5 de fevereiro de 2013

Blade, ou as singularidades do vampiro diurno

Podemos hoje achar, e não sem justificação, que o vampiro está muito desgastado enquanto criatura sobrenatural e motivo central para a construção de uma narrativa (literária, cinematográfica ou outra). Mas apesar de esse desgaste se ter acentuado (ou precipitado) nos últimos anos, as suas raízes são mais antigas. Pensemos no cinema: os anos 90 começaram com o sólido Bram Stoker's Dracula, de Francis Ford Coppola (1992), que abordou o livro clássico de forma mais ou menos livre e com um elenco de luxo; dois anos mais tarde, Neil Jordan adaptou para o cinema Interview With the Vampire, o popular livro de Anne Rice; 1996 foi o ano de estreia de From Dusk Till Dawn, de Robert Rodriguez; em 1998, dose dupla: o mestre John Carpenter mostrou Vampires, e Stephen Norrington adaptou Blade, personagem da Marvel, para o grande ecrã. E entre 2003 e 2004 o género conheceu o mediano Underworld e o sofrível e vagamente steampunkish Van Helsing. Esta breve lista, note-se, está longe de ser exaustiva, mas inclui alguns exemplos bastante conhecidos. E se é certo que nenhum dos filmes mencionados se aproxima sequer do formidável Let the Right One In, de 2008, nem por isso deixa de haver na lista alguns filmes muito interessantes - com ou sem desgaste. A seu tempo, falarei aqui de vários destes filmes; hoje, dedicarei o espaço a Blade.

A história de Blade é simples e muito directa, como convém a um filme de acção: o protagonista, Blade (Wesley Snipes naquele que terá porventura sido o seu mais icónico papel), é um vampiro muito invulgar: transformado ainda no útero, Blade possui a força e o apetite dos vampiros, mas envelhece como os humanos e, como os humanos, pode andar livremente ao Sol sem ser destruído. É habitualmente designado por Daywalker, e, em parceria com Whistler (Kris Kristofferson), dedica-se a eliminar os vampiros que vivem infiltrados entre os humanos e influenciam as sociedades ao sabor das suas conveniências, sem no entanto se revelarem abertamente. Mas Deacon Frost (Stephen Dorff) tem outros planos, e decide estudar uma profecia muito antiga para alcançar um poder ilimitado - e cabe a Blade pará-lo como puder. O que, entenda-se, é um excelente pretexto para muitos tiros, muitas explosões e várias sequências de acção bem doseadas de adrenalina.

O que se revela interessante em Blade é a forma como, sem em momento algum pretender ser algo mais do que aquilo que é - um filme de acção -, consegue introduzir algumas novidades e evitar alguns clichés num tema que, como vimos, era tudo menos novo. O protagonista distingue-se desde logo por ser um vampiro do lado dos "bons" (se vermos os filmes da época, esse posicionamento não era comum); mas mais do que a orientação moral de Blade, o que o distingue é a sua excepcionalidade de daywalker  - uma fuga à norma na trope dos vampiros que consegue ser muito bem fundamentada no contexto da própria convenção. E se o filme cai nos clichés do género em muitos momentos, noutros consegue evitá-los com distinção. O exemplo mais interessante será o da tentativa de Karen (N'Bushe Wright) de encontrar uma cura para o vampirismo - a sua breve pesquisa não lhe permite fazê-lo em tão pouco tempo, mas produz um resultado acidental: um composto que pode servir como arma. 

No resto, Blade é um filme que a todos os níveis é filho do seu tempo - aquele período entre The Crow e The Matrix no qual o cabedal preto parecia ser imagem de marca de qualquer filme de acção que se prezasse. E deixou legado: basta pensarmos em Underworld. Com um enredo firmemente ancorado ao sobrenatural e à "mitologia" dos vampiros, Blade - baseado num comic da Marvel - afastou-se do tom gótico que marcou tantos filmes do género para se centrar na acção em estado mais puro, território que explora com competência. Os efeitos especiais são uma das fraquezas do filme, é certo - mesmo para 1998 são demasiado fracos. As sequências de acção, porém, compensam essa debilidade, estando bem enquadradas dentro de uma narrativa ritmada que não se esquece das suas personagens. E mesmo que Blade não seja um portento dramático, em momento algum deixa de ser um tipo muito cool. O que, para o filme em questão, é mais do que suficiente. 07/10

Blade (1998)
Realizado por Stephen Norrington
Com Wesley Snipes, Stephen Dorff, Kris Kristofferson e N'Bushe Wright
120 minutos

7 comentários:

Loot disse...

Também gostei mto do Let the Right one in, mas o Dracula do Coppola e o entrevista do Jordan, são dos meus favoritos do género, jamais diria que não se aproximam do outro :P

O Blade é tudo que dizes, um divertido filme de acção, uma personagem que vem trazer alguma novidade ao panorama do vampirismo.

ATP disse...

Acreditas que ainda não vi o fim deste filme? Na primeira vez faltou a luz em casa e depois nem me lembro.
Mas no geral, gosto imenso do filme, mas não sei se o resto da saga acompanhou a qualidade.

João Campos disse...

Loot,

eu gosto do "Dracula" do Coppola - como não gostar, quando tem o Anthony Hopkins como Van Helsing e o Gary Oldman como Drácula? Mas acho que teria gostado muito mais se não tivesse lido o livro antes. A mudança muito radical na personagem de Mina Harker até pode fazer mais sentido no filme, mas a abordagem não me encheu as medidas. "Interview With the Vampire" é muito bom, sem dúvida. No entanto, a atmosfera e aquela sensação de desconforto que atravessa todo o filme em "Let the Right One In" é formidável - e julgo que o coloca num patamar superior aos dois filmes mencionados (não desfazendo, pois são de facto excelentes).

ATP, não faço ideia. Nunca vi "Blade 2" ou "Blade Trinity". Mas por aquilo que já li do segundo, acho que o Del Toro é capaz de ter feito um ligeiro "jump the shark"...

Loot disse...

bem me parecia que esse desfasamento era exagerado :P

O sueco é do melhor que se fez com vampiros na actualidade, e mostrou que o género pode continuar a ser reinventado.

Os outros dois, cujo gosto mantenho, podem ter beneficiado de os ter visto em miúdo. O entrevista até no cinema (apesar de não ter a idade permitida). O livro do dracula li-o depois, já me tinha apegado à ideia de um Dracula que perseguia o amor imortal (a parte desse amor não existe no livro como bem sabes e concordo que a mudança de Mina se justifica por causa disso). E claro Oldman ajudou mto a tornar imortal aquela imagem do Vlad. Esse homem continua a ser para mim um dos maiores actores de sempre :)

Apesar das diferenças foi a única adaptação do livro que pegou na ideia de contar a história pelos diários.

Abraço

João Campos disse...

Percebo o teu ponto de vista. Sem dúvida que o momento da leitura é relevante. Ainda assim, gostei imenso do "Dracula" do Coppola.

Não sei se o Gary Oldman é dos melhores actores da actualidade - mas é sem dúvida um dos meus actores preferidos. Sobretudo quando se pode expandir: vê-lo em "Dracula", "The Fifth Element" e "Leon" é sempre uma maravilha. Até no "Harry Potter" ele se destacou!

(Nos filmes do "Batman" do Nolan esteve bem, claro, mas longe do seu topo)

Rita Santos disse...

O melhor do primeiro Blade é o Deacon Frost. Ponto. Quanto ao 2º Blade, desculpem lá qualquer coisinha mas não se contrata um Donnie Yen versão better and meaner de um Jackie Chan para não o deixar mostrar o que vale. Blade Trinity: Jessica Biel. Preciso dizer mais?

João Campos disse...

O Frost é um bom vilão, sim. Sobretudo quando explode :)

Quanto aos restantes, terei de os ver para opinar.