25 de março de 2013

Mass Effect 3, um ano depois (1)

É possível que este texto venha já um tanto ou quanto "fora de tempo". Afinal, Mass Effect 3, foi lançado já há um ano, suscitando quase de imediato uma vasta e ácida polémica cujas ondas de choque se fizeram sentir em quase todos os cantos da indústria dos videojogos - da questão artística ao jornalismo especializado (e neste ponto o debate foi especialmente relevante). Aliás, já escrevi sobre o tema antes, e deixei aqui a minha opinião sobre o final do jogo logo após o ter concluído (uma opinião que, em termos gerais, mantenho, mesmo após o Extended Cut). Ao longo do último ano, porém, a polémica foi-se reacendendo à medida que a Bioware e a Electronic Arts disponibilizaram novos conteúdos (DLC pagos) para o jogo, e, claro, à medida a que o impacto da polémica se tornou palpável no seio da própria Bioware, com os seus fundadores a deixarem a empresa (e a indústria). O último destes conteúdos, o DLC Citadel, foi lançado há dias; e a própria Bioware aproveitou a sua participação da PAX East para voltar a falar do tema (e sabe-se que a série vai continuar, ainda que não se saiba bem em que moldes).

Talvez o tema, afinal, não esteja tão "fora de tempo" quanto isso - pelo menos, é o que este artigo do André me indica. Ao contrário do que a polémica do final de Mass Effect 3 possa ter dado a entender, os problemas do jogo não se resumem aos 25 minutos finais - eles começam logo nos primeiros minutos, e estendem-se ao longo de todo o jogo. Ao longo da parede de texto que se segue, irei abordar alguns dos mais pertinentes - amanhã dedicar-me-ei, uma vez mais, aos problemas subjacentes ao final em si e ao (possível) futuro da série. Antes de prosseguir, o clássico aviso de Spoilers. E, claro, de texto (muito) longo.

1. Mass Effect: O declínio
Antes de começar a falar dos problemas de Mass Effect 3 talvez valha a pena relembrar algo óbvio, em jeito de ponto prévio: a rota descendente da série não começou com este terceiro e último capítulo, mas no segundo. Em Mass Effect 2 já era visível uma maior orientação do título para acção, em detrimento dos seus elementos mais tradicionais de RPG, e uma abordagem mais directa à própria narrativa. Isto não se tornou num problema demasiado grave porque, para todos os efeitos, a Bioware fez de Mass Effect 2 um jogo notável, com um elenco de personagens bastante sólido e variado e uma etapa final - a célebre "missão suicida" - em que todas as escolhas que tomámos ao longo do jogo têm consequências. Isto deu ao segundo título uma maior densidade, permitindo explorar as histórias pessoais das várias personagens durante o desenrolar da narrativa principal; para além disso, vários elementos do jogo original foram melhorados, o que em parte acabaria por compensar a perda de outros. 

2. Arrival, From Ashes e os problemas dos DLC
Quando comecei a jogar Mass Effect 3, ainda não tinha adquirido os DLC de Mass Effect 2 (acabei por fazê-lo mais tarde, por achar que o segundo jogo, que comprei em saldo, tinha qualidade mais do que suficiente para me fazer investir nestes conteúdos adicionais, ainda que a prática dos DLC me desagrade). O que me suscitou logo nos primeiros minutos muita confusão: por que motivo está Shepard na Terra, fora da Normandy, pelos vistos a "cumprir pena"? A resposta foi dada em Arrival, um DLC de Mass Effect 2 (que, já agora, também explica por que motivo a destruição de um "mass relay" arrasaria o sistema solar em que se encontrasse). Para todos os efeitos, estabelecer o ponto de partida narrativo do terceiro jogo em acontecimentos adicionais do segundo é um disparate - nem todos os jogadores podem ter tido acesso a tais conteúdos. Seria estranho se o terceiro livro ou filme de uma trilogia começasse a partir de um conto ou de uma mini-série que os leitores ou espectadores pudessem não ter visto - tal como é estranho ver isto acontecer num videojogo. 

Mas o problema dos DLC em Mass Effect 3 não se resume à questão de Arrival; ela vai bem mais longe com  From Ashes, o DLC pago disponibilizado no dia de lançamento do terceiro jogo (ou incluído na Edição de Coleccionador). E a verdade é que, não fosse a polémica dos finais, a fúria dos fãs teria sido toda direccionada para From Ashes, exemplo perfeito das piores práticas que a indústria dos videojogos tem vindo a adoptar ao longo dos últimos anos. Este DLC não consistiu em itens cosméticos, mas introduziu uma personagem nova: Javik, o último Prothean vivo. Quem jogou sabe o que isto significa: os Protheans, raça dominante na galáxia no ciclo anterior, foram extintos pelos Reapers; encontrar um último membro daquela civilização tão antiga - e tão importante no contexto do jogo; recordemos o interesse de Liara no primeiro título - não pode, em momento algum, ser considerado lateral na narrativa (como Kasumi ou Zaeed eram no segundo jogo). Colocar uma personagem tão relevante como DLC pago disponibilizado no dia de lançamento de um jogo cujo preço-base era 60 euros é, no mínimo, bizarro; na prática, é um cash-grab indesculpável.

3. Personagens: Os bons, os maus e os clichés
Em Mass Effect, a equipa de Shepard era composta por seis personagens; Mass Effect 2 elevou esse número para dez (12 se o jogador adquirir os DLC de Kasumi e Zaeed); e Mass Effect 3 tornou a reduzir esse número, fazendo regressar de jogos anteriores Tali, Garrus, Liara e Ashley ou Kaidan, dando um corpo andróide a EDI, a inteligência artificial da Normandy, e introduzindo James Vega e, se o jogador tiver adquirido a Edição de Coleccionador ou o DLC From Ashes, Javik. E se Javik é uma excelente personagem e EDI está razoável, já James Vega é péssimo - o estereótipo perfeito do "Space Marine", estouvado e com um passado militar problemático, porventura mais à vontade no filme Starship Troopers (ou mesmo em Starcraft) do que no interior da Normandy. Enquanto personagens humanas, qualquer uma das já introduzidas na série (Ashley, Kaidan, Jacob, Miranda, Jack) seria mais densa, mais interessante e mais relevante, mesmo que em cada uma delas fosse possível encontrar um ou outro cliché. Vega, pelo contrário, não tem qualquer densidade ou ponto de interesse, e todo ele é composto por esteróides e clichés demasiado usados. Que tenha ocupado o lugar de Wrex ou Grunt é algo para todos os efeitos incompreensível, por mais backstory que lhe dêem (o filme Paragon Lost, que, ao que parece, também não é grande coisa). 

Mas os vilões não se ficam a rir no capítulo das personagens e dos clichés, e aqui importa falar de Kai Leng, a cheeseball asiática com pernas artificiais. Supostamente, Leng é um assassino a soldo do Illusive Man; na prática, é um super-ninja-assassino (ao qual não falta a espada!) cujo passado se cruzou com o de Anderson. - e que, como não poderia deixar de ser, é "um homem perigosíssimo". Note-se que é possível fazer um assassino interessante: veja-se Thane. Mas interessante é tudo o que Leng não é, resumindo-se a um cliché andante que decerto daria um bom parceiro de bisca lambida para Vega. 

4. Personagens secundarias, missões laterais, escolhas passadas, Crucible: Uma checklist gigante
Fora das personagens jogáveis, todas as personagens jogáveis dos títulos anteriores (ainda vivas, claro) regressam a dada altura, e alinham com Shepard em missões de dimensão variável. Se é nestas missões que se encontram alguns dos melhores momentos do jogo (os capítulos de Tuchanka e de Rannoch), a verdade é que a sua maioria são curtas e um tanto ou quanto inconsequentes - como se a Bioware as tivesse introduzido com base numa checklist. Pior: não têm um impacto determinante no final (mas logo lá iremos).

Este princípio da checklist é aplicado às missões laterais - e se a mecânica de quests nunca foi o forte da série, neste terceiro capítulo roçou o absurdo, com Shepard a adquirir missões secundárias (e recursos secundários, mas relevantes para os "War Assets") com base em conversas que ouve na Citadel, e personagens que encontra quase por acaso. Um sistema no mínimo invulgar, na prática caótico, e cujo único aspecto positivo foi ter gerado paródias divertidíssimas em alguns webcomics (ver aqui).

Todo este sistema de quests assenta numa estrutura narrativa linear, sem margem para grande abertura ou para escolhas verdadeiramente decisivas. Para trás fica a vasta exploração galáctica (que, concedo, pudesse destoar da urgência deste terceiro jogo), as missões secundárias variadas em planetas remotos - o plot device do "Crucible", na prática uma gigantesca (e, como veremos, irrelevante) Chekov's Gun, assim o determina. A principal consequência disso é tornar Mass Effect 3 num jogo menos interactivo e mais pré-determinado e linear - ao ponto de anular de forma duvidosa algumas escolhas passadas (a decisão entre Anderson e Udina e a decisão relacionada com a rainha Rachni). Aqui, a diferença para com os anteriores títulos não podia ser mais decisiva.

Todos estes problemas, note-se, antecedem a grande polémica do final, e de alguma forma foram por ela ofuscados. Amanhã, darei a este texto uma conclusão reflectido sobre o que foi o final de Mass Effect, e o que poderia ter sido. 

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