18 de junho de 2013

Galaxy Quest e a sátira ao fandom da ficção científica

As comunidades - o fandom, se os caros leitores preferirem um termo mais técnico - fazem parte daquilo que é a ficção científica desde os seus primórdios literários, quando grupos de fãs do género começaram a participar de forma activa em publicações amadoras e profissionais dedicadas a este tipo de ficção, a trocar correspondência, a combinar encontros que acabariam por se transformar em convenções. Originalmente, o fandom teria porventura um carácter sobretudo literário - a ficção escrita em vários formatos era afinal o meio dominante, das histórias publicadas em revistas mais ou menos pulp aos romances de vários autores que marcaram o género. Mas com o desenvolvimento do cinema e sobretudo da televisão, o fandom cresceu em nichos muito específicos, formado em redor de séries que se tornaram de culto. Star Trek será talvez o exemplo mais ilustrativo do fenómeno: da série clássica de Gene Roddenberry nos anos 60 às suas várias iterações televisivas, cinematográficas e mesmo literárias, o universo do Capitão Kirk, de Spock e da nave Enterprise conquistou fãs (trekkies) que acompanharam as aventuras dos seus heróis com devoção. Uma devoção parodiada com alguma frequência, diga-se de passagem, e nem sempre com o melhor dos gostos. Mas há excepções mais ou menos oficiais, e o filme Galaxy Quest terá sido sem dúvida uma delas. A paródia ao fenómeno de Star Trek é evidente desde os primeiros minutos do filme: numa convenção, os fãs ávidos assistem a um episódio da série de culto Galaxy Quest, há longos anos terminada, enquanto esperam com entusiasmo pelos actores que deram vida à tripulação da nave "NSEA Protector". À recepção calorosa seguir-se-á uma sessão de autógrafos. 


Nos bastidores, porém, o elenco está longe de partilhar o estado de espírito dos fãs - e apenas o egocêntrico Jason Nesmith (Tim Allen), que na série interpretava o Comandante Peter Quincy Taggart (protagonista), mantém o entusiasmo, alheio ao desprezo geral que os seus colegas nutrem pela série e pelo circuito de convenções em que se vêem obrigados a participar. Gwen DeMarco (Sigourney Weaver) queixa-se da insignificância do seu papel, relevante apenas pelos seus atributos femininos; Fred Kwan (Tony Schalhoub) parece indiferente a tudo; Tommy Webber (Daryl Mitchell), que quando participara na série era ainda uma criança, está furioso com os atrasos de Jason; e Alexander Dane (Alan Rickman), que interpretara o papel do cientista alienígena da nave, vive amargurado e nutre um ódio evidente por todo aquele meio. 


Aquela convenção, porém, está destinada a mudar a vida daqueles actores para sempre. Jason conhece um grupo que pessoas que toma por fãs a fazer cosplay e a comportar-se de maneira muito peculiar; aqueles fãs, porém, revelam-se alienígenas enviados à Terra para pedir ajuda ao intrépido Comandante Taggart, cujas aventuras acompanharam com dedicação e que tomam por verídicas (por ausência na sua cultura do conceito de "ficção", ou mesmo "mentira"). Jason e a sua tripulação de actores acabam assim aos comandos de uma nave espacial verdadeira, no meio de um conflito galáctico entre os Thermians e o malévolo Sarris (Robin Sachs)...


O elenco de luxo de Galaxy Quest dá vida e cor à sátira; e se em termos gerais os desempenhos de todos os actores são bastante acima da média, há um que se destaca com clareza: Alan Rickman. O seu Alexandre Dane é soberbo, exibindo na perfeição o desprezo que sente pela personagem e a frustração por já ter representado papéis importantes; Rickman rouba cada cena com a sua hilariante seriedade, pela aversão ao seu slogan (by Grobthar's hammer...) e pela irritação constante de ser sempre relegado para segundo plano. Só pelo seu desempenho Galaxy Quest merece ser visto.


Mas felizmente Galaxy Quest é mais do que o bom desempenho dos seus actores. Com um guião bem trabalhado e conhecedor da obra que está a satirizar, o filme é não só uma sátira inteligente como uma aventura prodigiosa, "à antiga", que proporciona gargalhadas constantes. O fenómeno de Star Trek é tão persistente na cultura popular que mesmo um espectador menos familiarizado conseguirá decerto identificar uma boa parte das suas tropes e especificidades, e as respectivas lampshades - do fandom na convenção, um público entusiasta, vestido como os seus heróis da série, imitando-lhe os maneirismos imortalizados no pequeno ecrã, ao elenco escolhido a dedo; do technobabble constante e pouco dado ao rigor científico à obsessão dos fãs para com os mais ínfimos detalhes; das más interpretações aos chavões e slogans sempre repetidos (by Grobthar's hammer...) - nem os redshirts escapam (com destaque para Sam Rockwell). Não admira que Galaxy Quest tenha sido tão acarinhado pelos actores e pelos fãs de Star Trek - longe de ridicularizar o fenómeno, o seu humor inteligente presta-lhe uma justa homenagem. 7.5/10

Galaxy Quest (1999)
Realizado por Dean Parisot
Argumento de David Howard e Robert Gordon
Com Tim Allen, Alan Rickman, Sigourney Weaver, Tony Shalhoub, Daryl Mitchell, Sam Rockwell, Enrico Colantoni, Robin Sachs e Missi Pyle
102 minutos

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