26 de novembro de 2012

Fórum Fantástico 2012: Dia 3

Chegou ontem ao fim mais uma edição do Fórum Fantástico - e despediu-se com um dia a todos os níveis fantástico, que começou logo pela manhã com a segunda parte do Workshop de Escrita Criativa Fantástica Trëma, que hoje contou com Luís Filipe Silva, Mário de Freitas e Dan Wells. No seguimento da sessão de Sábado, Luís Filipe Silva abriu o workshop com alguns dos principais obstáculos que os aspirantes a escritores enfrentam - como julgar que se escreve até se escrever de facto, ou a apatia ("o grande inimigo do escritor"), a importância da opinião e da personalidade própria da escrita, e as expectativas que os autores devem quebrar - as dos leitores e as suas próprias, e não as de género. Mário de Freitas, da Kingpin, falou sobre as expectativas dos candidatos a autores, sobre as mudanças introduzidas pela impressão digital no mercado, na importância da qualidade e no papel de eventos e prémios para a divulgação. Já Dan Wells centrou a sua apresentação na investigação necessária à escrita de ficção, sublinhando quão fundamental é a pesquisa para o trabalho de escrita. Esta pesquisa pode ser feita através de dois tipos de fontes: directas, quando o autor experiência ele mesmo algo, ou quando chega à fala com alguém que o fez; e indirectas, quando o autor não tem acesso directo à fonte e tem de recorrer a métodos indirectos de pesquisa, como imagens, artigos ou livros. Contudo, reafirma que por vezes o estilo é mais importante que o rigor, e que a qualidade de uma obra não se avalia apenas pelo rigor ou pela qualidade da escrita - mas também, e porventura sobretudo, pela capacidade de despertar emoções nos leitores e de prendê-los à narrativa. Concluiu reafirmando que o mais importante é contar uma boa história.

A parte da tarde começou com uma curiosa apresentação de Luís Filipe Silva sobre a história da ficção científica portuguesa, a partir de uma investigação que está actualmente a desenvolver. Traçando a origem da ficção científica nacional em textos especulativos de finais do século XIX (O Que Há-de Ser o Mundo no Ano 3000, de Suppico de Moraes, em 1895) e inícios do século XX (Lisboa no Ano 2000, de Melo de Matos, em 1906), avaliou a capacidade premonitória dos autores da ficção científica das primeiras décadas do século XX, que anteciparam acontecimentos relevantes e invenções que marcariam os anos que se seguiriam. Encontra-se também em alguns dos textos apresentados uma forte componente panfletária e doutrinária, mas desconhece-se o seu verdadeiro impacto na sociedade, ou a forma como recebidos na imprensa e nos círculos intelectuais (se foram de facto recebidos, claro).

Na apresentação que se seguiu, o professor Jorge Martins Rosa apresentou o livro Cibercultura e Ficção, resultado de uma investigação que procura compreender o discurso da cibercultura nas suas várias formas. Esta investigação já esteve anteriormente no Fórum Fantástico, na edição de 2010, e foi agora apresentada na sua forma completa por Jorge Martins Rosa, Artur Alves e Daniel Cardoso, que contribuíram para este trabalho com ensaios próprios em várias temáticas. No painel seguinte, sobre "Ficções Além-Género", João Morales conversou com os escritores Afonso Cruz e Pedro Guilherme-Moreira sobre as aproximações ao universo do Fantástico nas suas obras literárias.

Como tem sido habitual nos últimos anos, a banda desenhada assumiu o protagonismo na recta final do Fórum Fantástico, com João Lameiras a moderar um interessante painel com Jorge Oliveira, Nuno Duarte e Joana Afonso. Autor de Thermidor 1929, um projecto pessoal que tem desenvolvido desde 2008, Jorge Oliveira explicou a concepção daquele universo fantástico fortemente ancorado em factos, personagens e localizações reais para explorar o tema das viagens no tempo. Já Nuno Duarte e Joana Afonso falaram sobre O Baile, um original álbum de banda desenhada que coloca zombies numa aldeia costeira em pleno Estado Novo. Nuno Duarte é já conhecido no meio da banda desenhada nacional com A Fórmula da Felicidade, e para esta aventura juntou-se a Joana Afonso, vencedora do concurso do Amadora BD de 2011, que deu uma abordagem muito peculiar aos zombies" marítimos" e àquela macabra  narrativa. 

O tema dos super-heróis nacional foi o pretexto para juntar, num animado debate, José de Matos-Cruz, Daniel Maia, Nuno Amado e Luís Filipe Silva. Nuno Amado falou sobre o regresso de Zakarella, heroína clássica da BD portuguesa, num projecto que começou há alguns anos por nostalgia e que acabou na recuperação da personagem. José Matos Cruz apresentou o projecto O Infante de Portugal, que começou como uma pequena história para dar origem a um projecto mais vasto, com o objectivo de criar uma segunda realidade portuguesa num retrato algo irónico da realidade portuguesa que conhecemos. Daniel Maia é um dos ilustradores deste projecto, com o seu contributo pessoal a notar-se sobretudo nas narrativas em flashback. Luís Filipe Silva, por seu lado, foi buscar a antologia que organizou sobre Pulp Fiction para ilustrar uma história popular simulada, que se assume como verídica apesar de não o ser. 

Fiel à tradição de terminar com a exibição de uma curta, o Fórum Fantástico encerrou com a primeira parte do episódio piloto de Capitão Falcão, uma série televisiva de João Leitão (que por motivos familiares não pode estar presente no Fórum) que acompanha um peculiar e hilariante super-herói e o seu sidekick - Capitão Falcão e o Puto Perdiz - na sua defesa dedicada, intransigente e completamente tresloucada do Estado Novo e de Salazar. Para o ano, espera-se, haverá nova edição.

Ao longo dos próximos dias, publicarei no blogue mais algum material relativo ao Fórum Fantástico 2012: a lista completa de recomendações deixadas por mim, pelo João Barreiros e pelo Artur Coelho na nossa sessão de Sábado, e uma entrevista com Dan Wells. 

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