16 de novembro de 2012

Brasyl, ou retratos alternativos do Brasil

O mistério de Brasyl, de Ian McDonald, começa desde logo no título, na forma alternativa como apresenta o nome do país onde, saberemos mais tarde, decorrem as narrativas. E aqui o plural é relevante, pois Brasyl apresenta não uma mas três narrativas, cada uma um pequeno fragmento de um Brasil alternativo no passado, no presente e no futuro.

Comecemos pelo passado: Em pleno século XVIII, Luís Quinn, um padre Jesuíta luso-irlandês, é enviado para o Brasil com o objectivo de trazer à justiça divina um padre renegado que se isolou no interior do território brasileiro, nas profundezas da bacia do Amazonas, e lá fundou um reino espiritual. Luís Quinn é acompanhado pelo geógrafo e filósofo francês Robert Falcon, que quer realizar uma curiosa experiência na região equatorial. A viagem de ambos rio acima é especialmente evocativa, num misto de Heart of Darkness ou Apocalypse Now! com a selva brasileira e a colonização portuguesa. Mas com o padre renegado encontram o início de um enigma antigo que os levará mais longe do que alguma vez imaginaram. 

No presente (leia-se 2006): Marcelina Hoffmann, praticante de capoeira e produtora dos mais degradantes reality shows que podemos imaginar (espero que ninguém se vá inspirar - ou se tenha inspirado - nas ideias de McDonald), tem uma ideia brilhante para um reality show que não só poderia apaixonar o Brasil, como também seria a salvação da sua carreira. A ideia parece simples: encontrar Barbosa, o guarda-redes brasileiro que não conseguiu defender o golo que deu a vitória ao Uruguai na final do Mundial de 1950, no Brasil, e levá-lo a "julgamento popular". A busca de Marcelina pelo velho guarda-redes, porém, revela-se tudo menos fácil; e começa a ter problemas sérios quando alguém começa a interferir de forma particularmente destrutiva não só na sua investigação, como também na sua vida. O que a vai levar a uma descoberta extraordinária.

Enfim, o futuro: em meados do século XXI, o Brasil está irreconhecível: uma nação cyberpunk com óculos computorizados, computadores quânticos capazes de fazer cálculos incríveis, e uma vigilância constante através de uma rede de vigilância para todos os efeitos omnisciente. Edson de Freitas, playboy e executivo de oportunidade, conhece a mulher da vida dele durante a tentativa de salvar o seu irmão de um grande sarilho - e por essa mulher acaba por se ver envolvido numa vasta conspiração que transcende o Brasil que conhece e atravessa universos inteiros.

Estas três histórias, tão diferentes no espaço como no tempo, estão interligadas através de uma trama que começa nas entrelinhas e, aos poucos, acaba por se tornar no centro de uma narrativa vertiginosa. São contadas em conjuntos de três capítulos, um de cada narrativa - uma estrutura que, tal como o título, alude à premissa central do livro e deixa uma pista quando ao enigma que une as três histórias num todo tão coerente como fascinante. Cada história de Brasyl leva-nos para um Brasil alternativo mas plausível, ao mesmo tempo familiar e estranho: uma vasta realidade na qual nada é o que parece. A escrita de McDonald é em termos gerais fluída, repleta de descrições ricas (a primeira página da história de Edson é formidável) e com um carácter quase cinematográfico. A mistura livre (e sempre lógica) de expressões de Português do Brasil com o Inglês contribui para o dinamismo narrativo e acentua o carácter exótico (e, para mim, familiar) de todo aquele universo.

Não é, de todo, um livro perfeito: algumas passagens poderiam ser mais sintéticas, e o primeiro indício de que há algo que une aquelas histórias tão diferentes surgirá talvez um pouco tarde. Algumas das influências de Ian McDonald são muito evidentes, como Heart of Darkness de Joseph Conrad (e a adaptação cinematográfica de Francis Ford Coppola, Apocalypse Now!) na história do Padre Luís Quinn, ou a trilogia His Dark Materials de Philip K. Dick, tanto na temática como em alguns elementos que surgem nas histórias (as temíveis "Q-Blades"), mas isso está longe de ser um defeito. Com a sua mistura de influências e de estilos, Brasyl é uma obra muito original na sua concepção e muito sólida na sua construção. É, acima de tudo, um olhar refrescante e muito interessante sobre um Brasil que não é, nunca foi e nunca será - e que nem por isso deixa de ser tão plausível.

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