19 de abril de 2013

A ficção curta de Philip K. Dick (2): The Variable Man, Paycheck, The Adjustment Team

The Variable Man: Corria o ano de 1953 quando Philip K. Dick publicou a novela The Variable Man na revista britânica "Space Science Fiction", onde conseguiu fazer algo extraordinário: combinar numa história interessante e ritmada dois temas tão distintos como as viagens no tempo e a space opera, com um toque de distopia característica do período da Guerra Fria. Com a Humanidade limitada aos nove planetas do Sistema Solar pelo vasto e decadente império alienígena de Proxima Centauri, as melhores mentes da Terra tentam encontrar novas armas ou estratégias que lhes permitam dar a volta às probabilidades, rigorosamente produzidas por computadores e monitorizadas pelo Governo. Mas as vastas redes de espionagem de ambas as facções cedo neutralizam quaisquer vantagens tácticas ou tecnológicas - até ao dia em que o Dr. Peter Sherikov, um brilhante cientista polaco e um acérrimo individualista numa sociedade cada vez mais colectivizada, descobre o potencial bélico de uma tecnologia experimental abandonada. As probabilidades caem enfim para o lado da Terra, mas quando tudo parece preparado para começar a guerra, surge uma variável - um homem variável - capaz de tornar quaisquer probabilidades irrelevantes. Ainda que um ponto muito concreto da premissa possa exigir alguma suspensão da descrença adicional, e que vários dos conceitos estejam datados (o que não se estranha numa história com 60 anos), o ritmo narrativo elevado, o antagonismo entre Sherikov e Reinhart, o intrigante Cole e todo o mundo que Philip K. Dick descreve como suspenso na estatística dão a The Variable Man uma maior densidade. E algumas das ideias que contém perduram, e talvez sejam mais actuais hoje do que nos anos 50.

Paycheck: O segundo pensamento que me ocorreu quando li o conto Paycheck, de Philip K. Dick, foi: "como foi possível terem feito um mau filme com base numa premissa tão boa?" (a avaliação não é minha; há uma curiosa unanimidade entre público e crítica neste caso). O primeiro pensamento, claro, foi que Paycheck é um conto formidável, uma narrativa vertiginosa assente numa excelente premissa. Escrito em 1952 e publicado originalmente em 1953 na revista "Imagination", Paycheck conta a história de Jennings, um homem com um talento singular em electrónica que fez um contrato de dois anos com a enigmática "Rethrick Construction", durante os quais trabalhará num projecto secreto - tão secreto que, findo o contrato, todas as suas memórias daqueles dois anos de vida serão para sempre apagadas. Jennings aceita, em troca de um pagamento milionário - mas quando o vai receber, depara-se com uma alteração contratual, assinada pelo próprio, trocando uma pequena fortuna por sete objectos sem valor aparente. Mas nesses objectos está a chave para o que fez durante os dois anos anteriores -e para uma recompensa muito maior. A premissa é interessante, mantendo sempre um enigma por solucionar à medida que Jennings descobre para que serve cada objecto (e à medida que Dick desarma o leitor com os seus típicos twists, que mesmo previsíveis são bons), e o ritmo muito rápido empresta força à acção e dá a toda a história um contorno quase cinematográfico. 

The Adjustment Team: Este conto, publicado em 1954 na revista "Orbit Science Fiction", faz parte da obra de Philip K. Dick já adaptada para o cinema (no filme The Adjustment Bureau, de 2011, realizado por George Nolfi), mas os seus motivos e as imagens que recria parecem ecoar em muita ficção científica posterior. Mais do que isso, é um conto no qual Philip K Dick começa a explorar alguns temas que se tornariam recorrentes na sua obra, questionando o livre arbítrio, o que é humano e o que é real, e o carácter real da realidade como a conhecemos. Ed Fletcher tem uma vida normal até ao dia em que uma falha numa misteriosa burocracia o faz chegar ao trabalho no único dia em que, sem que o soubesse, tal não poderia acontecer. E perante a realidade como ela é - ou será que é? -, a reacção de Fletcher é imprevisível. A premissa intrigante é sustentada por uma descrição irreal fascinante e por uma narrativa ritmada, com um final excepcional. 

Sem comentários: