29 de março de 2013

The Songs of Distant Earth: Do fim do mundo ao mundo novo

Em 1960, cientistas na Terra descobriram que as emissões de neutrinos pelo Sol estavam muito abaixo dos níveis esperados. Após mais algumas décadas de pesquisa, chegaram à conclusão de o problema não residia nos enquadramentos teóricos ou nos equipamentos de medição, mas sim na própria estrela - que, de acordo com as estimativas mais rigorosas, iria transformar-se numa supernova para lá do ano 3000, dando à Humanidade pelo menos um milénio para abandonar o planeta e colonizar outros locais do Universo. Os avanços tecnológicos neste sentido não permitiram, durante vários séculos, que a Humanidade enviasse para as estrelas mais do que cápsulas de colonização com embriões e robots que deles cuidassem para vários planetas possivelmente habitáveis entre os detectados. Mas já no último século antes de o Sol se expandir, tornou-se possível desenvolver motores quânticos que permitiram por fim construir naves  capazes de transportar seres humanos vivos - e começou o derradeiro - desesperado - esforço de evacuar do planeta o máximo de pessoas possíveis e as transportar em animação suspensa para um planeta possivelmente habitável.

Esta é a premissa a partir da qual Arthur C. Clarke desenvolveu The Songs of Distant Earth, obra de 1986 que o autor desenvolveu a partir de um conto com o mesmo título vários anos antes. E este desenvolvimento não surgiu por acaso, mas um pouco em jeito de "resposta" à ficção científica da época, sobretudo televisiva e cinematográfica, que considerava mais fantasia do que ficção científica. Pretendendo regressar à hard science fiction e criar uma história cientificamente verosímil a distâncias mais vastas, concebeu a nave "Magellan", uma das últimas a deixar a Terra em busca de um novo planeta, identificado como "Sagan II", antes de o Sol a obliterar. Com milhares de seres humanos em animação suspensa a bordo, a nave tem uma paragem programada: Thalassa, um planeta cuja superfície está coberta por um vasto oceano à excepção de um arquipélago. O objectivo principal da paragem é reconstruir o tremendo escudo de gelo que protege a "Magellan", mas o planeta tem também um enigma por solucionar: Muitos séculos antes, Thalassa foi um dos muitos planetas para onde foram enviadas cápsulas de colonização - e um dos poucos nos quais os esforços foram bem sucedidos, e uma colónia humana nasceu. O contacto entre Thalassa e a Terra foi mantido durante algum tempo, até que parou; e desde então não se soube o que aconteceu àquela civilização nascente. Isto, claro, até ao momento em que a "Magellan" chega à órbita daquele planeta...

Clarke desenvolve com mestria uma história fascinante sobre o choque do encontro entre a tripulação da "Magellan", os últimos sobreviventes da Terra, com uma civilização isolada que se fixou e cresceu num mundo idílico e que nunca conheceu verdadeiros desafios - e que por isso não tem verdadeiras ambições. Para os viajantes, aquele é um mundo simultaneamente estranho e familiar, e muita coisa muda para todos os envolvidos durante os dois anos necessários para a reconstrução do escudo de gelo. O enredo assenta numa mão-cheia de personagens principais e secundárias, e nas interacções estabelecidas entre os elementos da tripulação, entre os nativos, e entre ambos os grupos. A narrativa flui ao ritmo habitual das histórias de Clarke - rápida, intensa e enquadrada por muita informação científica dispersa de forma a dar densidade e verosimilhança à premissa e ao universo criado, mas sem se tornar excessiva ou maçadora (a crónica dos Lords of the Last Days é fascinante). Com um punhado de ideias tão interessantes como sólidas e alguns enredos secundários promissores, The Songs of Distant Earth é mais um excelente livro do "mestre" Arthur C. Clarke (que, ao que consta, considerava-o o seu preferido) - e apesar de hoje se saber que a questão dos neutrinos não irá originar uma supernova por estes lados daqui a pouco mais de um milénio, continua a ser uma excelente leitura de hard science fiction

3 comentários:

Artur Coelho disse...

que grande livro este. pura fé utópica na ciência e intelecto como forma de transcender as armadilhas que se atravessam no caminho da humanidade, que é das coisas que mais gosto em clarke. e boa escolha de capa, é a da minha edição :)

Anónimo disse...

Como complemento da leitura sugiro o álbum homónimo de Mike Oldfield datado de 1994.

João Campos disse...

Artur, também gostei muito deste livro. E também tenho esta bela edição paperback.

Thanatos, obrigado pela sugestão. Já tinha lido algo a propósito do álbum, mas ainda não calhou ouvir. Vou ver se o encontro.