7 de novembro de 2012

V for Vendetta: As personagens e os arcos narrativos enquanto peças do dominó

A vasta galeria de personagens que compõem V for Vendetta cruzam-se e relacionam-se em vários arcos narrativos distintos, de dimensões variáveis mas cada um com a sua importância própria dentro da história de V e a contribuir de forma muito própria para o final. Alan Moore não deixou nada ao acaso; todas as personagens surgem com um propósito muito definido e um papel a representar no vasto plano concebido por V para derrubar o Norsefire. A imagem dos dominós, presente na graphic novel e tão icónica no filme, ganha aqui especial relevância.

Excluindo V e Evey, Eric Finch terá o arco narrativo mais interessante de V for Vendetta, com as investigações que, a partir do departamento do Estado que controla (“The Nose”), vai fazer ao caso do terrorista que fez explodir o Parlamento e ameaça o poder do Norsefire. Este arco é particularmente relevante por vários motivos: por um lado, fornece muitas informações sobre V; por outro, dá ao leitor uma visão da estrutura governativa a partir de um alto funcionário do partido que, no seu pragmatismo, não mantém ilusões quando à situação real. O seu desentendimento com o recém-nomeado líder do “The Finger”, Peter Creedy, acentua o seu afastamento definitivo da estrutura do partido, tornado definitivo durante a sua visita clandestina às ruídas do campo de concentração de Larkhill. Ainda assim, não desiste da sua investigação e do seu objectivo - movido talvez por um desejo de terminar o seu trabalho e de vingar Delia Surridge, apresar do mal que ela causou.

Curiosamente, dois dos arcos narrativos mais interessantes e relevantes de V for Vendetta pertencem a duas personagens improváveis: a Rosemary Almond, mulher de Derek Almond, alto funcionário do Norsefire e líder do “Finger”; e a Helen Heyer, mulher de Conrad Heyer, também um alto funcionário do partido e líder do “Eye”. No caso de Almond, este desaparece  cedo da narrativa, deixando Rosemary desamparada e numa espiral de decadência. Com a leitura, acompanhamos a queda progressiva de Rosemary, até ao ponto em que, movida por desespero, decide agir e fazer o impensável. De todas as personagens secundárias, é a única que acompanhamos na primeira pessoa.

Já Helen Heyer é uma personagem diferente. Ao contrário de Rosemary, abusada pelo marido, Helen é uma mulher forte e determinada, que mantém o seu marido sob um controlo tão absoluto quanto cruel, manipulando-o para os seus próprios fins. Calculista, prevê a queda inevitável de Adam Susan e prepara com cuidado e astúcia a ascensão de Conrad ao poder, sabendo que será sempre ela quem o controla e quem, assim, detém de facto o poder. Para esse fim usa as armas que tem: dinheiro, inteligência e sensualidade. Através de Alistair “Ally” Harper, um criminoso escocês que surge no arco narrativo de Evey, entra no de Creedy e termina no de Helen, prepara a traição a Creedy para assumir o controlo do “Finger”.

É interessante notar como tanto Rosemary como Helen parecem estar fora dos planos de V - como se fossem jogadoras ocasionais, com uma agenda própria e objectivos muito concretos. Essas agendas próprias existem, de facto, mas estão subjugadas à agenda mais vasta de V, que as incluiu meticulosamente na vasta teia que urdiu desde que se libertou de Larkhill. Neste ponto, a mestria narrativa de Alan Moore em V for Vendetta revela-se em todo o seu esplendor - nada, desde a primeira vinheta, surge por acaso ou destituído de propósito; cada personagem, cada acção, é introduzida na narrativa no momento exacto, e desenvolvida ao ritmo certo para assumir o seu papel no clímax da história. De Rosemary a Helen, de Ally a Gordon, cada personagem, por acção ou inacção, tem um papel a representar no plano de V. Um jogo de xadrez perfeito - ou, se quisermos, uma vasta e intrincada construção com peças de dominó, semelhante à que V montou, que formam a imagem definitiva ao mais ligeiro toque numa delas.

(continua)

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