26 de setembro de 2012

Primeiro turno, Tolarian Academy. Continuamos ou vamos já a outro?

Este é para o Daniel, o João e o Bráulio, os velhos companheiros de jogo.

Este excelente artigo de Noah Davis no portal The Verge fez-me recordar Magic: the Gathering. Ali ao lado, na barra de ligações, manteho uma hiperligação para a página oficial deste jogo de cartas coleccionáveis com o qual tanto me diverti ao longo da minha adolescência (e, com menos reguradidade, desde esse tempo até ao presente). Não seria mesmo exagerado afirmar que tenho uma dívida considerável para com Magic: the Gathering - e não, essa dívida não é monetária, mas já lá iremos.

Comecei a jogar Magic no ano 2000. Com quinze anos, tinha acabado de passar para o décimo ano e deixara a escola básica para ingressar na Secundária. Dois amigos que já lá estudavam costumavam jogar Magic nos intervalos e nos furos (sim, ainda sou do tempo em que cada furo não era preenchido por uma aula de substituição), e comecei a vê-los jogar. As mecânicas do jogo eram um mistério absoluto para mim, mas as ilustrações das cartas eram excelentes e chamaram a minha atenção. Na altura, o jogo estava na transição entre Mercadian Masques e Nemesis, e o infame (e insuperável) bloco de Urza ainda estava vivo e era jogável em praticamente todos os formatos da época. Claro que ver os meus amigos jogar era uma experiência estranha: eles viravam e desviravam cartas na mesa, biscavam e descartavam, enviavam criaturas para o “cemitério” e evocavam criaturas com “haste” e “trample” seguindo uma qualquer lógica subjacente que não conseguia descortinar mesmo lendo o texto das cartas. Foi uma questão de tempo até pedir a um amigo que me mostrasse como funcionava o jogo - e não foi necessário ir ver regras na Internet ou usar baralhos e cartas para iniciados. Pegámos em dois baralhos avançados que ele tinha feito (aquele com que joguei, se bem me lembro, era verde e vermelho), sentámo-nos em redor de uma mesa na sala de convívio, e começámos a jogar. Lição 1: terrenos e cores de mana. Lição 2: começamos com 20 pontos de vida - aos zero é derrota. Lição 3: fases: upkeep, draw, main, combat, main (wait, what?). Lição 4: Ler o texto das cartas. Lição 5: Jogar. 


(Lição 6, nunca verdadeiramente interiorizada: resolver uma stack cheia de spells de dano directo, prevenção de dano, counterspells e misdirections, mais evocação, morte e habilidades activadas de criaturas, situada na terra de ninguém que fica entre a primeira main phase e a combat phase. Os jogadores de hoje em dia não fazem ideia do que isto é, e não estou certo de serem afortunados por isso. Sim, a stack era uma tremenda confusão - afinal, o Shock que tomava o Waterfront Bouncer como alvo era anulado por um Counterspell, mas outro Shock sobrepunha-se ao primeiro com o mesmo alvo; entretanto o Waterfront Bouncer usava a sua habilidade activada para ser devolvido para a mão - ou seja, o Waterfront Bouncer era devolvido antes de o segundo Shock resolver, e quando este resolvesse - sobre nada - entrava em efeito o Counterspell, que anulava um primeiro Shock inútil. Confuso? Sim. Dava sempre zaragata, mas era divertido, e estimulava o raciocínio).

Aprendi a jogar num ápice e logo me integrei no grupo de Magic da escola - tempos animados, com os nossos torneios (fizemos um oficial, sealed deck, que durou um dia inteiro e foi divertidíssimo) e o aproveitar de qualquer buraco entre aulas para jogar um jogo rápido. Comecei a comprar as minhas cartas e a desenvolver os meus próprios baralhos. Comprávamos boosters e encomendávamos, à cobrança, cartas avulso de uma loja online brasileira, que as vendia a bom preço e mandava-as com rapidez e em bom estado. Construí uma versão modesta do Fires of Yavimaya, temido no bloco de Invasion. O meu velhinho deck preto e branco, inspirado num modelo antigo de Urza’s Saga (The Plague), tornou-se popular entre o grupo. Do décimo ao décimo-segundo ano, joguei Magic com gosto e afinco, interessei-me pelas histórias que as cartas contavam, e isso levou-me a ler os meus primeiros livros em Inglês. Aliás, a minha compreensão da língua inglesa e as minhas capacidades de leitura, escrita e mesmo fala neste idioma melhoraram substancialmente graças a Magic - não só por causa dos livros mas também porque, sempre que possível, eu e os meus amigos comprávamos cartas em Inglês. Nada contra o Português do Brasil, mas preferíamos (e preferimos) um Deepwood Wolverine a um Carcaju de Deepwood.

Quando acabei o Secundário, julguei que a entrada na universidade e a mudança para Lisboa me fosse dar mais oportunidades de jogar Magic e mesmo de participar em torneios. Não sem ironia, mudar-me da aldeia no Alentejo para a capital fez-me abandonar o jogo. Faltava tempo, por um lado, e parceiros de jogo também não eram tão fáceis de encontrar como imaginei (não que me tenha esforçado muito, admito). Com a entrada na universidade adquiri o meu primeiro computador, que logo se tornou no meu principal meio de entretenimento. Quando, em 2005, comecei a jogar World of Warcraft, desliguei-me por completo de Magic: the Gathering.

Retomei o interesse pelo jogo há mais ou menos ano e meio - quando o mesmo amigo que, em 2000, me ensinou a jogar Magic com dois decks avançados, me mostrou os decks do novo formato Commander - e retomámos algumas tardes e noites de Magic, por norma acompanhadas de cerveja. Não voltei a comprar cartas, mas voltei a desenhar alguns decks e a divertir-me com estratégias e alguns serões. Refinei - no papel, só - o meu antigo deck preto e branco e criei um combo deck de Goblins hilariante. Continuo a gostar muito de Magic: the Gathering e apesar de questionar algumas das opções tomadas pelas equipas de desenvolvimento do jogo nos últimos anos (Eldrazi, WTF?), tal como continuo a considerar o jogo extraordinariamente divertido e inteligente, tanto para quem quer jogar de forma casual com amigos (como sempre joguei), como para quem quer um desafio competitivo. Encontro no jogo um potencial de diversão infinito em todo o processo de criação de um deck, de definição de estratégias, de combinações para vencer e para evitar a vantagem de outros tipos de decks - e desenvolver um baralho próprio e testá-lo em jogo continua a ser uma experiência sensacional, que recomendo a quem se interessar por este tipo de jogos.

Quanto à dívida: para além do Inglês - para o qual Magic foi uma ajuda preciosa -, foi graças a este jogo que me passei a dedicar a sério ao Fantástico literário. Antes mesmo de ter lido The Lord of the Rings (ou visto os filmes), já tinha lido The Brothers War, mais os três livros do ciclo de Invasion (em inglês). Estava já familiarizado com personagens como Urza, Mishra, Gerrard, Yawgmoth ou Karn. É muito provável que o meu interesse pela literatura do Fantástico tivesse surgido com ou sem Magic, dado que as minhas influências iniciais foram essencialmente cinematográficas (Terminator, Back to the Future, Jurassic Park e The Matrix), mas é inegável que o jogo teve uma enorme influência nas minhas preferências literárias. Mesmo ignorando as muitas horas de diversão que me proporcionou - e ainda proporciona -, só por isso valeu a pena.

6 comentários:

Bráulio disse...

Nostalgia. Bons tempos. :)
Fizeste-me procurar e abrir o meu dossier do bloco de Invasão e raras. Hehehe.

Isso agora tem um novo modo de jogo, não é?

João Campos disse...

O novo modo de jogo casual é designado por Commander, e é extremamente divertido, mesmo em multiplayer. A ver se combinamos um jogo de nostalgia um dia destes.

(mas nada de te pores a comprar boosters, que eu lembro-me muito bem das tuas vagas de sorte!)

Bráulio disse...

Não existe nenhum jogo para pc como havia há uns anos?
Eu era gajo para experimentar esse novo modo assim e uns torneios até Apocalypse. Hehehe.

João Campos disse...

Existem vários - ainda hoje me falaram num. Mas o melhor é perguntares ao Daniel. Ou pegares nas cartas e apareceres :)

Bráulio disse...

http://apprentice.nu/
Estou surpreendido não só por isto ainda existir, como também por ser cross-platform. :)

João Campos disse...

Heh. Já nem me lembrava do Apprentice!