28 de março de 2014

The Fountains of Paradise: Entre a Terra e o Céu

Em 1980, Arthur C. Clarke repetiu o feito do seu romance de 1972, Rendezvous With Rama, ao vencer os prémios Hugo e Nébula na categoria de "Best Novel" com The Fountains of Paradise: um romance conceptual ancorado com firmeza no território da hard science fiction no qual explora a possibilidade de se construir um elevador orbital que, unindo um ponto do equador terrestre a uma estação espacial suspensa em órbita geoestacionária a 36 mil quilómetros de altitude, seja capaz de transportar da superfície do planeta até à órbita baixa passageiros e mercadorias, com apenas uma fracção da energia necessária para tal através de foguetões - uma tecnologia, de resto, notória tanto pela sua ineficiência como pela ausência de alternativas viáveis para sair da superfície terrestre. A proposta, em termos meramente científicos, não é de Clarke - de acordo com o próprio, a viabilidade de construção de um "funicular celestial" é proposta pela primeira vez em 1960 pelo engenheiro soviético Y. N. Artsutanov; Clarke, porém, toma esta possibilidade como ponto de partida e explica, com o rigor que lhe é conhecido, como poderia tal estrutura ser construída, e quão importante seria para a exploração do cosmos e para as relações comerciais de uma Humanidade dispersa por várias colónias no Sistema Solar. 

Em certa medida, The Fountains of Paradise é tanto a história deste projecto megalómano como do seu construtor, Vannevar Morgan,o mais conceituado engenheiro estrutural daquele Século XXII, e um homem que para todos os efeitos já terá assegurado a sua imortalidade através da construção da ponte que atravessa o Estreito de Gibraltar. Em contraponto às personagens que o rodeiam, menos desenvolvidas e colocadas de forma precisa, Morgan surge desenvolvido com alguma profundidade, com motivações reais e dotado de uma humanidade muito sui generis. Talvez não seja de todo descabido afirmar que há qualquer coisa de randiano em Morgan, estabelecendo um certo paralelismo entre o protagonista de The Fountains of Paradise e o de The Fountainhead no seu desejo de superação individual através de desafios puramente técnicos, ao arrepio das opiniões - e, com frequência, das acções - dos seus opositores. Mas Morgan é, acima de tudo, outra figura arquetípica: o engenheiro-tornado-herói de tanta ficção científica de outras décadas (dos anos 80 para cá tem caído em desuso), inabalável na sua convicção científica e desejoso de chegar mais longe - e de levar toda a Humanidade consigo nesse salto evolutivo. 

Mas The Fountains of Paradise é também mais do que Vannevar Morgan ou do que o elevador orbital: é ainda a história de um Sri Lanka alternativo, sempre designado por Taprobana, com a sua história e os seus mitos. É a história - o mito? - da ambição desmedida de um tirano de outros tempos, o rei Kalidasa, que construiu nas alturas de uma das mais altas montanhas da ilha um palácio com o qual pretendia alcançar os céus - e onde, num feito de engenharia notável, foram construídas pelos seus engenheiros as célebres Fontes do Paraíso. É precisamente neste ponto que The Fountains of Paradise se supera: na combinação, extraordinária pela sua harmonia, que tece entre o mito, o passado e o futuro. E fá-lo através da prosa sólida e a espaços poética de Clarke, sempre evocativa nas visões que conjura - da complexidade controlada das "Fontes do Paraíso" ao caos aparente das borboletas proféticas, da sombra da montanha projectada até ao horizonte numa hora muito específica da madrugada às fabulosas auroras boreais. A narrativa encontra-se estruturada em capítulos curtos mas intensos, como é típico na ficção de Clarke - o que dá à leitura um ritmo muito rápido. 

The Fountains of Paradise é considerado por muitos um dos melhores romances de Arthur C. Clarke, e é fácil perceber porquê: a forma como o arrojo conceptual da sua premissa científica surge harmoniosamente combinado com os mitos de Taprobana e o dia-a-dia daquela Humanidade futura é excepcional, e transmite aquele sense of wonder primordial do género, contagiante pela visão que evoca. A previsão de alguns aspectos tecnológicos que se tornaram realidade poucos anos após a sua publicação (os sistemas de informação ao estilo de news feeds são disso um exemplo) será talvez um bónus para os leitores contemporâneos, e um traço de actualidade num romance que, noutros aspectos, denuncia um pouco os seus mais de trinta anos de idade (a caracterização das personagens secundárias será talvez o exemplo mais flagrante - ainda que, como sempre acontece em Clarke, acabe por ser algo mitigado pela sua força conceptual). Mas mais do que isso, é um romance optimista e positivo sobre a superação humana, e a sua capacidade infinita para imaginar, para criar, para chegar mais longe através da sua racionalidade e do seu engenho. E, neste sentido, é um texto notável, e uma peça fundamental no legado que Arthur C. Clarke deixou à ficção científica. 

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