26 de outubro de 2012

Flowers for Algernon

Em 1959, Daniel Keyes publicou na The Magazine of Fantasy & Science Fiction um conto que lhe valeria o Prémio Hugo para ficção curta: Flowers for Algernon. A posterior expansão deste conto para um romance valeu-lhe mais um prémio: o Nébula para melhor livro em 1966. Neste livro a todos os níveis invulgar, Keyes centra a narrativa em numa personagem memorável: Charlie Gordon, um adulto com um atraso mental severo e desprovido de qualquer malícia, que vive uma vida simples e despreocupada a fazer pequenos trabalhos numa padaria, alheio ao mundo que o rodeia.

Charlie seria, para todos os efeitos, um protagonista invulgar para um livro de ficção científica. Apesar das suas limitações mentais (um QI de 68), Charlie desde cedo manifestou uma enorme vontade de aprender, e tem um desejo muito forte de aprender a ler e a escrever bem - acreditando que, quando o conseguir, será igual às outras pessoas que conhece. Para isso, frequenta aulas de leitura e escrita no Beekman College Center for Retarded Adults, leccionadas pela professora Alice Kinnian. O seu desejo, porém, acaba por ser concedido: investigadores na Universidade de Beekman desenvolveram uma técnica cirúrgica para aumentar a inteligência dos pacientes, testada com sucesso em ratos de laboratório. O seu grande caso de sucesso é Algernon, um ratinho capaz de resolver problemas complexos, e no qual a experiência teve resultados aparentemente duradouros. Charlie acaba por se oferecer para ser a primeira cobaia humana para aquele procedimento.

Flowers for Algernon conta a história de Charlie através dos Progress Reports que ele escreve no âmbito da experiência científica para lhe aumentar a inteligência. Os primeiros relatórios são escritos de forma extremamente básica, mesmo infantil, com pouco vocabulário e uma péssima construção de frases e exposição de ideias, reflectindo na perfeição as limitações mentais de Charlie. A escrita destes relatórios começa a melhorar após a intervenção cirúrgica, à medida que Charlie começa a revelar verdadeiras capacidades de aprendizagem - aos poucos, aprende a pontuar de forma correcta, a construir frases, até que domina na perfeição a escrita. A evolução intelectual de Charlie do seu QI original de 68 para o extraordinário QI de 185 - que o torna num génio -, porém, está longe de lhe trazer a felicidade que outrora, na sua vasta inocência, imaginara. Aos poucos, começa a perceber que as pessoas que considerava amigas não se riam consigo, mas de si, e que apenas lhe mostravam simpatia pela sua evidente inferioridade. A sua rápida evolução intelectual não se fez acompanhar por uma correspondente maturação emocional, o que inevitavelmente lhe trouxe dissabores vários, e tornou todas as suas relações com os outros particularmente difíceis. A história explora, através da inteligente narrativa epistolar, este crescimento intelectual de Charlie, as suas dificuldades emocionais com quem o rodeia, com a sua família ausente, com o seu passado problemático, e mesmo com a sua própria identidade. Até ao momento em que começa a ter vários indícios de que os resultados da intervenção cirúrgica que o tornaram num génio podem ser apenas temporários...

Mais do que uma emotiva e absorvente história de ficção científica, Flowers for Algernon é uma fascinante reflexão sobre aquilo que define, de facto, a inteligência humana, sobre como o QI pode ser um método particularmente falível de medir essa inteligência, e do elevado preço que se paga pela genialidade. Apesar de ter sido censurado com alguma frequência nos Estados Unidos e no Canadá, Flowers for Algernon integrou (e continua a integrar) vários programas académicos em escolas na América do Norte. Adaptado para vários formatos, da televisão ao teatro, Flowers for Algernon ficou conhecido pela adaptação cinematográfica realizada por Ralph Nelson em 1968, intitulada Charly, e na qual o actor Cliff Robertson viria a ganhar um Óscar para Melhor Actor Principal pela sua interpretação do protagonista Charlie Gordon.

2 comentários:

Nuno V. disse...

Acabei de ler este livro ontem, e deixou-me muito para pensar. Apesar de ter sido escrito há 50 anos, penso que os temas ainda são muito actuais.

João Campos disse...

É mesmo muito actual - tanto no tema como na forma como o aborda. É sem dúvida um livro fascinante.