30 de outubro de 2013

The Walking Dead: Notas sobre o início da quarta temporada

Os três primeiros episódios da quarta temporada (como o tempo voa) de The Walking Dead parecem confirmar a suspeita que me acompanhou durante toda a terceira: a adaptação televisiva parece uma tentativa do próprio Robert Kirkman, autor da banda desenhada, de corrigir alguns aspectos do texto original e explorar algumas alternativas. O que, diga-se de passagem, nem sempre correu pelo melhor - a excelente e curta primeira temporada deu lugar a uma segunda temporada maior e que, ainda que não mereça a má crítica que recebeu, nem por isso deixou de estar muito longe do seu potencial. Mas foi na terceira temporada que os resultados desta (aparente) tentativa se revelaram desastrosos - após um arranque bastante promissor e a introdução de um vilão formidável (o Governador), a série afundou-se em episódios risíveis que tornaram personagens interessantes em disparates difíceis de acompanhar (veja-se os casos de Andrea e Michonne) e um vilão formidável numa caricatura, em reviravoltas inúteis que de pouco serviram (a ida de Tyreese para a prisão, e para Woodbury, e de volta para a prisão), e cenas memoráveis da banda desenhada (o assalto à prisão) num combate digno dos piores alunos da academia de Stormtroopers. 

É certo que se notam progressos neste regresso. O novo showrunner, Scott M. Gimple, já tinha dado excelentes indicações ao assinar o argumento do melhor episódio da temporada anterior (e um dos melhores de toda a série). Em Clear, o décimo-terceiro episódio da terceira temporada, The Walking Dead afastou-se dos disparates habituais para se dedicar a uma tarefa por vezes ingrata, quase sempre difícil, mas sempre fundamental: o desenvolvimento das personagens. No caso, de Rick, Carl e Michonne. Nestes três novos episódios podemos notar alguns dos melhores elementos de Clear: o ritmo mais lento, o diálogo mais curto, urgente e centrado no essencial, uma maior atenção ao detalhe - e até um maior cuidado com a banda sonora. A série tem conseguido desenvolver bem várias personagens em simultâneo, algo que raramente conseguira até aqui - vemos Daryl, Carol, Hershel, Glenn, Maggie e Carl a serem caracterizados de forma tão subtil como coerente, e vemos Rick e Michonne a ser resgatados dos péssimos guiões que tiveram na temporada anterior. E estas personagens têm, pasme-se, tomado atitudes lógicas - o sacrifício dos porcos, no segundo episódio, foi disso um claro exemplo. 


Em termos gerais, The Walking Dead deu uma volta de 180º após aquele terrível, terrível final de temporada - está mais apurada e mais interessante, e nem por isso teve de abdicar de alguns dos seus elementos mais característicos, como a zombie kill of the week. Infelizmente, também não abdicou de um dos seus problemas: a colagem a alguns momentos icónicos da banda desenhada, quando já se afastou por completo dessa fonte. Como se Kirkman, a mexer os cordelinhos na produção (diz-se ser bastante controlador no que diz respeito à sua propriedade intelectual), tivesse a explorar outra história no mesmo universo com aquelas personagens, e fosse incapaz de se distanciar de alguns dos melhores momentos que criou. Ou, vá lá, de indicar aos autores da série que o corta-e-cola nem sempre resulta. O terceiro episódio teve dois desses momentos (spoiler alert): a sessão de pancadaria entre Rick e Tyreese e o subsequente ferimento do primeiro (idem); e o mítico hammer-time de Tyreese perante uma horda de zombies. Ambos colados neste episódio não por qualquer aspecto lógico mas sim por serem cool na banda desenhada. Acabaram, porém, perdidos na transposição: a pancadaria parece inconsequente e o hammer-time desafia qualquer lógica que não inclua 1) super-poderes ou 2) intervenção divina (literal). Sim, na banda desenhada Tyreese fez algo do género - mas fê-lo num pavilhão fechado com um número de mortos-vivos que, ainda que grande, seria sempre limitado. Na série, fez a mesma manobra num descampado - contra um número idêntico de mortos-vivos à sua volta, e com uma horda de milhares a aproximar-se.

Não é de estranhar que uma série de zombies exija da parte do espectador uma maior suspensão da descrença do que outros temas da ficção científica; mas também aqui haverá limites.

The Walking Dead está no bom caminho; que não se duvide disso. Depois do estrago feito por duas temporadas medíocres com demasiados momentos risíveis (salvas apenas porque os production values da série são elevadíssimos, e porque algumas personagens, como Daryl, nunca permitiram que o barco afundasse por completo), estes três primeiros episódios são uma excelente indicação de que a produção terá aprendido com alguns erros cometidos. Resta, por fim, distanciar-se por completo da banda desenhada para contar a sua própria história* - a história do Rick, do Carl, da Michonne, da Maggie, do Glenn e do Tyreese da série, que são completamente diferentes das personagens criou nos seus comics originais. Ancorá-los a momentos forçados de uma outra história não trará qualquer resultado positivo - e poderá fazer desmoronar de vez um castelo de fundações problemáticas. 

* Foi o que a Telltale Games fez no videojogo The Walking Dead, com resultados soberbos - em termos narrativos, é infinitamente superior à série televisiva.

4 comentários:

Bráulio disse...

Tens melhor opinião da série que eu.

Noto diferenças claras, mas mesmo assim, a cada episódio que vejo chego ao fim a perguntar-me porque ainda a acompanho.

João Campos disse...

Tens bom remédio :)

Bráulio disse...

O problema é demasiado tempo livre. :P

João Campos disse...

Também sofro desse mal. Mas nem por isso me apanham a ver séries de que não gosto, lol.