23 de abril de 2013

Oblivion: A premissa (e o argumento) de Terra devastada

Jack e Victoria mantém uma rotina simples. Acordam de manhã na sua casa sobre as nuvens. Ela dirige-se à sala de comunicações onde recebe instruções do Tet, a base de operações da Humanidade em órbita, e de onde comunica com o seu parceiro. Jack deixa a base na sua ágil bubbleship e parte para a superfície do planeta, procurando drones defensivos danificados. Estes drones guardam as enormes instalações que lenta mas inexoravelmente extraem os últimos recursos do planeta, antes de o que resta da civilização humana deixar definitivamente o seu planeta original e juntar-se àqueles que já vivem em Titã, uma das luas de Saturno. Na prática, Jack e Victoria são, em 2077, os dois últimos seres humanos vivos numa Terra devastada, cuja Lua foi destruída numa invasão alienígena violenta, apenas derrotada pelo recurso desesperado ao arsenal nuclear - e o preço a pagar pela vitória foi o planeta. Este é o ponto de partida de Oblivion, o mais recente projecto de ficção científica de Joseph Kosinski (Tron: Legacy), que começou por ser uma graphic novel com publicação prevista - e nunca materializada - há alguns anos pela Radical Publishing.

Tom Cruise e Andrea Riseborough dão vida a Jack e Victoria - ele, um técnico de manutenção de drones; ela, uma oficial de comunicações rigorosa, dedicada a cumprir as directivas da sua missão para a concluir com sucesso (o término está próximo) e deixar definitivamente o planeta para se juntar aos sobreviventes da Humanidade. A memória de ambos foi apagada cinco anos antes, como forma - drástica, mas infalível - de evitar que revelem informações em caso de captura. Pois o seu dia-a-dia não está isento de perigos: na superfície ainda restam bandos de Scavengers - o nome dado aos alienígenas invasores -, cuja presença é uma ameaça constante para Jack sempre que se aproxima do solo. Apesar da falta de memória, Jack é atormentado por sonhos recorrentes aos quais não consegue atribuir um significado - até ao dia em que faz uma descoberta surpreendente e uma estranha nave entra na atmosfera, despenhando-se pouco depois. Entre os destroços, Jack encontra uma cápsula de animação suspensa onde está Julia (Olga Kurylenko), uma misteriosa mulher cujo conhecimento se revela muito perigoso.


Para todos os efeitos, Oblivion apresenta uma premissa bastante promissora - mas é na sua execução que encontra algumas dificuldades, com alguns plot holes evidentes e explicações que exigem algum esforço adicional de suspensão da descrença. O que não deixa de ser uma pena, pois Kosinski recombinou de forma interessante vários elementos clássicos da ficção científica, que podem ser encontrados em muitos filmes e livros ao longo da rica história do género. Com estas tropes, o realizador desenvolveu um mistério assente num jogo de espelhos onde nada é aquilo que aparenta ser - um mecanismo frequente no género ainda antes de Philip K. Dick o ter elevado ao estatuto de arte. Aqui, esse mecanismo é utilizado por Kosinski para fazer progredir o enredo com um ritmo algo irregular e com alguns saltos de lógica, ainda que alguns twists estejam relativamente bem executados.


Uma das opções mais discutíveis será porventura a de começar o filme com uma narração de Jack em voz-off onde apresenta a premissa. Por mais belas que as imagens da Terra devastada sejam, este prólogo não passa de um gigantesco infodump que poderia ser distribuído, sem repetições desnecessárias, à medida que a narrativa progride. Ou deixado para Morgan Freeman, que faz qualquer infodump parecer espectacular (como aliás se verá, ainda que mesmo a personagem de Freeman opte, não sem ironia, pela prática de show, don't tell).


Devido ao carácter recorrente de várias tropes, e às evidentes influências cuja identificação se revela pouco complicada, muitas críticas apontam a Oblivion o seu carácter "derivativo" - um ponto de vista com alguma razão de ser, ainda que contenha também alguma injustiça. Kosinski não procurou esconder as suas influências e homenagens, e a recombinação de elementos que faz é interessante, ainda que por vezes excessiva e de lógica questionável. Os desempenhos de Cruise, Riseborough e Freeman (claro) ajudam; sem serem brilhantes, têm qualidade mais do que suficientemente para emprestar solidez ao enredo, e as suas acções e reacções são, regra geral, naturais.


Onde Oblivion brilha é na sua componente visual - e pode-se dizer com segurança que poucas vezes a Terra devastada foi recriada de forma tão bela. A fotografia de Oblivion é (mais) um prodígio do premiado Claudio Miranda (com quem Kosinksi já trabalhara em Tron: Legacy). No céu nocturno brilham ainda os destroços da Lua, formando um ténue anel de poeira em redor do planeta; na superfície, vários monimentos icónicos são mostrados em ruínas, engolidas por um planeta em convulsão, assimiladas por uma natureza errática. Em contraste, a torre onde Jack e Victoria habitam é um objecto de design impressionante, com as suas superfícies planas, claras, e esterilizadas. As interfaces não lembram as de Minority Report, mas sim uma evolução natural dos actuais equipamentos tácteis. A cereja no topo deste bolo é sem dúvida a bubbleship de Jack, com aparência de libélula branca sem asas, com dois propulsores direccionáveis.


É certo que Oblivion impressiona mais pela sua componente visual excepcional, sublinhada de forma discreta mas eficaz pela excelente banda sonora, do que pelo seu enredo desarticulado. A premissa, ainda que longe de ser um prodígio de originalidade, é interessante na sua essência e nas reviravoltas que a revelam; mas o seu desenvolvimento está longe de aproveitar todo o seu potencial. Nem por isso, porém, deixa Oblivion de ser um filme algo apelativo, merecedor de uma visita ao cinema; mas num ano repleto de estreias promissoras dificilmente se destacará entre a actual ficção científica cinematográfica. 6.8/10

Oblivion (2012)
Realizado por Joseph Kosinski
Argumento de Joseph Kosinski, Karl Gajdusek e Michael Arndt
Com Tom Cruise, Andrea Riseborough, Olga Kurylenko, Morgan Freeman, Nicolaj Coster-Waldau, Melissa Leo e Zoe Bell
126 minutos

4 comentários:

Anónimo disse...

Plenamente de acordo. O filme é visualmente um primor (o anel de poeiras está em torno da Lua, o que é aliás um dos plot holes...), presta várias homenagens ao 2001, o que fica sempre bem... mas o argumento tem mais buracos que a biblioteca de NY...

João Campos disse...

O anel de poeiras não está em torno da Lua, mas da Terra. Se isso seria possível caso a Lua fosse destruída? Não sei - precisamos de um cientista para confirmar.

Anónimo disse...

Ora essa, é só ver a primeira imagem apresentada no post. Destroços e anel junto à Lua. Difícil de engolir. Mas enfim, é apenas um detalhe.

João Campos disse...

Da mesma imagem, fico com a sensação que os destroços estão numa posição e a poeira espalhada pela órbita da Lua.