29 de maio de 2012

A Ficção Científica e o Cinema: Ghost in the Shell

Falar de ficção científica cinematográfica sem mencionar algumas obras de animação japonesa seria deixar de fora alguns filmes incontornáveis do género. Já falei, há algumas semanas, de Paprika, e certamente mencionarei outros clássicos ao longo desta série. Hoje, e recordando o que escrevi há dois anos no Delito de Opinião, dedico o artigo semanal sobre cinema a Ghost in the Shell (Mamoru Oshii, 1995 - e perdoem-me os leitores por evitar as designações japonesas ou a ridícula tradução portuguesa para "Cidade Assombrada") - que, mais do que ser um dos grandes filmes de animação japonesa, é com toda a justiça um dos melhores filmes de ficção científica da década de 90.

Baseado no mangá homónimo de Masamune Shirow, Ghost in the Shell leva-nos para um universo ciberpunk com óbvias inspirações no inevitável Blade Runner, tanto na atmosfera como também no enredo. A narrativa decorre numa Tóquio futurista, com uma sociedade na qual a rede (uma Internet extremamente sofisticada) se tornou ubíqua com o acesso ao fluxo ilimitado de informação directamente através de implantes cerebrais cibernéticos. A protagonista é Motoko Kusanagi, Major da Secção 9, uma unidade governamental de combate ao ciberterrorismo altamente especializada com uma liberdade de acção considerável e que, habitualmente, é chamada a resolver situações que as restantes agências governamentais não conseguem solucionar por meios convencionais. Mas Motoko não é exactamente humana, mas sim uma cyborg - a sua mente humana reside num corpo artificial topo de gama -, e questiona-se permanentemente sobre a sua condição. Que, diga-se de passagem, está longe de ser invulgar - dentro da Secção 9, apenas o líder, Aramaki, e um dos mais novos membros, o ex-polícia Togusa, são completamente humanos (Togusa, aliás, foi seleccionado precisamente por esse motivo). No decurso de uma nova investigação, a Secção 9 tropeça numa ponta solta de uma conspiração com origem noutra agência governamental - e um famoso hacker,uma "consciência sem corpo" auto-intitulada "Pupper Master", emerge no ciberespaço e leva Motoko a procurar por todos os meios obter as respostas sobre quem (ou o que) ela é.

Como mencionei acima, Ghost in the Shell vai beber directamente à fonte de Blade Runner (e, em termos literários, diria que também Neuromancer, de William Gibson, é uma influência deste filme), não só no tema - onde reside exactamente a fronteira que separa a vida "natural" da "artificial" - mas também na atmosfera, na grande e sombria metrópole, simultaneamente sofisticada e suja (gritty), onde até os momentos que decorrem durante o dia parecem difusos e sombrios. Mas mais relevante do que as suas inspirações seja o facto de Ghost in the Shell ser, em si e por mérito próprio, um marco incontornável na ficção científica cinematográfica. A título de exemplo, The Matrix, um dos mais populares e influentes filmes de ficção científica das últimas décadas, tem nesta obra japonesa uma das suas grandes influências.


Longe de cair no velho - e tão gasto - estereótipo que define filmes de animação como filmes para crianças, Ghost in the Shell apresenta uma narrativa e muito bem construída em redor de poucas mas interessantes personagens, com uma animação extraordinária para a época (e que ainda hoje considero excelente). É um thriller denso, violento a espaços, com excelentes sequências de acção a quebrar o tom "filosófico" que atravessa toda a narrativa. Ghost in the Shell é, a todos os níveis, imperdível - e inesquecível. 8.8/10

Em jeito de nota de rodapé: se gostarem deste filme, não deixem de ver as duas temporadas da série televisiva "paralela" Ghost in the Shell: Stand Alone Complex - de longe, uma das melhores que já vi.

2 comentários:

Anónimo disse...

Já agora uma menção para a extraordinária partitura musical de Kenji Kawai (que voltou para a sequela). Uma das mais belas e potentes composições que já ouvi para filmes de FC, incluindo Blade Runner, 2001 e Forbidden Planet.

joão campos disse...

De facto, não mencionei a banda sonora - e devia, pois é excelente, e indispensável para a atmosfera do filme.

Ainda não vi a sequela. Queria tê-la visto no Monstra, mas não consegui ir a nenhuma das sessões. Algo a resolver em breve.