18 de fevereiro de 2014

Ghostbusters: The ghost of the eighties past

Será talvez difícil pensar numa década com uma produção tão frenética e tão diversificada de ficção científica cinematográfica como a de 80 - uma época invulgar e excessiva, marcada pelo seu arrojo visual, pelo humor tão próprio, pela sátira a roçar o politicamente incorrecto (quando não o abraçava de forma declarada), e pela forma como blockbusters estrondosos conviveram com clássicos discretos que se tornariam de culto e com produções bizarras mesmo para os padrões contemporâneos. Houve espaço para tudo - para o inevitável cyberpunk de Blade Runner e para o neo-noir onírico de Terry Gilliam em Brazil; para viagens no tempo cómicas como em Back to the Future e tensas como em Terminator; para aventuras espaciais mais ligeiras como em The Empire Strikes Back ou a chegar-se ao horror como em Aliens; para distopias pós-apocalípticas tão diversas como as de Mad Max 2 e Escape From New York; para filmes familiares como E.T. e para sátiras como Robocop; para o terror de The Thing e para a bizarria visual de Tron. E até para entradas na comédia mais pura, com o deadpan tão característico daqueles anos a mostrar-se no seu melhor em algumas películas. Nesta categoria, diria que Ghostbusters é o campeão incontestado: uma comédia tão bem realizada e escrita como difícil de enquadrar num género, se tal exercício for de facto necessário.

Para todos os efeitos, Ghostbusters é um híbrido curioso: num registo de sátira ligeira e bem misturada, combina o technobabble tão característico de alguma ficção científica com uma paródia sobrenatural que noutro filme estaria mais próxima de alguma fantasia. E fá-lo através de três personagens inesquecíveis: Peter Venkman (Bill Murray), Raymond "Ray" Stantz (Dan Aykroyd) e Egon Spengler (Harold Ramis), três cientistas cuja investigação - bem financiada por uma universidade pública - se centra em fenómenos paranormais. No caso de Stantz e Spengler, tal deve-se a genuína crença na explicação científica desses fenómenos (por mais crackpot que a coisa possa soar - e soa); para Venkman, mulherengo inveterado, a pesquisa serve-lhe apenas para uma vida confortável e para terreno fértil para as suas conquistas amorosas.


Retirada do contexto da sua época e adaptada hoje, a premissa de Ghostbusters seria provavelmente levada com menos ligeireza: após anos de investigações inconclusivas e muito pouco científicas - mesmo após o confronto com um fantasma real na Biblioteca de Nova Iorque -, a Universidade dá ordem de despejo aos três cientistas, obrigando-os a fazerem-se à vida. No caso em questão, decidem abrir actividade independente como "caçadores de fantasmas" - comercializando, bem ao espírito da época, os seus serviços de detecção, remoção e armazenamento "seguro" de todo o tipo de espectros e assombrações.


Sediando-se num antigo quartel de bombeiros e dispondo da icónica carrinha híbrida de ambulância Miller-Meteor com um Cadillac de 1959, os três "caçadores de fantasmas" contratam uma secretária e recepcionista, Janine (Annie Potts), e começam a publicitar na televisão os seus serviços. A sua primeira cliente será Dana Barrett (Sigourney Weaver), que ao chegar a casa se depara com um fenómeno estranhíssimo na sua cozinha - com ovos a quebrarem-se sozinhos e uma aparição milenar a surgir no interior do seu frigorífico. Venkman, pouco convencido no que a assombrações diz respeito mas atraído pela bela figura de Barrett, acede a investigar o caso.


Apesar de o caso de Dana Barrett se revelar (aparentemente) inconclusivo, cedo os "Caça-Fantasmas" se revelam num tremendo sucesso mediático - e este é mostrado, num detalhe magnífico, através da criação de "edições especiais" de várias publicações célebres como as revistas "Time", "Omni", "The Atlantic", e até uma referência radiofónica de Larry King. Como não podia deixar de ser, será o caso sem interesse ou solução aparentes que se revelará fulcral para o enredo, com os fenómenos em casa de Dana Barrett a evoluir para possessões demoníacas e para a evocação de criaturas demoníacas, a mando de uma divindade antiga...


O argumento é leve e feito a pensar nas peripécias e nas situações absurdas que o grupo - mais tarde aumentado com o recrutamento de Winston Zeddmore (Ernie Hudson) - irá enfrentar em pouco mais de hora e meia. Ao jargão blindado de Spengler junta-se o entusiasmo ingénuo e por vezes desmedido de Ray e a descrença seca, a roçar o cinismo, de Venkman; e Bill Murray interpreta o papel na perfeição, dando à sua personagem uma dimensão cómica exemplar em cada momento, com deixas de antologia tornadas ainda mais memoráveis pela secura com que as profere. Como esta, por exemplo:
Dr. Ray Stanz: Everything was fine with our system until the power grid was shut off by dickless here.
Walter Peck: They caused an explosion!

Mayor: Is this true?
Dr. Peter Venkman: Yes, it's true.
[pause]
Dr. Peter Venkman: This man has no dick.
Num filme moderno, esta seria decerto uma sequência a roçar o ordinário; em Ghostbusters, é uma gargalhada garantida, quer se esteja a ver o filme pela primeira ou pela décima vez. A ideia de que já não se fazem comédias como nos anos 80 não é apenas uma cedência à nostalgia.


Ao texto excepcional junta-se a banda sonora electrónica - como não podia deixar de ser - de Elmer Bernstein e a icónica música de abertura composta e interpretada por Ray Parker, Jr. - que se não for a mais célebre, será sem dúvida a mais orelhuda música de um filme de ficção científica. Os efeitos especiais, esses, são eighties destilados - coloridos, frenéticos, bem doseados com efeitos práticos e, aos olhos do espectador contemporâneo, tão irremediavelmente datados como irresistivelmente retro.


Ghostbusters é, para todos os efeitos, um filme que só podia ter sido feito nos anos 80 - pelo humor irreverente ao melhor jeito deadpan de Bill Murray, pela sátira ligeira a convenções recorrentes do género, pela música inesquecível, pela sua estética tão própria (os efeitos especiais são, como já se viu, eighties em estado puro) e sobretudo por aquele je ne sais quoi tão indescritível como irresistível que marca tantas e tantas obras deste período. Como comédia de ficção científica, eleva-se sem dúvida entre as melhores. Who ya gonna call? 8.0/10

Ghostbusters (1984)
Realizado por Ivan Reitman
Argumento de Dan Aykroyd e Harold Ramis
Com Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis, Sigourney Weaver, Ernie Hudson, Rick Moranis e Annie Potts
105 minutos

3 comentários:

Loot disse...

Who you gonna call?

Gosto tanto disto e o Bill Murray está realmente fora de série :D

João Campos disse...

Em comédia, o Bill Murray é um colosso. "Ghostbusters", "Groundhog Day"...

(e duvido que haja outro filme de ficção científica com uma música tão catchy como este)

Fyredrake disse...

Nostalgia pura dos filmes dos 80's. Cresci a vê-los. Gosto das referencias a Crowley e a Lovecraft e pergunto-me porque é que ainda ninguém fez adaptações das suas obras. Cabin in the Woods parece-me a melhor homenagem que vi até hoje do universo de Lovecraft.