25 de fevereiro de 2013

O cinema (fantástico) em loop

No rescaldo dos Óscares, este artigo de Gary Dalkin no blogue da Amazing Stories sobre o estado da indústria cinematográfica parece-me mais actual e pertinente do que nunca: Cloud Atlas Shrugged - or let the Skyfall. Fala sobre o tempo - perdido, aparentemente - em que os filmes eram grandes produções individuais, feitos com risco e brio, com o propósito de encantar as audiências, que os encaravam como um autêntico espectáculo. Todo o artigo é digno de leitura cuidada, mas destaco uma ideia que me parece fundamental: 

Great cinema don't need sequels.

O que é bem verdade - os grandes filmes, de facto, não precisam de sequelas. Como os grandes livros não precisam. Isto, note-se, não significa que não se possam fazer boas séries literárias ou cinematográficas: veja-se The Lord of the Rings (em livro e filme), EarthseaHis Dark Materials ou Foundation. Philip K. Dick, porém, nunca escreveu uma série - e é um dos melhores autores que o género já conheceu (para dar apenas o exemplo mais evidente). Isto não significa que não tenha havido bons filmes de género em franchises: The Hobbit: An Unexpected Journey foi um bom primeiro capítulo (ainda que pouco inspirado) de uma nova trilogia, The Avengers foi um dos filmes mais divertidos do ano, e mesmo a câmara sísmica de The Hunger Games não estragou demasiado um filme interessante q.b.. Mas, como bem relembra Dalkin, 2012 foi também o ano em que Ridley Scott decidiu regressar ao universo de Alien para o abastardar ainda mais com Prometheus - e promete repetir a graça com a sequela a Blade Runner. Algo que é mais grave ainda quando detém os direitos de adaptação de um dos melhores livros de ficção científica militar jamais escritos: The Forever War, de Joe Haldeman. 2012 foi também o ano em que The Dark Knight Rises voltou a afundar Batman para os níveis próximos dos de Batman Forever, mas com a agravante de se levar demasiado a sério. 

Isto, como relembra o autor, não seria grave se a indústria não estivesse tão dependente das franchises que se tornou avessa ao risco. Uma vez mais, ano foi paradigmático: as duas grandes produções de cinema fantástico (Cloud Atlas e Looper) foram independentes - e ignoradas em quase tudo o que foi prémio. O resto? Franchises, aquelas que já referi acima. Dalkin fala de Cloud Atlas (que, como o caro leitor saberá se acompanha o blogue, foi o meu filme preferido em 2012), um filme a todos os níveis notável: no argumento, nos desempenhos, na caracterização, na interligação entre cada uma das excelentes histórias que compõem a narrativa. Conseguir financiamento para o filme, porém, foi um desafio - e os resultados de bilheteira foram uma desilusão para um filme tão ambicioso e arrojado. É certo que continuam a ser feitos excelentes filmes de ficção científica, mas são quase sempre produções independentes, com orçamentos muito limitados e poucos recursos. 

Gostaria de pensar que não será necessário seguir o conselho do autor e deixar de acompanhar franchises no cinema. Que, mais cedo ou mais tarde, os estúdios voltarão a arriscar e voltaremos a ter grandes filmes de género - sejam conceitos originais ou adaptações de algumas obras literárias notáveis (Rendezvous With Rama e Ubik continuam em development hell?). Que, mais dia menos dia, a ficção científica voltará a ter um filme com a ambição, a qualidade e o impacto de um Blade Runner ou The Matrix. Contudo, ao olhar para o que foram os últimos anos - e, sobretudo, ao olhar para o que será este ano em termos de estreias -, é difícil manter as expectativas minimamente elevadas.


2 comentários:

Anónimo disse...

Isso do Dick nunca ter escrito uma série não é bem assim. Logo de partida temos a trilogia VALIS e se quisermos ser pedantes uma boa parte da sua produção pós-exegese baseia-se na mesma ideia.

João Campos disse...

Talvez, mas não seria tão irredutível nesse ponto. Há a ideia da trilogia "Valis", mas tanto quanto sei (ainda não o li) os dois volumes que foram escritos não formam um corpo literário coeso e sequencial como, por exemplo, os três volumes das trilogias "Foundation" ou "His Dark Materials".

De resto, um universo temático pode ser considerado uma série, sim, mas não no mesmo sentido das referidas. O "Ekumen" na Ursula K. Le Guin é disso um excelente exemplo (e, pessoalmente, é o meu formato preferido de série literária).