11 de setembro de 2012

A ficção científica e o cinema: Children of Men

Continuamos nas distopias (por pura coincidência - não estou a fazer um mês temático, apesar de a ideia ser tentadora). Depois da divagação e do exemplo literário, passamos para um dos melhores - porventura o melhor? - e mais surpreendentes filmes de ficção científica da última década: Children of Men, de Alfonso Cuáron (2006), uma adaptação do romance distópico The Children of Men, da autora britânica P. D. James. 

Com a narrativa situada em 2027, Children of Men apresenta uma premissa tão simples como sombria: poucos anos após a viragem do milénio, as mulheres tornaram-se progressivamente inférteis, ao ponto de não nascerem mais crianças em todo o mundo. Os motivos para este surto global de infertilidade não são explicados, nem tal é necessário para o enredo - o que importa são as consequências, e essas são desastrosas. A prazo, a falta de uma qualquer solução para a infertilidade implicará a extinção da raça humana. Com a inevitável espiral no caos que desintegrou sociedades inteiras ao mergulhá-las no desespero. O Reino Unido é uma das últimas nações a tentar manter algum controlo, mas o excesso de imigrantes tornou a velha democracia num estado policial com campos de concentração para refugiados e estrangeiros, terreno fértil para várias organizações terroristas. 

Theo Faron (Clive Owen) é um ex-activista que procura viver uma vida normal quando se vê envolvido com um grupo activista intitulado "Fishes", liderado pela sua ex-namorada Julian Taylor (Julianne Moore), que procura obter através dele um documento de livre trânsito para uma misteriosa rapariga deixar o país. Theo acaba por se juntar aos activistas para escoltar Kee (Clare-Hope Ashitey) até um barco na costa, quando descobre a verdadeira importância de Kee - e o motivo pelo qual os "Fishes" a querem usar para os seus próprios fins. Nesse momento, decide contactar Jasper (Michael Caine em mais uma excelente interpretação) para procurar uma ajuda para Kee que nem sabe se de facto existe. 

A forma como Alfonso Cuáron mostrou uma sociedade entregue ao desespero é extraordinária - da calma aparente da cidade fortemente policiada para afastar os refugiados às milícias dispersas pelas zonas rurais, da realidade desoladora dos campos de refugiados à brutalidade de uma autêntica guerra urbana, nenhuma cena é desperdiçada ou surge por acaso. Pouco adepto da exposição, Cuáron opta por deixar as imagens falarem por si - e o impacto é inegável. Com inúmeras cenas memoráveis - entre as quais destacaria (como muitos) as duas perseguições e a batalha em Bexhill - e uma última meia hora avassaladora, Children of Men é um filme sobre a esperança perante o mais profundo dos desesperos, repleto de simbologia cristã e com uma mensagem particularmente ambígua no final. 

Não posso dizer se Children of Men é uma adaptação fiel do romance de P. D. James, pois (ainda) não o li - de acordo com a Wikipedia, ainda que a essência da premissa se mantinha, Alfonso Cuáron fez algumas mudanças significativas face ao livro. Não podendo discutir ou comparar os méritos de ambas as obras, resumo-me ao filme - e esse é extraordinário, com uma mestria técnica e um realismo que envergonha boa parte dos filmes de acção contemporâneos e com uma carga simbólica e emocional que arruma a um canto muito do cinema pseudo-intelectual que tanto entusiasma a crítica e as "elites". É um dos melhores filmes de ficção científica da década que passou - não por esta ter sido um pouco fraca no que ao género diz respeito, mas por mérito inteiramente próprio. E, acima de tudo, Children of Men é mais do que um grande filme de ficção científica - é um dos grandes filmes dos últimos anos. 8.9/10

1 comentário:

João Campos disse...

O elenco é mesmo muito bom.