9 de maio de 2012

Clube de Leitura Bertrand do Fantástico: The Wizard of Earthsea, com Maria do Rosário Monteiro (1)

O Clube de Leitura Bertrand do Fantástico reuniu uma vez mais em Lisboa na passada Sexta-feira, 04 de Maio, para falar sobre The Wizard of Earthsea, de Ursula K. Le Guin - e, claro, sobre os restantes livros que compõem o Earthsea Quartet. A convidada foi a professora Maria do Rosário Monteiro, que na sua carreira académica estudou o Fantástico, tendo trabalhado, em tese, sobre as obras de Tolkien e Le Guin. A "moderar" a tertúlia esteve, como sempre, o Rogério Ribeiro, que desta vez apostou num formato ligeiramente diferente e mais "interactivo", convidando (desafiando?) a assistência a intervir com maior regularidade - o que, diga-se de passagem, resultou muito bem, tornando a tertúlia quase numa conversa entre o Rogério, a Maria do Rosário Monteiro e todos os presentes. 

Maria do Rosário Monteiro começou por referir que se nota muito a evolução da própria autora da primeira à quarta história. The Wizard of Earthsea é, na sua essência, uma história de aventura, orientada sobretudo para um público mais jovem (mas não só), "aplicando a ideia tradicional do herói com uns pozinhos de Jung e de taoísmo". Esta primeira aventura é, na sua essência, a jornada pessoal de Ged na descoberta de si mesmo, até à aceitação e harmonização dos seus aspectos positivos e negativos. "É uma narrativa de auto-aprendizagem", considera Maria do Rosário Monteiro, "assente na noção de que não mudamos o mundo." Relembrando o carácter inato da magia em Earthsea, a professora sublinha o carácter "científico" que o controlo desta assume, seguindo um processo racionalizado. No centro da magia neste universo reside a palavra, enquanto essência do ser - demonstrada por Ged no final da narrativa. 

No segundo livro, The Tombs of Atuan - obra que, de acordo com a própria autora, surgiu a partir de um reparo da própria mãe sobre o facto de Le Guin ser declaradamente feminista e no entanto escrever sobre personagens masculinos -, o protagonismo é dado a uma mulher, Tenar. Para Maria do Rosário Monteiro, Tenar manteve a ambivalência tradicional das deusas femininas - o que lhe dá particular força - e ganhou com isso densidade, sem em momento algum cair "nos radicalismos femininos". No entanto, a construção desta personagem foi um desafio por "não haver na altura tradição literária para heroínas" - e também pela dificuldade de desenvolver uma heroína "que não tem actos heróicos".

Já The Farthest Shore, o terceiro livro da série, é para Maria do Rosário Monteiro uma história "muito bonita e altamente filosófica", na qual Ged regressa como protagonista. O seu novo papel de "tutor" (de Arren) ilustra o problema da escolha e da responsabilidade - ideia cara a Le Guin, a de que todos os actos têm uma consequência, que o protagonista resolve através da sua própria definição da "filosofia da não-acção", noção central no taoísmo (conforme relembra Maria do Rosário Monteiro, este "é um problema sem solução dentro do próprio taoísmo"). The Farthest Shore, com o seu final aberto e incerto, deixou porém a Ursula K. Le Guin um problema por resolver: "como dar continuidade ao Ged e desenvolver uma filosofia feminina com Tenar" Na opinião da convidada, Tehanu, escrito vários anos após o terceiro livro, é um excelente regresso da autora ao mundo de Earthsea , sobretudo porque o livro anterior "acaba numa situação de desequilíbrio entre a vida e a morte", que a continuação resolve [felizmente, falou-se pouco deste livro, que ainda não li].

A sessão, desta vez, contou com uma audiência mais participativa (e não houve a habitual "música ambiente" no exterior da livraria), que na sua maioria tinha lido Earthsea nas edições "Quartet" em inglês. Os vários livros que compõem a série têm várias traduções em Português - a mais recente é da Editorial Presença, numa edição claramente orientada para um público infantil-juvenil (mais infantil, até). Luís Filipe Silva relembrou que o fenómeno do "infantil-juvenil" expandiu-se com outro fenómeno literário muito forte - Harry Potter -, sem que a colecção da Presença tenha tido o sucesso antecipado. "Salvaram-se" alguns autores, entre os quais Ursula K. Le Guin - e ficaram as capas horríveis e infantis numa obra "com uma linguagem mais adulta e um estilo mais adulto". 

Esta sessão do Clube de Leitura Bertrand do Fantástico não se esgotou contudo em Earthsea e Ursula K. Le Guin. Dos géneros do Fantástico a Tolkien, passando pela edição e pela literatura actual, vários foram os temas abordados por Maria do Rosário Monteiro ao longo daquela hora e meia que acabou por saber a pouco. Sobre esses temas, falarei noutro artigo. 

4 comentários:

Rita Santos disse...

Lembro-me de ter visto uma série na Sic Radical que é, pelos vistos a adaptação do livro e de ter ficado muito mal impressionada. Não deve corresponder então...

joão campos disse...

É muito provável que seja. E sim, por aquilo que li e ouvi dizer, essa adaptação é mesmo muito fraquinha.

Alexandra Rolo disse...

eu vi finalmente, ontem à noite, o filme ou mini série (estava dividido em duas partes de quase uma hora e meia cada uma) e não achei que estivesse muito mau.

João Campos disse...

Há duas "adaptações": uma com actores reais, outra de animação japonesa (dos estúdios Ghibli). Por aquilo que tenho lido - dado que não vi nenhuma destas versões - ambas são muito fracas. Mas, lá está, só vendo.