11 de junho de 2013

Star Trek, ou to boldly go where many have gone before

O meu conhecimento do universo de Star Trek resume-se a muitos pormenores da frachise que passaram para a cultura popular e se tornaram universais – expressões como "Beam me up, Scotty", "Live long and prosper" (com a respectiva saudação), ou "to boldly go where no one has gone before". E personagens, claro – no comandante da segunda geração da Enterprise, Jean-Luc Picard (pelo inconfundível Patrick Stewart), imortalizou-se o meme do facepalm, e o da primeira, James T. Kirk (William Shatner), é inesquecível na dupla com o Spock de Leonard Nimoy. Mas, como disse, o meu conhecimento deste universo de ficção científica resume-se mais ou menos a isto. Nunca acompanhei alguma das várias séries televisivas da Enterprise ou algum dos vários spin-off que foram feitos, como nunca vi qualquer filme de Star Trek clássico – da primeira ou segunda geração. Dito de outra forma: não podia estar mais longe de ser um trekkie. O que explica o meu relativo desinteresse pelo regresso a este universo pela mão de J. J. Abrams em 2009 com o filme Star Trek. Mas o universo criado por Gene Roddenberry é incontornável na ficção científica televisiva e audiovisual – e por isso, por ocasião da estreia do segundo filme de J. J. Abrams, Star Trek Into Darkness, decidi finalmente dar uma oportunidade à franchise e começar por este recente regresso.


Star Trek abre com a nave USS Kelvin da Federação a investigar uma tempestade eléctrica no espaço – e a deparar-se com uma nave estranha, de proporções gigantescas e com um arsenal ímpar, que ataca de imediato. O Capitão Robay vai até à nave inimiga para negociar o cessar-fogo, deixando o jovem George Kirk (Chris Hemsworth) como capitão da Kelvin – que, perante o fracasso das negociações, se vê obrigado a evacuar a tripulação e a sacrificar-se para se assegurar de que os sobreviventes conseguem escapar. Entre a tripulação evacuada está a sua mulher, Winona (Jennifer Morrison), em trabalho de parto.


Isto não parece imbecil por acaso – constituindo, aliás, o primeiro e porventura o grande problema de Star Trek. Não há qualquer justificação plausível para uma nave de guerra da Starfleet ter na sua tripulação uma mulher grávida, na iminência de entrar em trabalho de parto. Talvez não fizesse parte da tripulação, e estivesse a ser transportada entre duas localizações; mas a ideia de uma nave daquelas, seja um vaso de guerra ou um veículo de exploração da galáxia, transportar a mulher grávida do primeiro oficial não deixa também de ser estranha. Talvez haja uma explicação lógica para o facto – mas a verdade é que tal explicação nunca foi oferecida, e toda a cena serve apenas como plot device para colocar o filho recém-nascido de George Kirk, James T. Kirk, como herói destinado a destruir os responsáveis pela morte do seu pai. Uma inverosimilhança demasiado grande que para um não-trekkie como eu conseguiu, logo nos primeiros minutos, destruir qualquer noção de suspensão da descrença.


Star Trek nunca recupera verdadeiramente desta primeira cena, o que é uma pena – apesar de oferecer uma grande dose de technobabble de coerência duvidosa, o filme apresenta um elenco interessante, excelentes efeitos especiais (apesar do abuso do lens flare que já se tornou em piada recorrente sempre que se fala de Abrams) e uma ideia curiosa, ainda que limitada, para ligar a nova série de filmes ao universo clássico de Gene Roddenberry (e as limitações vêm do tema das viagens no tempo, sempre problemático).


Chris Pine interpreta um jovem James Kirk plausível (ainda que um pouco banal), e Zachary Quinto mostra um jovem Spock muito interessante, sobretudo no encontro com a sua versão do futuro – e, convenientemente, de uma realidade alternativa. Há um momento interessante no filme em que o personagem de Leonard Nimoy – que sem dúvida empresta todo o seu carisma ao filme – alude a esta trope da ficção científica com algum humor, mas acaba por denunciar a fragilidade da premissa.


E é pena. O elenco secundário (Zoë Saldana, Karl Urban, Simon Pegg, John Cho e Anton Yelchin) dá vida à Enterprise e contribui para vários momentos de bom humor; e em termos gerais, Star Trek é um filme interessante, uma space opera com bons momentos de acção e uma ligação ao universo clássico que decerto terá feito as delícias de muitos trekkies. É uma pena que a inverosimilhança dos seus plot devices enfraqueça o que poderia ser um filme muito mais capaz de trazer as novas gerações para um universo clássico da ficção científica. 6.9/10

Star Trek (2009) 
Realizado por J. J. Abrams 
Argumento de Roberto Orci e Alex Kurtzman
Com Chris Pine, Zachary Quinto, Zoë Saldana, Karl Urban, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Leonard Nimoy e Eric Bana
127 minutos

2 comentários:

Nuno disse...

Boas.

É sempre interessante ouvir/ler opiniões, de não fãs da saga.

Para quem, como eu, é fã, é bom ver como esta história, de quase 50 anos, é vista por quem está de fora.

Gostaria apenas de esclarecer uma situação que, para quem não está familiarizado, tende sempre a assumir:
Starfleet não é uma organização militar, pelo que não possui vasos de guerra.

Usando as organizações atualmente existentes, é uma mistura de NASA/Interpol ao serviço das Nações Unidas (neste caso Federação).

Embora uma das funções de Starfleet seja a defesa da Federação, a sua missão primordial é de exploração.

Se um navio oceanográfico pode levar meses a explorar os mares deste planeta, a nível espacial é natural levar anos, pelo que seria virtualmente impossível não se desenvolver relações entre os elementos da tripulação (digo eu:)).

Cumprimentos,

Nuno

João Campos disse...

Obrigado, Nuno.

Um amigo esclareceu esse pormenor sobre a Starfleet não ser militar - a questão não é bem explicada no filme, o que pode induzir em erro quem não esteja familiarizado com o universo (como eu) e apenas veja ali tiroteio.

Mas relações entre membros da tripulação é uma coisa, e um parto é outra completamente diferente. No caso, em naves com warp drives e sistemas de teletransportação, não consigo perceber por que motivo não deram licença de maternidade à moça.

Cumprimentos