4 de maio de 2012

Earthsea e The Farthest Shore

Será Earthsea, de Ursula K. Le Guin, uma das grandes séries da literatura de fantasia? Após a leitura dos três primeiros livros, diria que sim: no mundo de Earthsea, composto pelas centenas - milhares? - de ilhas dispersas pelo Arquipélago central e pelas ilhas dos quatro "Reaches", Le Guin desenvolveu um universo fantástico incrivelmente rico, digno de figurar entre os outros grandes universos da fantasia literária. Composta por cinco volumes (The Wizard of EarthseaThe Tombs of AtuanThe Farthest Shore, Tehanu e The Other Wind) e por vários contos (compilados na antologia Tales from Earthsea), a série Earthsea segue, nos três primeiros livros - aqueles que li até agora -, a vida do feiticeiro Ged desde a sua infância na ilha-montanha de Gont até ao seu tempo como Arquifeiticeiro dos feiticeiros de Roke.

No entanto, cada um dos três primeiros livros conta uma aventura (chamemos-lhe assim) específica de Ged, e entre eles passam-se, na cronologia de Earthsea, vários anos. Em momento algum Ursula K. Le Guin sente a necessidade de contar tudo o que se passou - ao longo das histórias que decide contar, deixa alguns fragmentos de aventuras vividas nos interregnos da narrativa, mostrando que aqueles períodos não estão vazios e que têm importância - mas não são a história que ela pretende contar. O que, do ponto de vista narrativo, é excelente: ao resistir à tentação (se é que sentiu tal tentação) de contar tudo, Le Guin conseguiu centrar-se no essencial, e assim criar um universo bastante coeso, com três aventuras muito contidas, narradas a um ritmo excelente. É justamente nestes pontos que Ursula K. Le Guin revela toda a sua capacidade criativa, que já a destacara na ficção científica: consegue imaginar um mundo visualmente rico e seleccionar exactamente o que quer contar e como o quer contar,

Normalmente, quando quero escrever sobre um livro que faça parte de uma série, costumo escrever apenas sobre o primeiro volume da série, de forma a evitar eventuais spoilers. Vou no entanto abrir uma excepção hoje e, ao abordar Earthsea, de Ursula K. Le Guin, vou falar não do primeiro livro da série, The Wizard of Earthsea, mas do terceiro, intitulado The Farthest Shore. O motivo é simples: dos três livros que compõem a trilogia original, The Farthest Shore foi aquele que mais me prendeu. Sim, a perseguição do primeiro livro é excelente, sobretudo no desenlace. Sim, o labirinto de The Tombs of Atuan é extraordinário, e Tenar é uma personagem com um ponto de vista muito interessante. Mas o mistério de The Farthest Shore, com a magia e o conhecimento a desaparecerem do mundo enquanto um vazio indefinido se parece instalar, é a todos os níveis formidável; e ainda que durante a narrativa sejam dadas várias pistas sobre a natureza do vilão, sobre o papel de Arren e sobre a importância da constelação da estrela Gobardon (sempre referida num tom particularmente ominoso), a verdadeira natureza do enigma perdura, cada vez mais empolgante, até ao final. Na sua fascinante odisseia viagem pelos mais remotos arquipélagos de Earthsea, Ged e Arren encontram povoações mergulhadas na apatia, escapismo pelo consumo de drogas, traficantes de escravos, civilizações estranhas, dragões e as sombras para lá dos limites do mar sem fim. 

Não sei se (ou como) a história de Ged continua no quarto livro, Tehanu (tenho evitado spoilers, o que é particularmente difícil quando se tem o livro aqui mesmo ao lado). The Farthest Shore, contudo, funciona muito bem como uma conclusão para esta personagem. É, sem dúvida, uma viagem extraordinária, daquelas que a grande fantasia consegue oferecer-nos de forma única.

Este artigo surge, naturalmente, no contexto da sessão de hoje do Clube de Leitura Bertrand do Fantástico que se realizará hoje, às 19:00, no Espaço do Autor da Livraria Bertrand do Chiado (Lisboa). O livro que dá o mote à tertúlia é, justamente, o primeiro livro da série Earthsea, de Ursula K. Le Guin: The Wizard of Earthsea. A convidada será a professora Maria do Rosário Monteiro, autora de A Simbólica do Espaço em O Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien. A moderação, como é habitual, estará a cargo de Rogério Ribeiro. 

2 comentários:

XR disse...

Há ainda um quinto livro, "Num Vento Diferente" - onde muitas coisas são finalmente explicadas, perguntas que ficaram no ar ao longo dos quatro livros anteriores têm, por fim, resposta.
Não vou dizer nada sobre o mesmo para não correr o risco de abrir um "spoiler". Mas para mim, fã incondicional da saga de Terramar, é magnífico. Recomendo a leitura deste quinto livro logo a seguir a Tehanu, se possível.

Infelizmente, creio que não foi publicado por cá o conto que originou a saga (The Word of Unbinding) nem um livro complementar (Tales From Earthsea), que enriqueceriam certamente a nossa visão desse mundo ficcional...

João Campos disse...

Ainda não li "Tehanu". Mas quero concluir a série - contos incluídos (o "The Word of Unbinding" deve estar incluído numa antologia qualquer - e a falta de tradução não é problema). Earthsea é realmente um mundo fascinante.