7 de agosto de 2012

The Dark Knight Rises (and falls)

Christopher Nolan concluiu com The Dark Knight Rises a sua trilogia dedicada a Batman, o "cavaleiro das trevas" da DC Comics - e aqui a palavra "trilogia" ganha particular importância quando o final do filme, apesar de encerrar o ciclo narrativo iniciado em Batman Begins (2005), deixa o enredo em aberto e preparado para uma eventual continuação - que poderá ou não ser feita, por Nolan ou outro realizador.

Antes de mais, importa moderar as expectativas: jamais The Dark Knight Rises conseguiria superar o filme anterior, The Dark Knight - com um enredo inteligente, ainda que falível, desempenhos sólidos e um Heath Ledger a superar-se na encarnação de um Joker extraordinário, o perfeito vilão que urde a teia que lhe permite vencer o seu jogo destrutivo mesmo quando perde a vida. Dito isto, consegue The Dark Knight Rises encerrar da melhor forma a trilogia de Batman desenvolvida nos últimos sete anos por Nolan? (dois avisos: spoilers e texto longo)



Com toda a justiça, a resposta terá de ser negativa. The Dark Knight Rises será sem dúvida um filme interessante, mas apresenta fraquezas demasiado elementares, independentemente de o considerarmos enquanto obra individual ou como parte de uma narrativa mais vasta. Demasiado longo, com inúmeras quebras narrativas e uma escusada dependência de twists pouco eficazes e de clichés sem fulgor, The Dark Knight Rises tem algums momentos muito bons - quase todos com a Catwoman, mas já lá vamos -, infelizmente perdidos numa narrativa dispersa e fracamente executada.

Comecemos por o positivo do filme: Selina Kyle, a excelente Catwoman de Anne Hathaway (que só surpreende quem nunca tenha prestado atenção à actriz), aqui caracterizada como uma ladra profissional com um passado atribulado. Selina é apresentada logo no início, ao assaltar a mansão Wayne e incitar o letárgico Bruce Wayne a sair do seu isolamento de oito anos após a morte de Rachel e o terrível desfecho de Harvey Dent. O desempenho de Hathaway e a evolução da sua personagem consegue ser um autêntico balão de oxigénio para todo o filme, com momentos memoráveis (o do bar, logo no início, merece destaque, e convenhamos que Hathaway fica melhor na mota do Batman do que o próprio Batman) e uma espantosa capacidade de "roubar" o protagonismo em cenas com personagens há muito estabelecidas. O seu assalto inicial serve de ignição ao enredo e abre o caminho ao vilão-que-não-o-é: Bane.

Bane merece também uma nota positiva - o desempenho de Tom Hardy é bastante competente, e Bane tem tudo para ser um vilão excelente, com uma combinação de força monstruosa, argúcia e uma voz desarmante*. Infelizmente, Bane acaba por ser uma personagem banal e, porque não dizê-lo, irrelevante, destruído de forma particularmente anti-climática não pela intervenção da Catwoman mas pelo pela própria narrativa, ao introduzir Miranda/Talia al Ghul, filha de Ra's al Ghul (o vilão de Batman Begins), como a verdadeira "má da fita", tornando Bane em pouco mais do que um fantoche glorificado. O que, para além de diminuir a ameaça de Bane, se revela problemático por vários motivos:

1) A mensagem política, 1: Ao chegar e dominar Gothan de forma, reconheça-se, engenhosa, Bane apresenta à cidade o seu plano de "devolver" Gothan à população, através de uma mensagem que poderia ser proferida exactamente pelas mesmas palavras (mas jamais com mesmo tom, convenhamos) por um qualquer manifestante do movimento Occupy Wall Street. Do assalto à Bolsa ao discurso no estádio, está lá tudo: o ódio aos "ricos" e aos "corruptos" (entendidos como sinónimos), o poder à população, sobre quem recairá (ou não) a escolha quanto ao futuro da cidade, o fim da autoridade policial, convenientemente presa nos esgotos da cidade. Ideologia à parte, a revolução de Bane - se lhe podemos chamar assim - poderia dar uma história interessante se fosse bem trabalhada. No entanto, o estafado plano da bomba nuclear (saudades do plano rebuscado do primeiro filme) e a surpreendente - para não dizer irrealista - passividade da população de Gothan tornam toda esta ideia ridícula. A cidade está sitiada, sob ameaça permanente, e não há em momento algum motins, racionamento, pilhagens, nada, nem quando todos os criminosos encerrados na prisão de Gothan são libertados (talvez seja suposto acreditarmos que todos se juntaram ao exército de Bane, mas isso implica esticar a suspensão na descrença para lá do aceitável). Para além disto, a revelação de Talia torna Bane e todo o seu discurso irrelevante - afinal, o objectivo era apenas concluir o plano original da "League of Shadows" e destruir Gothan. O que, diga-se de passagem, faz com que todo o discurso "Occupy", as cenas do julgamento aos ricos e as respectivas execuções (os planos com os corpos enforcados são todo um programa) pareçam introduzidos no argumento à martelada, uma piscadela de olho ao clima actual que soa particularmente vazia (o que, pelo menos no caso das cenas dos julgamentos, é uma pena, pois é sempre um prazer rever a personagem de Jonathan Crane/Scarecrow).

2) A mensagem política, 2: Podemos todavia admitir que, com a introdução deste tema, Nolan está na verdade a criticar o ar do tempo e mostrar como toda a ideologia do empowerement to the people e do fim dos "ricos" ingénua, pois sempre um "vilão" carismático a decidir o rumo dos acontecimentos e a conduzir um propósito aparentemente nobre para o terror. Ou, em alternativa, podemos analisar a mensagem política de The Dark Knight Rises à luz dos estereótipos Randianos, como Abigail Nussbaum fez nesta excelente review ao filme (uma interpretação interessante, que, no entanto, poderia ser aplicada com mais ou menos precisão e densidade à maioria das histórias de super-heróis). Ambas as teses são interessantes, mas ambas caem por terra porque o próprio Nolan (ou os próprios Nolans) a condena à irrelevância - o que está em causa não é uma qualquer revolução popular, mas tão somente a vingança por Ra's al Ghul (afinal, a bomba não serve para provar um ponto - serve para rebentar mesmo). E se o tema da vingança é sempre interessante, dificilmente poderia ser mais mal desenvolvido, com a história da filha que odiava o pai mas que decidiu vingá-lo quando Batman o deixou para morrer durante a tentativa de destruir Gothan City. O que nos leva para o ponto 3.

3) A irrelevância da trilogia: Este argumento não é meu, mas de Doug Walker (a review é longa, mas vale a pena ser vista na íntegra). Ao retomar a narrativa do primeiro filme, e sobretudo ao executá-la de forma tão pobre, The Dark Knight Rises torna irrelevante o segundo filme da trilogia, como se fosse um mero episódio acidental na história que o realizador pretendia contar. Note-se que Batman Begins termina com uma referência directa ao vilão do filme que se seguiria - o (extraordinário) Joker - mas todos os acontecimentos de The Dark Knight acabam por não ter qualquer impacto no grande enredo da "League of Shadows" e de Talia al Ghul. A revelação da verdade sobre Harvey Dent não faz parte do plano de Bane - ele tropeça, quase literalmente, nesse detalhe através de uma série de coincidências tão mirabolante que se torna ridícula (1 - Gordon preparou o discurso para revelar a verdade, mas não o leu; 2 - Gordon tinha, por acaso, o discurso consigo quando foi investigar os esgotos; 3 - Gordon, por acaso, é capturado pelos capangas de Bane e este, por acaso, revista-o e encontra o tal discurso). Excessivamente conveniente, diga-se de passagem - como é conveniente Bane ter feito a sua base de operações exactamente por baixo do complexo das "Applied Sciences" onde estavam os protótipos de Fox, mas adiante.

As fraquezas de The Dark Knight Rises não ficam porém por aqui. A "ascensão" de Bruce Wayne/Batman é feita de forma particularmente desinspirada, e praticamente todas as sequências de acção do clímax do filme ficam muito aquém do que Nolan apresentou nos dois trabalhos anteriores. Com franqueza, a polícia a fazer uma carga de tipo medieval contra um inimigo fortemente armado? Ninguém avisou o Nolan de que aquilo não era The Lord of the Rings? (a eventual simbologia da cena não consegue disfarçar quão disparatada ela é) A descoberta da identidade do Batman por Blake (Joseph Gordon-Levitt) parece também excessivamente forçada, e o encarceramento de Selina Kyle na prisão masculina é absurdo. E, claro, importa referir - novamente - o desinspirado plot device da bomba nuclear, rebentado (nos dois sentidos) pelo desfecho redentor, banal e previsível a léguas, devido à Chekov's Gun do piloto automático do "Bat" e ao anterior discurso de Alfred (isto, claro, se não considerarmos a revelação de Robin como o verdadeiro desfecho).

Claro que há alguns aspectos positivos - Catwoman, como já referi, algumas interpretações e alguns momentos mais duradouros. The Dark Knight Rises falha, no entanto, em dar à trilogia de Nolan sobre Batman o final que ela merecia, sobretudo após dois filmes tão bem conseguidos. É difícil explicar a aclamação crítica de The Dark Knight Rises (basta conferir aqui e aqui), que não consegue sobreviver ao enorme hype que gerou. Não é terrível - Batman já teve filmes mesmo muito piores, e este vê-se razoavelmente bem -, mas fica a grande distância daquilo a que Nolan habituou o seu público na última década. 6/10


*Bane teve outro problema para mim: apesar de a voz dele fazer um contraste muito interessante com a sua figura e o seu carácter, pareceu-me sempre demasiado parecida com a voz de Deckard Cain, o velhote da série de videojogos Diablo. De tal forma que, cada vez que Bane aparecia, estava à espera de o ouvir dizer "stay a while and listen..."

1. Texto editado para corrigir algumas gralhas e inconsistências. 

2. Texto novamente editado para eliminar alguns advérbios de modo. Resolução para 2013: não usar mais de um advérbio de modo por cada mil palavras, excepto em circunstâncias deveras excepcionais.

4 comentários:

Loot disse...

Aquela nota no imdb irá descer com o tempo e ficar abaixo das dos outros 2. Eu gostei do filme, mas concordo que é o mais fraco dos 3, aliás concordo de uma forma geral com tudo o que disseste, os outros filmes podem ter erros mas aqui isso é elevado em demasia.

Acho o Bane realmente formidável, tem um par de cenas impressionantes, mas podiam ter ido mais longe com ele no fim. Não vale a pena repetir, mas é uma pena não terem seguido mais numa onda V for vendetta do que "afinal isto é tudo uma diversão para uma vingança".

Os twists são nulos, pelo menos para quem conhece a BD, mas também neste tipo de filmes faz um pouco parte uma vez que é inspirado na BD :)

O the dark knight pode parecer "a mais" na trilogia, mas continua a ser o melhor

Abraço

joão campos disse...

O "V For Vendetta" é um animal diferente. Por acaso será tema aqui no blogue - tanto a graphic novel como o filme - em breve, espero. Quanto aos comics do Batman, nunca li nenhum (apesar de em breve dever dar uma vista de olhos a "The Killing Joke").

Como disse, apesar de não partilhar a ideologia, se o Nolan quisesse tornar o Bane no paladino do OWS, a coisa poderia ser interessante. O que ele fez, contudo, foi um disparate pegado.

The Dark Knight é um filme formidável e o melhor da trilogia (apesar de Batman Begins ser também muito bom). Apenas parece a mais porque o Nolan decidiu - desnecessariamente - repescar a League of Shadows. Independentemente de Talia ser uma personagem relevante nos comics (não conheço as bandas desenhadas originais mas a Wikipedia é uma das minhas melhores amigas), aquele Bane tinha tudo para ser um vilão tão bom como o Joker, ainda que radicalmente diferente.

Abraço

Loot disse...

Não pretendia comparar o V ao Bane. O V é muito mais interessante e rebuscado, queria apenas dizer seguir-lhe numa onda mais próxima que era a do guerrilheiro do povo. Outro factor que me lembra o V é a questão do símbolo ser eterno e o homem poder ser destruído.

A Talia é importante sim é a 2º mulher mais importante na vida do Morcego e que na BD lhe dá um filho, o Damian Wayne. Relação muito diferente da do filme pois a Talia ama o Batman.

Quanto às BD's do Batman, acho que do género super herói é o que tem as melhores, do que conheço. Killing Joke é uma excelente escolha, para começar eu sugiro sempre o Ano Um do Miller pela qualidade e por ser o início.

Abraço

joão campos disse...

Eu vou começar por "The Killing Joke" porque é aquela que consigo pedir emprestada - comics são infelizmente caros, e de momento o orçamento destinado aos "quadradinhos" está a ser todo canalizado para The Walking Dead :)

(mas sim, Batman é provavelmente o super-herói mais interessante que por aí anda)

O Bane de Nolan e o V podem ser comparados até certo ponto, na medida em que as suas causas têm algumas semelhanças. A diferença é que o V, tanto no filme como no livro, levou a sua revolução até às últimas consequências, enquanto a revolução do Bane foi tornada irrelevante por Talia. Dito de outra forma, a mensagem política de V tem um significado e uma concretização, enquanto a de Bane é desenvolvida com um fraco enquadramento e é posta de parte por uma imbecilidade narrativa.

Abraço