30 de dezembro de 2013

2013 em retrospectiva (5): O melhor da banda desenhada

Costuma-se dizer, e bem, que o cyberpunk enquanto subgénero da ficção científica emergiu nos anos 80 com a publicação de obras como o romance Neuromancer, de William Gibson (1984), e a antologia Mirrorshades, com edição de Bruce Sterling (1986). Mas só em 1989 o subgénero conheceria aquele que julgo ser a sua obra maior: Ghost in the Shell, a aclamadíssima graphic novel do japonês Shirow Masamune que levou mais além alguns dos temas tradicionais do cyberpunk enquanto virava a sua estética tão própria e todas as suas convenções do avesso. Com uma narrativa situada num futuro próximo (final da década de 20 do século XXI) no qual a Internet se tornou ubíqua e os aumentos cibernéticos para o corpo triviais, Ghost in the Shell acompanha a Secção 9 de Segurança Pública, uma força especial dedicada a combater ameaças de ciberterrorismo. Formada por Dasuke Aramaki e chefiada no terreno pela Major Motoko Kusanagi - que tem um corpo sintético completo, sendo em termos práticos uma cyborg -, a Secção 9 começa a investigar, entre outros casos, um cibercriminoso conhecido como "Puppeteer", ou "Puppet Master", responsável pelo ataque a humanos com ciber-cérebros. Mas o "Puppeteer" está longe de ser o que parece, e a investigação vai levar Motoko e a sua equipa a confrontar-se com algo a todos os níveis inesperado. Descartando a estética sombria de inspiração neo-noir e o ponto de vista marginal que fez escola no cyberpunk, Ghost in the Shell elevou o género com a sua perspectiva original, com a solidez da sua arte e com a profundidade a que levou temas como os aumentos cibernéticos e a Inteligência Artificial. 

Quando a DC Comics sugeriu a Neil Gaiman, à época um jovem autor britânico em ascensão, a desenvolver um comic mensal para a gigante norte-americana da banda desenhada no qual recuperasse uma personagem da casa já esquecida, dificilmente alguém poderia prever que The Sandman se tornaria numa das mais aclamadas e influentes obras da história da banda desenhada, com uma qualidade literária que muitos poucos títulos conseguiram alcançar. The Sandman é a história de Morpheus, Senhor dos Sonhos, aprisionado durante décadas num feitiço conjurado no início do século XX para capturar a Morte e tornar assim a Humanidade imortal. Preludes & Nocturnes é a graphic novel que reúne os oito primeiro fascículos desta série, com a captura de Morpheus, a sua terrível vingança e a odisseia para recuperar os seus três artefactos de poder - ao longo da qual se cruza com outras personagens da DC, como John Constantine, Martian Manhunter ou o Dr. Destiny, e viaja desde o seu próprio domínio até às profundezas do Inferno, onde o triunvirato composto por Lucifer, Belzebuub e Azazel governa os malditos. Com uma premissa notável e uma escrita muito acima da média do formato, Gaiman provou no início dos anos 90 - se tal ainda fosse necessário - quão literária pode a banda desenhada ser, e quão ambiciosas e sofisticadas podem ser as suas narrativas e personagens. 

The Walking Dead Volume 8: Made to Suffer, de Robert Kirkman
A série de zombies que Robert Kirkman começou a escrever para a Image Comics no já longínquo ano de 2013 tornou-se num dos grandes êxitos da banda desenhada contemporânea, contando já com mais de 120 fascículos compilados em 19 álbuns em formato trade paperback - e mais alguns previstos, não tendo ainda a série um fim à vista. The Walking Dead segue Rick Grimes, outrora polícia, e o seu filho Carl na sequência de um apocalipse zombie que terá aparentemente contaminado toda a gente e que faz os mortos se erguerem como mortos-vivos famintos carnívoros. Made to Suffer é o volume que compila os fascículos do 43 ao 48, e que encerra de forma brutal e violenta o arco narrativo que envolveu a prisão onde o grupo de Rick se refugiou e tentou refazer uma vida com um módico de normalidade, e a vila de Woodbury, liderada pelo cruel e sanguinário Governador. Made to Suffer marca um ponto de viragem importante na série - com a perda de muitas personagens relevantes, algumas de forma um tanto ou quanto inesperada mas quase todas de formas excepcionalmente bárbaras, o que resta do grupo de Rick vê-se obrigado a tentar encontrar um novo sítio que lhe dê um mínimo de segurança. 

As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy III: Requiem, de Filipe Melo
Com este terceiro volume, Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa encerram as aventuras do investigador do oculto que é também um lobisomem de meia idade, do jovem entregador de pizzas, do demónio de seis mil anos encerrado no corpo de uma miúda de seis e da gárgula decapitada. E encerram muito bem, com uma aventura mais pessoal e intimista, mas nem por isso menos divertida do que as anteriores, durante a qual Dog Mendonça se vê confrontado por um velho inimigo e a cidade de Lisboa se vê invadida por aranhas gigantes (motivo principal do booktrailer que se tornou viral e que suscitou polémica). Com um texto sempre sólido e repleto de referências pop, situações hilariantes e uma arte impressionante dos dois colegas argentinos do português Filipe Melo, As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy III: Requiem mostram na perfeição por que motivo esta trilogia de banda desenhada se tornou num fenómeno nacional e internacional, com a Dark Horse Comics a publicar as aventuras destas impagáveis personagens em terras norte-americanas. 

2 comentários:

Loot disse...

Feliz 2014 :D

Uma lista das melhores leituras de BD de 2013 seria mto complicado de fazer. Só começando a apontar o que li.

Agora do que foi editado, assim de repente acrescento o Desenhador defunto, o love hole, crónicas da arquitectura, Rugas, Ar puro e água fresca e o palmas para o esquilo.

Quanto a Sandman, a ver se pegas no 2º volume :)

Abraço

João Campos disse...

Ha! A ver se pego é no terceiro, que o segundo já marchou há uns meses (e é óptimo).

Abraço e bom ano :)