertos para interpretação, esse destino é revelado - e revela-se indescritível (o livro, tanto quanto sei, é bem mais explícito). 


Aqui chegados, poderíamos pensar que o filme iria conduzir a uma exploração dos motivos daqueles extra-terrestres, cuja aparência humana esconde a sua alienação absoluta. Glazer descreve com detalhe e sem poupar meios o carácter inescrutável daquelas criaturas - alheias às emoções humanas, indiferentes à banalidade das suas vidas, capazes de as imitar com um módico de competência mas incapazes de compreender o que são aquelas criaturas que caçam (a cena da praia, horrível para muitos, é exemplar na sua ilustração absoluta de indiferença). Mas Under the Skin ambiciona mais do que isso, e Glazer opta por deixar os motivos envoltos em mistério para mudar as regras do jogo com uma das vítimas da protagonista, agente involuntário no despontar da curiosidade - e de um fragmento de auto-consciência que a irá mudar de forma radical.


E é neste ponto que Under the Skin se revela superlativo: na reflexão que faz sobre a identidade e sobre o outro através da jornada de descoberta da personagem de Scarlett Johansson, a alienígena perfeita, uma estranha num corpo estranho que se começa a questionar sobre o que é a humanidade, e sobre quão limitada é a sua capacidade de pertencer. Se na primeira parte Glazer embebeu o filme de um desconforto tenso, quase palpável, na segunda fez esse desconforto dar lugar a uma sensação difusa de estranheza, de alienação, de não pertença. De incompreensão. Os momentos da discoteca e dos hooligans são muito ilustrativos da dissonância entre a protagonista e a sua aparência; e o que se segue leva a ideia ainda mais longe. 


No resto, Under the Skin é cinema elevado a arte, no sentido mais subjectivo do termo. A realização de Glazer é metódica, evocativa, muito atenta ao pormenor; a fotografia de Daniel Landin é de uma beleza melancólica ímpar no cinema de ficção científica; a banda sonora da jovem Mica Levi, estreante nestas andanças, é notável pela forma como se funde com as imagens e lhes dá toda uma nova dimensão; e o desempenho de Scarlett Johansson, como já se disse, é magnífico na sua actuação em duplo sentido, na sua transição da indiferente frieza predatória da primeira parte para a confusão identitária da segunda. Uma interpretação espantosa, que eleva o filme e que provavelmente não terá o reconhecimento que merece.


Under the Skin não será um filme para todos - o seu ritmo pausado, meditativo mesmo nos momentos mais tensos, o desconforto que evoca e a forma como Glazer e Campbell reduzem a narrativa de Michel Faber aos seus elementos primordiais para desafiar o espectador a reflectir sobre o significado de cada imagem, de cada sequência, de cada acção. Mais do que mostrar ao invés de contar, Glazer sugere - e deixa ao espectador um amplo espaço para a sua própria interpretação. Quem, no entanto, aceitar o filme nos seus próprios termos, terá em Under the Skin uma obra espantosa, das mais importantes que o género conheceu nos últimos anos. Mais do que isso: terá um filme tão belo como tenebroso, tão estimulante como estranho, tão sossegado como arrojado, onde a estranheza assume o papel principal e onde nos podemos verdadeiramente ver pelos olhos do outro. 9.0/10

Under the Skin (2013, com estreia ao público em 2014)
Realização de Jonathan Glazer
Argumento de Walter Campbell e Jonathan Glazer a partir do romance homónimo de Michel Faber
Com Scarlett Johansson e Jeremy McWilliams
108 minutos

H. R. Giger (1940 - 2014)

O cinema de ficção científica ficou hoje um pouco menos assustador. Morreu H. R. Giger, o artista plástico que criou aquela que será porventura a mais icónica e assustadora criatura do cruzamento entre a ficção científica e o horror: o xenomorph que Ridley Scott apresentou em 1979 no extraordinário Alien e que James Cameron multiplicou em 1986 na sequela Aliens. Natural de Chur, na Suíça, Giger notabilizou-se pelas suas criações surreais, pela estética que funde elementos biológicos a mecânicos, e pela composição erótica de muitas das suas peças. Recebeu um Óscar da Academia pelo seu trabalho nos efeitos visuais de Alien, e trabalhou nos restantes filmes da franchise (Alien 3, Alien Resurrection e Prometheus); integrou a equipa de Alejandro Jodorowski para ambicioso e inacabado Dune; e colaborou com inúmeros artistas noutras áreas, como na música, onde ilustrou capas de discos, criou cenários para espectáculos e trabalhou em videoclips.

Hans Rudolf Giger faleceu aos 74 anos.

Fonte: The Verge