11 de abril de 2014

A ficção curta de Philip K. Dick (3): Beyond Lies the Wub, Null-O e The Father-Thing

Beyond Lies the Wub é o título do primeiro conto que Philip K. Dick viu publicado - corria o ano de 1952, e a publicação foi a revista Planet Stories. É um texto curto e imaginativo, que envolve uma tripulação humana em Marte, num último contacto com a civilização local antes de regressar à Terra (Philip K. Dick não dá detalhes acerca do Marte habitado deste conto - talvez não seja difícil ou despropositado, porém, imaginar um Marte ao estilo de Burroughs). Um dos elementos da tripulação, de nome Petterson, surge no último minuto com um wub: uma criatura peculiar, nativa do planeta vermelho, que o Comandante Franco rapidamente identifica como um porco, e que aceita transportar na perspectiva de um belo jantar. Algo que se revelará problemático quando, para espanto da tripulação, o wub revela ser inteligente, compreender o discurso humano, possuir actividade psíquica e perseguir interesses filosóficos. Beyond Lies the Wub ainda está longe da complexidade que a ficção curta de Philip K. Dick viria a alcançar - a reviravolta final, porém, já se revela algo surpreendente, e o registo a oscilar entre a comédia e uma paranóia ligeira denota já alguns elementos que se viriam a tornar prevalecentes na sua escrita. 

Quando Philip K. Dick publicou The Father-Thing nas páginas da revista The Magazine of Fantasy and Science Fiction em 1954, o tema das réplicas humanas feitas por entidades ocultas e/ou alienígenas estava na moda na ficção científica - três anos antes, estreara The Thing From Another World, adaptando um conto clássico de John W. Campbell (Who Goes There?), e dois anos mais tarde estrearia Invasion of the Body Snatchers, clássico maior da produção do género nos anos 50 (e não só). O que torna este conto notável e distinto neste tema é o ponto de vista que emprega - o de Charles Walton, uma criança de oito anos, que num momento descobre que o seu pai tem um duplo. Philip K. Dick explora na perfeição a sensação de paranóia de Charles quando descobre que o seu pai foi substituído por algo que não consegue identificar - as primeiras páginas do conto são uma maravilha, e o desenvolvimento não desilude, com Charles a procurar ajuda não entre adultos, incapazes de acreditar no que viu, mas entre outras crianças, mais abertas a aceitar impossibilidades aparentes. Leitores contemporâneos talvez estranhem alguns termos utilizados pelo autor, e que, sendo "normais" na época, fariam soar todos os alarmes do politicamente correcto moderno - isso, porém, pouco mais é do que um detalhe, e com pouca importância. 

De certa forma, Null-O, conto de Philip K. Dick publicado pela primeira vez nas páginas da revista If em 1958, acaba por ser em simultâneo uma curta paródia a The World of Null-A de A. E. van Vogt e um percursor espiritual de um dos temas fulcrais do romance que publicaria uma década mais tarde, Do Androids Dream of Electric Sheep? - a ausência de empatia, e as consequências dessa ausência. Pegando na ideia de van Vogt de uma raça de humanos superiores, governados por uma lógica absoluta e desprovidos de quaisquer emoção, Philip K. Dick explora a partir da personagem de Lemuel Jorgenson, um jovem sociopata e paranóico com algumas mutações, tendências violentas e incapacidade de se relacionar com quem lhe está próximo. Quando conhece o Dr. North num hospital psiquiátrico, porém, Lemuel descobre que não está sozinho - longe disso, aliás. Há muito mais gente como ele, sem emoções, movidos por uma lógica pura e abstracta - e possuem uma agenda própria e tenebrosa. Null-O teria decerto beneficiado de um pouco mais de desenvolvimento - a introdução de Lemuel é notável e algo creepy, mas a dada altura é difícil não sentir que, sendo o protagonista, pouco impacto acabou por ter na trama. Mas é no campo das ideias que o conto se eleva um pouco - a noção de que o conceito de "normal" é bastante relativo (para não dizer impreciso) e a exploração até às últimas consequências do que significa não sentir empatia tornam a leitura substancialmente mais estimulante. 

Beyond Lies the Wub pode hoje ser lido no primeiro dos cinco volumes de The Collected Short Stories of Philip K. Dick, editados pela Gollancz - que recebe justamente o título deste conto. The Father-Thing e Null-O estão compilados no terceiro volume da colecção, com o título The Father-Thing.

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