17 de janeiro de 2014

The Thran: Antes de Magic

Há dias, falei aqui sobre o recente anúncio - entretanto confirmado pela própria Wizards of the Coast - sobre o projecto cinematográfico de uma franchise de filmes de Magic: the Gathering produzidos pela FOX. Nesse sentido - e apesar de ainda faltar decerto muito tempo até haver notícias mais concretas sobre a primeira longa-metragem, talvez valha a pena recordar algumas das histórias que ajudaram a cristalizar o universo - ou Multiverso - ficcional do jogo de cartas coleccionáveis criado por Richard Garfield em 1993. Há algum tempo, escrevi aqui sobre The Brothers' War, livro no qual Jeff Grubb explora a história original de uma das figuras fundamentais de um dos mais longos e mais bem construídos arcos narrativos deste universo: Urza. Mas há uma história antes da história; uma história que antecede a descoberta da magia e os dois irmãos artífices, que no vasto deserto Falaji procuravam artefactos de uma civilização tecnológica perdida cujo grau de sofisticação não fora alcançado desde o seu desaparecimento: os Thran. E é precisamente a história deste povo antigo, num estilo e numa estética com mais afinidades com o steampunk do que com a sword & sorcery ou a high fantasy, que J. Robert King explorou em The Thran.

Publicado originalmente em 1999 como prequela à trilogia de Invasion (Invasion, Planeshift e Apocalypse) que conclui o arco narrativo de Urza e da tripulação da nave 'Weatherlight', The Thran acabou por ser reeditado em 2009 numa edição omnibus que o junta ao supracitado The Brothers' War - o que, como já se viu, faz todo o sentido de um ponto de vista narrativo. Em larga medida, The Thran é a história da civilização mais avançada do mundo de Dominaria; mas, mais importante do que isso, é a história de Yawgmoth, o mais importante vilão destes universo ficcional, e do nascimento do mundo artificial de Phyrexia, paródia biomecânica da vida natural. 

Mas comecemos, como convém, pelo início. Em termos de estrutura narrativa, The Thran encontra-se dividido em quatro partes (a saber: "The City", "The Nation", "The World" e "The Multiverse"), e o primeiro capítulo de cada uma destas partes da história é um fragmento das últimas duas batalhas da guerra que opôs o Império Thran e os seus aliados ao exército biomecânico de Phyrexia - a Batalha de Megheddon Defile e a Batalha de Halcyon. E é justamente em Halcyon, principal cidade do Império Thran, que se passa boa parte da história. Com uma construção prodigiosa, a cidade de Halcyon é o resultado do intelecto do mais importante casal do império: o artifíce Glacian e a arquitecta Rebbec. Claro que, como qualquer paraíso que se preze, Halcyon também tem esqueletos nos seus armários - no caso, um vasto grupo de proscritos, conhecidos como "Intocáveis", que reside nas grutas sob a cidade e está impossibilitado de ascender. Um destes proscritos, Gix, consegue atacar Glacian e fere-o com gravidade com uma powerstone (uma jóia de energia que alimenta as máquinas). Com os médicos da cidade incapazes de tratar os ferimentos do artífice, Rebbec convence os governantes a revogarem o exílio de um cientista banido anos antes do Império pelos seus estudos eugénicos, considerados blasfémia: Yawgmoth.

Yawgmoth cedo descobre a causa da degeneração física de Glacian e dos "Intocáveis", e decide explorá-la para os seus próprios fins. A sua conquista de poder político é lenta mas determinada, assentando tanto no seu vasto conhecimento científico como no seu carisma natural e na sua capacidade de manipular quem o rodeia. Mas o seu verdadeiro golpe de sorte surge por acaso com o aparecimento de uma figura enigmática: Dyfed, uma mulher que afirma ser uma planeswalker - dito de outra forma, alguém capaz de viajar pelos vários mundos do Multiverso - e que se revelará instrumental não na criação mas no controlo do mundo artificial de Phyrexia e na sua ligação permanente a Dominaria através de um portal. Mas quando outros povos daquele mundo, aliados a algumas cidades-estado do Império, exigem a proscrição de Yawgmoth pelas atrocidades cometidas durante o seu primeiro exílio, o único caminho a seguir é o da guerra.

The Thran é uma daquelas prequelas cuja leitura se revela mais interessante após o conhecimento da história que se segue - descobrir as origens humanas de Yawgmoth, o vilão mais terrível do universo de Magic: the Gathering, e a história original do plano de Phyrexia com as suas nove esferas sobrepostas (inspirado na descrição do Inferno feita por Dante em A Divina Comédia) é sem dúvida um exercício fascinante após se conhecer a história de Urza e da guerra sem quartel que travou durante milénios contra o mal de Phyrexia. Dito isto, The Thran funciona bastante bem como livro individual: a sua estrutura narrativa é eficaz, as personagens estão em termos gerais bem construídas (sobretudo Rebbec e Yawgmoth) e a escrita de J. Robert King, não sendo prodigiosa, consegue imprimir à história o ritmo de que ela necessita tanto para explorar a sua vertente de intriga pessoal e política como para descrever as enormes batalhas que são travadas. Em termos globais, é um bom livro - fãs mais antigos do jogo vão certamente apreciar a descoberta das origens de algumas personagens, enquanto leitores menos familiarizados com este universo ficcional poderão apreciar a estética powerstone-punk e a intriga. Seria, sem qualquer dúvida, um bom ponto de partida para a franchise cinematográfica agora projectada. 

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